Quando se tornou uma vergonha dizer que gostava de Raul Seixas
Por Bruce William
Postado em 28 de maio de 2025
Quando Raul Seixas lançou "Maluco Beleza" em 1977, talvez não imaginasse o tamanho que a música tomaria. Feita às pressas no estúdio, a partir de uma melodia antiga de Cláudio Roberto, a canção se transformou num hino atravessando classes sociais, idades, estilos e regiões do Brasil. Raul havia encarnado de vez a figura do outsider libertário — "um maluco normal, na loucura real" — que o tornaria símbolo de uma resistência cultural brasileira.
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Com o tempo, porém, o sucesso da música passou a pesar sobre sua própria obra. "Maluco Beleza" atraía multidões, mas também consolidava uma caricatura. A figura do "maluco beleza" foi adotada por um exército de alternativos inofensivos, de hippies de fim de semana a artesãos de beira de praia. Em meio à ascensão do pós-punk nacional e da patrulha estética das décadas seguintes, Raul passou a ser visto como algo menor, um personagem deslocado.
Surgiu ali um preconceito velado, mas brutal. Declarações de amor a Raul passaram a soar constrangedoras em certos círculos. Assumir-se fã virou, para muitos, um tipo de confissão vergonhosa. A patrulha do novo "bom gosto" buscava empurrar Raul para um gueto, como se ele pertencesse a uma espécie de subcultura descartável. Era o preço que se pagava por ter criado um hino tão acessível quanto "Maluco Beleza".

Obviamente, nem todos passaram por esse constrangimento. Muita gente seguiu ouvindo Raul com orgulho e sem filtros, especialmente fora dos grandes centros e entre fãs que não estavam nem aí para validação crítica. Mas havia sim uma camada de público — geralmente mais próxima das tendências dominantes ou do jornalismo musical da época, que começou a tratar Raul como sinônimo de mau gosto.
Curiosamente, o nascimento da própria "Maluco Beleza" carrega elementos que desmontam essa simplificação. A melodia havia sido mostrada por Cláudio Roberto a Raul ainda em 1976, e chegou a receber uma letra em inglês antes de virar a versão definitiva. A gravação foi feita em cima da hora, com arranjo de Miguel Cidras e letra ajustada ali mesmo no estúdio. Mais uma vez, Raul usava colagens, referências e improviso para criar algo que soasse popular e ao mesmo tempo provocador.

Nos anos 1990, o preconceito parecia consolidado. Em pleno auge da MPB pop e da "inteligência" musical da era Lulu Santos e Herbert Vianna, gostar de Raul era quase assumir uma identidade fora de moda. Mas a internet derrubaria esse muro. A partir dos anos 2000, com a circulação livre de informações e o fim das mediações tradicionais, Raul foi redescoberto por uma geração que não carregava mais esse filtro estético.
Jotabê Medeiros relata no livro "Não Diga Que A Canção Está Perdida" (Amazon): "Gostar de Raul era como assumir uma condição de decadência irremediável", diz. "Essa muralha foi construída de propósito como forma de conter qualquer contaminação do gosto de classe, e só começou a cair nos anos 2000, com a popularização da internet. Com a informação sem comportas da rede, sobreveio também uma série de desmascaramentos de barreiras artificiais estéticas e sociais, e os jovens se libertaram de muitas tutelas invisíveis. Aconteceu uma mega implosão das grandes patrulhas e Raul recobrou sua vitalidade, sua saga libertária voltou a incendiar as mentes dos jovens, o seu surto criativo voltou a inspirar legiões de inadequados."

Hoje, "Maluco Beleza" (youtube) segue sendo a música mais tocada de Raul Seixas segundo o Ecad. E, ao que tudo indica, não será esquecida tão cedo. O que antes soava como clichê, agora voltou a ser grito de afirmação — inclusive por quem um dia hesitou em dizer em voz alta que gostava de Raul.

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