O dia em que Alceu Valença rejeitou o próprio disco: "Está parecendo John Lennon"
Por Gustavo Maiato
Postado em 19 de maio de 2025
Em entrevista ao Jornal Tabaré, Alceu Valença abriu o baú de histórias para contar os bastidores de alguns de seus primeiros discos — incluindo o momento em que recusou um efeito vocal sugerido pelo produtor Guto Graça Mello no álbum "Espelho Cristalino" (1977). "Quando ele botou, eu disse: ‘Tá parecendo com o John Lennon, não quero isso aí!’", afirmou, sem meias palavras.
John Lennon - Mais Novidades

A conversa começou com o cantor cantarolando "Cintura Fina", de Luiz Gonzaga, e falando sobre a influência da tradição oral nordestina. "Eu ouvi a música que foi a base de Luiz Gonzaga quando era menino. Porque no Nordeste existe uma cultura secular, que tá morrendo agora, das toadas e dos aboios. Luiz Gonzaga ouviu aquilo e fez o trabalho dele."
Questionado sobre o impacto de suas ideias mais ousadas junto a produtores, Alceu cortou: "Não tenho produtor. Eu nunca tive." E fez questão de deixar claro que o controle criativo de sua obra sempre esteve com ele. "Os arranjos dos meus discos sou eu que faço. A linha sonora, as frases musicais, eu vou dizendo como é que eu quero."
Sobre o início da carreira, ele recordou que o primeiro disco foi feito apenas com ele e Geraldo Azevedo. "O produtor era maravilhoso, mas deixava tudo na nossa mão." Já no segundo álbum, o responsável adoeceu no meio do processo: "O produtor adoeceu da perna e deixou o disco no meio."

A situação mais conflituosa, porém, viria no quarto trabalho de estúdio, "Espelho Cristalino" (1977), que chegou a ser alvo de interferência técnica que Alceu não aceitou. "No meio da mixagem, o Guto quis botar um efeito na minha voz que o John Lennon tinha usado em Imagine", contou, imitando o som do sintetizador. "Quando ele botou, eu disse: ‘Tá parecendo com o John Lennon, não quero isso aí!’". O desentendimento levou Guto a abandonar o estúdio. "Guto arretou-se e foi embora", relembrou, sem esconder o riso.
Logo depois, Alceu se mudou para Paris, onde compôs e gravou "Saudade de Pernambuco" (1979) em clima mais íntimo. "Eu e Paulinho passávamos o dia inteiro em casa tocando, fomos para o estúdio e fizemos o disco."

Com o retorno ao Brasil, veio "Coração Bobo" (1980), e com ele uma nova postura definitiva: "Aí eu botei o produtor para ser sempre um músico meu ou um amigo, e não ter que aguentar alguém que não entendia da minha música."
Entre as curiosidades, Alceu revelou que Saudade de Pernambuco quase foi arranjado por Hermeto Pascoal. "Perguntei: ‘Hermeto, você ouve o quê?’ Ele disse: ‘Nada. Para não me influenciar’. A partir daí, eu que já não ouvia nada…"

Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps