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David Bowie em 1999 previu o impacto que a internet causaria na arte e na sociedade

Por André Garcia
Postado em 11 de abril de 2022

David Bowie já na primeira metade da década de 70 se provou um dos maiores cantores e compositores da Inglaterra. Ao longo das décadas, ele reforçou isso mudando de estilo diversas vezes, mas sempre se mantendo atual e relevante.

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Mas há quem considere que seu maior mérito, na verdade, tenha sido a capacidade de antever o futuro para se antecipar às tendências. Capacidade essa que foi evidenciada numa entrevista que ele deu em 1999 na BBC para Jemery Paxman.

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Nela, o Camaleão do Rock definiu a internet como algo "emocionante e aterrorizante" e que iria "esmagar nossas concepções tradicionais de mídia". Enquanto o entrevistador, cético, considerava suas palavras um exagero, e dizia que a internet era "apenas uma ferramenta".

Jemery Paxman: Eu li em algum lugar que, se você estivesse começando agora, com uns 19 anos, você não entraria nisso [a carreira musical].

David Bowie: Certo. Eu acho que eu seria apenas um fã, ou um colecionador de discos. Eu queria ser músico porque parecia algo tão rebelde e subversivo que dava a sensação de que uma pessoa poderia mudar as coisas. Era muito difícil ouvir música quando eu era pequeno, bem pequeno, você tinha que sintonizar na rádio AFN para ouvir música americana. Não tinha MTV nem nada assim.

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Era meio que uma convocação para a guerra. O sentimento era que aquilo podia mudar as coisas, mas que era um beco sem saída, uma profissão sem futuro. Causava horror nas pessoas você dizer que estava fazendo rock and roll: "Oh, meu Deus!". Mas hoje em dia isso é uma oportunidade de carreira. Agora a internet é que carrega a bandeira de ser algo subversivo, e ter um potencial rebelde, caótico e niilista.

Jemery Paxman: Do que você gosta no fato de qualquer um poder dizer o que quiser sobre o que quiser?

David Bowie: Da minha perspectiva, por eu ser um cantor pop, eu abraço a ideia de que há um processo de desmistificação em curso entre o artista e o público. Quando você olha para essa última década, não teve realmente uma única entidade artística ou grupo que a personificasse, que fosse a síntese dos anos 90. Isso começou a enfraquecer nos anos 80, nos anos 70 ainda era muito bem definido. Nos anos 60 tinha Beatles e Hendrix, nos anos 50 tinha Elvis…

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Hoje temos subgrupos, é hip hop, é girl power… É uma coisa comunitária. Gira em torno da comunidade. A coisa está se tornando cada vez mais voltada para o público porque o sentido de ter alguém liderando o caminho desapareceu. O vocabulário do rock de tão conhecido se tornou uma moeda e perdeu o sentido, dissemina apenas informação, não dissemina rebelião.

E a internet assumiu isso, como costumo dizer. Eu considero uma área terrivelmente excitante da minha perspectiva de ser um artista. Eu quero ver como será o novo desenvolvimento. Entre os artistas e o público tem um abismo que é personificado, para mim, pela cultura rave nos últimos anos. Nela o público era no mínimo tão importante quanto quem estava tocando. É como se o papel do artista fosse acompanhar o público. O que o público faz e sente está se permeando na música, e está se permeando na internet.

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Jemery Paxman: Mas o que há de especial na internet? Quero dizer, qualquer um pode dizer qualquer coisa, e isso a dilui para mim. Me parece não ter nada de coesivo nela, ao contrário da revolução que os jovens fizeram na música.

David Bowie: Até pelo menos meados dos anos 70, parecia que estávamos vivendo uma sociedade normativa e absoluta em suas verdades e mentiras. Não havia nenhum tipo de duplicidade ou pluralismo em nossas crenças. Isso mudou rapidamente nos anos 70, de forma que havia de repente dois, três, quatro, cinco respostas diferentes para cada pergunta. Aquela normatividade desapareceu, e isso, acredito eu, produziu uma mídia como a internet, que estabelece de uma vez por todas — e escancara — que vivemos em total fragmentação.

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Jemery Paxman: Você não acha que essas alegações são extremamente exageradas?

David Bowie: Não, eu não acho. Eu acredito que o que vimos da internet até agora é apenas a ponta do iceberg. Eu acredito que o que a internet vai fazer com a sociedade, para o bem e para o mal, é inimaginável. Eu acredito que estamos à beira de algo muito emocionante e aterrorizante.

Jemery Paxman: É só uma ferramenta. É apenas um sistema de entrega diferente que você está dizendo que tem um significado mais profundo.

David Bowie: Com certeza. Eu estou dizendo que o contexto atual e o estado da [produção] de conteúdo será tão diferente de qualquer coisa que podemos vislumbrar, que essa ponte entre o consumidor e o produtor [de conteúdo] será tão direta que vai esmagar nossas concepções tradicionais de mídia.

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Isso está acontecendo em cada área como aconteceu nas artes plásticas no começo do século, com pessoas como [Marcel] Duchamp. Eles estavam tão à frente de seu tempo com aquilo que estavam fazendo, e defendendo a ideia de que uma obra de arte não está finalizada até que o público acrescente sua própria interpretação do que aquela obra significa. Tudo é questão dessa área cinza. Essa área cinza intermediária é o que o século XXI será.

Confira a entrevista abaixo.

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Sobre André Garcia

Sou redator e tradutor freelancer e escritor, autor do livro de contos Liber IMP. Ouço rock desde pequeno, leio coisas sobre bandas desde sempre e escrevo sobre ela já tem anos. Cresci como fã de Iron Maiden e paladino do rock, mas já me tratei. Hoje sou fã de nomes como Beatles, David Bowie, The Cure, Kraftwerk e Velvet Underground, e de cenas como a Londres psicodélica, a Nova Iorque proto-punk e a Manchester pós-punk. Escrevo notas e notícias rápidas para o Whiplash.Net visando compartilhar conteúdo relevante sobre música e cultura pop.
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