Cantor alfinetado por Raul Seixas explica onde Raulzito errou e se perdeu
Por Marcos A. M. Cruz
Postado em 27 de janeiro de 2024
Uma das características marcantes de Raul Seixas era seu lado contestador e irreverente na cena musical. Com letras provocativas e críticas sociais, Raul construiu uma imagem de artista engajado e subversivo. Suas canções muitas vezes abordavam temas polêmicos, desafiando as normas estabelecidas e questionando a sociedade da época. Raul Seixas foi um ícone do rock brasileiro, incorporando em suas músicas uma atitude contestadora que ressoou com uma geração e deixou um impacto duradouro na música brasileira.
Como exemplo, em "Eu também vou reclamar", que é uma das músicas mais conhecidas do álbum "Há 10 Mil Anos Atrás", lançado em 1976, como o próprio título explica, Raul expressa sua insatisfação com a qualidade das músicas que estavam sendo lançadas na época, fazendo alusão, na letra, a três canções que estavam fazendo muito sucesso naquele ano, mas que para ele apenas refletiam a vontade de seus autores de embarcar na onda da moda para vender.
O trecho "Falam em nuvens passageiras/ Mandam ver qualquer besteira/ E eu não tenho nada/ Prá escolher" é uma referência à "Nuvem Passageira", do Hermes Aquino; já o trecho "Mas agora eu também resolvi/ Dar uma queixadinha/ Porque eu sou um rapaz/ Latino-americano/ Que também sabe se lamentar" é uma citação ao Belchior e sua "Apenas um Rapaz Latino Americano", enquanto no trecho "Ligo o rádio e ouço um chato/ Que me grita nos ouvidos/ Pare o mundo que eu quero descer" o "homenageado" está sendo Sílvio Brito e "Pare o mundo que eu quero descer"
E apesar da "homenagem", Sílvio Brito já disse em mais de uma ocasião que nunca se abalou, inclusive foi ele quem começou a "provocação" ao citar Raul na música "Tá Todo Mundo Louco" de 1974: "Eu fiz tudo pra não fazer um plágio/ Mas ela saiu muito parecida/ Com a música do Raul Seixas", se referindo à "Gitá", que havia saído na mesma época, e Sílvio achou que sua letra poderia parecer uma imitação.
"O Raul não era nada disso que ele passou pro público. Nada! Foi um boneco que ele criou, um boneco. Assim como Elvis Presley também criou aquele boneco, aquele cabelo, aquelas capas, aquela dança", disse Sílvio durante participação no podcast "Flavio Prado Entre Amigos". "O Elvis Presley era motorista de táxi (Nota: na verdade foi motorista de caminhão), cantor de música gospel - aliás, gravou três discos gospel, né? O sonho dele era fazer sucesso como cantor gospel, era uma briga com a gravadora. Mas o tipo que ele criou 'pegou', e o público começou a alimentar cada vez mais aquele boneco imaginário, e ele foi se perdendo. Assim como o Raul também".
Sílvio então contextualiza sua declaração: "O Raul, até os 26 anos de idade, não fumava, não bebia, era casado com uma americana, se não me engano evangélica também. Ele não era nada disso! Quando ele se iniciou nas drogas, nas coisas - aliás, com o Paulo Coelho - ele se perdeu. O Paulo Coelho conseguiu sair fora, ele não. Ele foi se perdendo e acreditando cada vez mais no tipo que ele criou do que no Raulzito que ele era. Que não era nada disso. Por isso que numa entrevista a mãe dele fala que existem dois Rauls, o Raulzito e o Raul Seixas. Pra nós vai ser sempre o Raulzito. Que era aquele cara trabalhador, produtor de discos, muito inteligente, muito talentoso. Não era esse tipo de música que ele compunha, era outro tipo - ele faz várias músicas pro Jerry Adriani, pra Diana, que são músicas populares, não tem nada dessa conotação mais filosófica, mais irreverente. Ele criou um tipo irreverente! E cada dia ele tinha que impactar mais o público, ele tinha que provocar mais. Então ele foi criando coisas, criando provocações nas músicas nele. E foi se perdendo nessas provocações..."
Ao ser perguntado se o Raulzito não virasse Raul Seixas ainda estaria vivo, Sílvio responde: "Sim. Aliás, eu falo uma coisa que poderia parecer uma barbaridade: eu acho que se Raul Seixas estivesse vivo, ele teria se convertido a alguma religião aí e teria parado com as drogas, com tudo. Porque ele chegou no fundo, no fundo do poço, não só em relação às drogas mas também à bebida. Mas ele, no fundo, no fundo...". Neste momento Sílvio conta que fez uma música para Raul chamada "Um Sonho Maluco", que traz na letra trechos como "Um cara rebelde, mas de alma e coração tão puros / Com seu blusão de couro e seus óculos escuros". Porque a imagem que eu tenho do Raul, o verdadeiro Raul, ele era um cara puro, de alma muito verdadeira, sempre procurando a verdade mas que se perdeu filosoficamente. Porque o protótipo que ele criou de rebeldia cada dia começou a ficar mais agressivo, e talvez ele tenha acreditado mais neste Raul Seixas do que no Raulzito que ele sempre foi, um cara simples, trabalhador", diz Sílvio.
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps