Uma densa e hipnótica viagem contemplativa.
Resenha - Bleak Transcendence - Mortuanima
Por Marcelo R.
Postado em 19 de junho de 2025
Nota: 10 ![]()
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Envolto o espírito pelo abraço frio da abrupta mudança de temperatura, inspirei-me à análise de Mortuanima, recém-lançado material de estreia dos curitibanos do Bleak Transcendence. Os últimos dias, com seus humores descolorido-acinzentados, aclimataram-me os ânimos para essa tarefa: imergir nessa gélido-obscura ambiência musical, compartilhando, ao final, as impressões.
É, então, o que pretendo rascunhar adiante, precavendo o leitor, desde logo, para o fato, óbvio e sabido, de que nenhuma combinação de palavras, por mais clara e esmiuçada que se pretenda, equivalerá à experiência sonora propriamente dita, sempre íntima, pessoal e subjetiva.
De partida, e diretamente ao ponto: a música de Bleak Transcendence é contemplativa. Meditativa, em proporções quase hipnóticas. Sorvê-la, portanto, exige imersiva entrega. E foi assim que, há alguns dias, mergulhei no ineditismo dessa experiência sonora, tão logo recebi o novo material em mãos.

No breu da escuridão noturna, com luzes completamente apagadas, deixei a máquina sonora de Mortuanima gotejar suas cadenciadas notas. Não o fiz num sentido ritualístico. Apenas aclimatei o ânimo em conexão com os humores próprios da música Bleak Transcendence.
A mesa para a ceia é vasta, em termos musicais. Satisfaz prodigamente à plenitude de gostos. Há oferta a todos os paladares.
Minha predileção por música melancólico-intimista é notória. Explícita, até. E, nessa paleta de opções de infinitas possibilidades, prodigam conjuntos de excelência, inclusive nesse universo introspectivo. Nada há, portanto, a reclamar.
Intuímos e percebemos, porém, que um material é destacada e particularmente especial quando, ao ouvi-lo, desejamos, para além de qualquer explicação lógica e racional, que ele simplesmente não acabe. Que não seja, ao menos, atalhado. A evaporação da última nota, cuja demora – e não a brevidade – é ansiada, é motivo de amargo descontentamento. E foi essa a sensação que me dominou ao longo da audição de Mortuanima. Desejava, simples e intimamente, que aquela incursão sonora não encontrasse caminho para o seu fim (por mais ilógico e antinatural que esse pensamento soe, no plano lógico-racional).
E foi assim, ainda em meio à audição, que percebi, já cedo e sem demora, que detinha em mãos um trabalho destacadamente especial, alocado ao cume dos mais altos pilares do estilo.
Bleak Transcendence entrega, na essência, um doom metal estruturado na ambiência densa, pesada e um tanto aterradora, à la conjuntos como Evoken e Doom:VS, apenas para referenciar, já de partida, alguns nomes. Há, porém, outras influências, rememoradas nos oportunos momentos.
Mortuanima inaugura-se com Unrelenting Stillness. Às primeiras notas, o espírito do ouvinte é imediatamente infiltrado e dominado por uma atmosfera sinistra de suspense, perfeitamente adequada a uma trilha sonora de filme de terror psicológico (especialmente naqueles momentos climáticos imediatamente anteriores à combustão de um susto).
Após esse arranjo de teclado – tão belo quanto intimidativo –, entra em cena uma pesada base de guitarra, compassada por um andamento lento e arrastado, no melhor estilo do gênero.
O vocal, inicialmente lamuriento, sequencia-se e, entrando em cena finalmente, une-se à dramaticidade de Unrelenting Stillness.
O trabalho de voz limpo e choroso, ouvido nessa canção de abertura (e, esporadicamente, ao longo de outros trechos do trabalho), resgata à memória influências do melhor estilo de My Dying Bride. Essa percepção é reforçada por belíssimas incursões de arranjos sentimentais de violino (também percebidos, exemplificativamente, na faixa-título, mais adiante).
De todo modo, o protagonismo do álbum, em termos de canto, vem em sequência, com a entrada dos vocais guturais, graves à máxima potência, buscados e alcançados nas mais baixas profundezas das tonalidades atingíveis.
A sinistralidade é a marca característica de Bleak Transcendence, cuja proposta parece manter especial intimidade com nomes como Esoteric e Pantheist (esse último, em sua fase mais antiga).
De todo modo, o conjunto não limitou sua expressão e sua linguagem musical a aspecto unilateral e monotemático. À sua proposta – baseada, no geral, em contornos de terror e de suspense –, Bleak Transcendence incorporou influências que salpicaram outras tonalidades e matizes, aguçando, assim, múltiplos, e por vezes dicotômicos, aspectos sensoriais no ouvinte.
A propósito, as incursões de violinos, já mencionadas, encontradas em faixas como Unrelenting Stillness e Mortuanima, conferem um tom sentimentalmente romântico em meio aos escombros do caos tétrico e desolador dessa obscura jornada sonora. Isso, por certo, agradará ao paladar de apreciadores de nomes como Officium Triste.
Ainda dentro da parcial quebra do padrão e do clima geral, Half-hearted alça-se a verdadeiro destaque, ao gotejar lampejos de esperança movidos por arranjos atmosféricos de teclado (notadamente a partir de 8min40s).
Fazendo jus fielmente à canção: Half-hearted ambienta-se na intimidade recôndita de sentimentos de vazio e de solidão. A incorporação, porém, dessa citada camada climática, quase psicodélica, tem o poder de envolver e conduzir o espírito do ouvinte numa espécie de viagem transcendental, momento especialmente singular na desesperançada e lúgubre atmosfera geral do álbum. Esse trecho específico remeteu-me ao estilo do conjunto Celestial Season, em certo aspecto.
Half-hearted é a minha faixa favorita de Mortuanima.
Salpicam-se no álbum, ainda, algumas visitações recitadas – quase sussurradas –, a exemplo daquela resgatada em trechos de Darkening the Spheres. Essas incursões, um tanto fantasmagóricas, remetem, ligeiramente (e numa percepção puramente pessoal), ao estilo do grupo português Desire e, em certa proporção (ainda que diminutamente), aos nossos compatriotas do Ode Insone, indiscutível referência em tema de música poética e melancólica.
Merece menção, também como importante ponto de destaque, o arranjo que cerra as cortinas da própria faixa-título (composição já repetidamente citada ao longo dessa análise, pela sua estrutura, como se nota, multifacetada). A canção esvai-se após um belo riff de guitarra, que é isolado e destacado num panorama de completo mutismo ao fundo, resgatando aquele sentimento solitário de isolamento experimentado, ilustrativamente, no longo desfecho instrumental da canção The Cry of Mankind, do My Dying Bride.
O enxerto de belos e bem posicionados solos de guitarra também reverberam sentimentalismo no ouvinte, a exemplo daquele sorvido em Darkening the Spheres, impregnado de um encantamento aterrador, em justas e equilibradas medidas.
Percebe-se, assim, em síntese, que Bleak Transcendence bebeu das melhores fontes, congregando, com equilíbrio e parcimônia, múltiplas influências resgatáveis dos diversos braços do doom metal, em suas melhores e mais intimistas expressões. Alcançou, assim, resultado com direcionamento e com identidade própria.
O álbum de estreia, degustado no correto estado de espírito, é um bálsamo. Uma entrega à sensorialidade. Um verdadeiro envolvimento místico em sentimentos e emoções.
Bleak Transcendence entregou, já na estreia, um trabalho com impressionante grandeza. Mortuanima nasceu maduro. O material é bem gravado, bem produzido e excelentemente composto.
As canções são comandadas pela regência de um vocal potente, ombreado por bases de guitarra pesadas e pelo denso e lento andamento rítmico.
O resultado dessa simbiose é o retrato de uma paisagem sonora sombria, soturna, contemplativa, imersiva e taciturna. Há forte veia de terror e de suspense na musicalidade do conjunto, com alguns lampejos, porém, de romantismo e de dramaticidade. Congregam-se, assim, nessa paleta sonora, sensações plurais e, por vezes, dicotômicas, de desolação e de esperança, antítese que, porém, na arte, não se repele.
Bleak Transcendence alçou-se, já no seu nascedouro, à altura de bastiões do gênero. Mortuanima prova a afirmação. Reflete material belíssimo na sua estética musical, mesclando obscuridade, romantismo e melancolia, com justeza.
Ao conjunto, titular de tantas e tão enfáticas virtudes, deseja-se longevidade. E na sua inspiração criativa – tão bem representada em Mortuanima –, uma fonte inesgotável de ideias. Quem ganha é o ouvinte, verdadeiro presenteado com música de tamanha qualidade.
Formação:
Wagner Müller – baixo
Michael Siegwarth – bateria
Alexandre Antunes – vocal, guitarra e teclado
Confira no Spotify:
Resenha originalmente publicada na página Rock Show.
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