Márcio Baraldi - Entrevista com o cartunista headbanger
Postado em 07 de outubro de 1999
Marcio Baraldi
Por Ana Moonlight
Márcio Baraldi, vulgo "O Cachorrão" é um cartunista da pesada. Nasceu no ABC paulista, terra de fumaça e rock n' roll, onde tocou contrabaixo em algumas bandas de garagem. Cartunista profissional desde os 16 anos (hoje tem 33), é chargista no Sindicato dos Bancários de São Paulo e tornou-se especialista em cartuns e quadrinhos de rock, colaborando todo mês com a maior parte das revistas de rock. Ilustrou também o livro de Vitão Bonesso, 10 Anos de Backstage, fez a capa do CD Arquivo do Rock da 89FM e agora está também no Whiplash!, onde contribuirá com seu legítimo humor rocker.
Whiplash! / Quando você começou a desenhar?
Márcio Baraldi / Desde o útero! Mas, profissionalmente, pra valer mesmo, em 1985, aos 16 anos, como chargista no Sindicato dos Químicos do ABC paulista, terra onde nasci.
Whiplash! / Você tem algum curso de desenho?
Márcio / Depois de adulto, já com a carreira andando, eu me formei em artes plásticas. Foi um curso legal e, sem dúvida, me ajudou profissionalmente, abriu mais minha cabeça de bagre. Mas nada substitui a prática.
Whiplash! / Quais os artistas que mais te influenciaram?
Márcio / No Brasil eu sou fã do Ziraldo e do Maurício de Souza. Para mim, os dois são o máximo! Também gosto de autores estrangeiros como o Jack Kirby, Gil Kane, Neal Adams, Will Eisner, Stan Lee, Hanna e Barbera, todos gênios, fodidos mesmo!
Whiplash! / Você consegue viver ($$$) apenas com a profissão de ilustrador?
Márcio / Sim! É uma profissão como qualquer outra. Você rala pra caralho, mas até aí hoje em dia está todo mundo ralando que nem doido: médico, engenheiro, etc. Todo mundo fodido graças ao picareta do Fernando Henrique Cardoso que acabou com o emprego no Brasil. Pau nesse cara!
Whiplash! / Como surgiu a relação Rock/HQ?
Márcio / Eu sempre fui roqueiro, desde que comprei meu 1º compacto de Rock ainda na infância ("We Will Rock You", do Queen). Aí o vírus do Rock me pegou e não largou mais. Eu também adorava o Kiss quando moleque (aliás, sou fã até hoje), então ficava desenhando Kiss o dia inteiro. Até que depois de adulto comecei a colaborar com excelentes revistas de Rock brasileiras como ROCK BRIGADE, METALHEAD, DYNAMITE, ROADIE CREW, onde fico fazendo piada com os roqueiros à vontade. Rock n’ Roll sempre foi uma coisa bem-humorada, então unir o Rock ao cartum, à HQ foi fácil e divertido.
Whiplash! / Além de seus trabalhos na Rock Brigade, Roadie Crew, Planet Sex e a extinta Herói, quais são seus outros trabalhos? Comente alguns deles.
Márcio / Já colaborei com a Super Interessante, Globo Ciência, MAD, Níquel Náusea, etc. Hoje, além das revistas de Rock, colaboro mensalmente com as revistas ANTENADA, onde faço a "Anteninha", uma adolescente que só quer saber de namorar e sonhar com os Backstreet Boys; ESTAÇÃO CRIANÇA, onde faço o "Junior", um molequinho bagunceiro; a BRAZIL, onde faço histórias eróticas; a SEX SYMBOL, onde faço cartum GLS; a VISÃO ESPÍRITA, onde faço os "Vapt e Vupt", dois passarinhos que ficam tentando entender a raça humana... na DYNAMITE faço um personagem que adoro, o "Sabujo Vingador", um super cachorro que odeia a ‘Humanidade’ mas acaba sempre salvando-a!
Whiplash! / Você é o ilustrador da Brigade e da Roadie Crew, é o senso de humor dos bangers brasileiros. O que você acha disso?
Márcio / Eu acho que a seção mais engraçada dessas revistas é a de cartas, onde os leitores se xingam mutuamente. Aquilo é um sarro! Você ri o tempo inteiro! Então muitas das minhas idéias para as piadas tiro dali, leio aquilo todo mês, vejo como é a cabeça do banger brasileiro e inspiro para fazer as piadas. Então, estou tentando fazer um humor onde o leitor banger se veja retardado: muitas situações que ele vê nas HQ´s, com certeza já rolaram de verdade na vida dele. Acho que os leitores se identificam com o ROKO-LOKO e a ADRINA-LINA, por exemplo.
Whiplash! / O processo de criação: você anota as idéias e depois parte para o desenho, ou dedica um tempo para sentar à mesa e só então pensar na piada?
Márcio / Eu faço de todas essas formas. Às vezes tenho a idéia de repente, na cama, no ônibus, no banheiro e anoto rapidinho para depois desenvolvê-la. Outras vezes, sento na prancheta na frente do papel em branco e deixo as idéias brotarem na hora. Qualquer forma funciona.
Whiplash! / Como surgem as idéias das piadas?
Márcio / Eu procuro andar bem informado sobre tudo que rola no meio rocker: quem falou alguma besteira, enfim, qualquer situação que dê para eu fazer uma piada em cima. Assim, as piadas são sempre atuais.
Whiplash! / Quais as bandas preferidas do Márcio? E do Roko-Loko?
Márcio / As primeiras bandas que eu gamei, ainda na infância, foram o Queen e o Kiss, nos anos 70. Depois pintou o punk, a new-wave e o pós-punk, que foi um período muito criativo e legal do Rock. Eu sou fanzão do New Model Army e do Clash, bandas bem politizadas e raivosas. Também adoro Motörhead, Metallica, Iron, Doors, Stray Cats, Inocentes, etc. Não sou radical, gosto de som bom, banda boa, pode até ser reggae (Bob Marley, que é o Nelson Mandela da música), funkão e soul dos anos 60 e 70 (James Brown, etc.). Só não gosto de música ruim, fraca, alienante, que só fala de bunda, de ‘corno’, música de gente burra que só quer deixar o Brasil mais burro do que já é! Já com o ROCKO-LOCO, eu procuro fazer o mesmo: não deixá-lo muito radical, porque eu quero que os leitores se identifiquem com ele, e nas revistas tem leitor que curte tudo quanto é vertente do Rock. Por isso é que o ROKO tem um gosto bem amplo.
Whiplash! / Internet / um bando de computadores conectados sem sentido ou uma nova mídia que pode ajudar as pessoas?
Márcio / A Internet é espetacular! É uma das invenções mais importantes deste século. O computador está ajudando as pessoas em todas as áreas do conhecimento humano. Da medicina à educação. Da música a engenharia.
Whiplash! / Fale um pouco mais sobre você fora dos desenhos.
Márcio / Eu tenho 33 anos. Também gosto de fazer barulho de vez em quando com meu contrabaixo. Já toquei em bandinhas de Rock, Blues e Punk. Não fumo, não bebo, sou radicalmente contra drogas (por mim essa armadilha nem existiria), voto no PT, só transo de camisinha; acredito no Deus e no Cristo, apesar de não ter uma religião específica. Já fiz fanzine, grafite, teatro, vídeo, locução de rádio, volta e meia dou uma palestra e workshop por aí. Minhas terapias são: consertar telha quebrada, pintar portas e janelas, arrumar arquivos e cantar o Hino Nacional de madrugada (para desespero dos vizinhos). Meu esporte é correr atrás do prejuízo, no qual sou campeão olímpico imbatível.
Whiplash! / Fale algo para o pessoal do Whiplash!
Márcio / Rock para alguns é só música, diversão; para outros não quer dizer nada. E para outras, Rock é postura de vida: eu estou nesse grupo. O Rock e os quadrinhos mudaram minha vida, sim. Me fizeram achar meu caminho. Não é como uma religião, pois não gosto muito de religiões, mas sim como uma ideologia! Pessoas como Raul Seixas, Renato Russo, Cazuza, Jim Morrisson, Janis, Hendrix, G.G. Allin, Kurt Cobain, etc., não foram rockeiros à toa. É o caminho dos inconformados, dos raivosos, daquelas pessoas que não se adaptam muito bem ao modo como as coisas estão colocadas na sociedade, e precisam questioná-las, tentar mudá-las. É gente que sabe que o mundo está horrível, cínico, violento e sabe que dá pra fazer alguma coisa, sim, através da música. Sabem que o Rock não só pode, como deve transformar cabeças. Uma das transformações mais importantes do mundo nas últimas décadas foi a revolução sexual/comportamental nos anos 60. Pois alguém consegue imaginar aquele momento histórico sem o Rock de fundo? Dá pra imaginar o movimento hippie sem o Rock n’ Roll? Dá pra imaginar Woodstock sem ele? Rock não é música para entrar por um ouvido e sair pelo outro. É música para ficar lá dentro, ir na veia, pro sangue, pro cérebro, pro espírito! É como o reggae de Bob Marley, hino de guerra a opressão, arma contra o reacionarismo, o racismo, a mentira e a violência. Eu, como bom guerreiro, digo: rockeiro, também estou nessa guerra! E VOCÊ?
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