Surra: armado dos riffs aos blast beats
Resenha - Escorrendo Pelo Ralo - Surra
Por Marcus Souza
Postado em 18 de junho de 2019
Tempos difíceis reverberam na sociedade. A maneira como o ser individual se vê em uma crise social – e mais importante – como ele assimila e reage a isso coletivamente dita os tons cotidianos, influenciando na maneira de analisar as relações inter e intrapessoais. A arte do ponto de vista simplista é a externalização da aflição humana. Se o ambiente social encontra-se em desacordo, a arte grita, chicoteia, chora, responde violentamente.
É o que se ouve e vê nesse mais novo disco do SURRA, "Escorrendo Pelo Ralo". Um trio muito mais sujo, com discurso mais arrojado e ainda mais direto que o da sua estreia em 2016, "Tamo na Merda".
Se já naquela época, a banda vociferava a toda e qualquer injustiça social, preconceito e relação de poder abusiva estabelecida pelo capitalismo, nesse mais novo lançamento expurgam com a força do ódio (ou do hardcore, como queiram) as farpas mais graúdas que a classe trabalhadora e toda e qualquer tipo de minoria vêm enfrentando desde que o neo-fascismo se pintou de verde e amarelo e vestiu a camiseta da Seleção Brasileira.
O disco expõe toda essa revolta. Impossível não se impressionar com a capa e o pôster que o formato físico leva. Assinadas por Marcelo Augusto (Manger Cadrave?), as ilustrações captam exatamente o que a sonoridade traz. Sonoridade esta que perpassa os limites já estabelecidos pelo trio, incorporando doses impiedosas de grindcore ao crossover muitíssimo bem feito por eles. Tem espaço até para samba.
A representação mais certeira dessa introdução vem com a música. "O Mal Que Habita a Terra" escancara tudo o que foi dito, convocando o proletário a tomar o que é seu por direito. Abrir com uma música dessa urgência coloca o ouvinte em estado de alerta.
"Do Lacre ao Lucro" descreve um fenômeno muito comum nos dias atuais, uma verdadeira aula de como as entidades capitalistas se trajam de benevolentes, abraçando causas sociais, enquanto seu objetivo continua sendo o lucro exorbitante.
"Escorrendo Pelo Ralo" – a música e primeiro single desse álbum – foi lançada um mês antes do disco e o que mais impressiona é a forma propositalmente crua que o trio buscou soar, abordando um tema não muito comum ao lirismo "surrista", a depressão enquanto doença sistêmica, um verdadeiro mal moderno.
"Vida Medíocre" traça um perfeito paralelo da vida sofrida que o operário passa pelo enriquecimento de poucos, propondo uma revolução de classes.
"Ultraviolência" vem com um dos instrumentais mais brutais desse disco. Importante falar aqui que o Surra vira uma verdadeira máquina de porrada intermitente quando os três instrumentos recheiam e dão gordura para as letras ácidas. É o que acontece nessa, em "Madeira e Sangue" e na parte final de "Bom Dia Senhor", todas com traços advindos do death metal.
"Jogo Sujo" é a prova cabal de que Leeo Mesquita (vocal e guitarra), Guilherme Elias (baixo) e Victor Miranda (baterista) se embebedaram de influências grindcore para essa gravação. Com ela, o disco dá tons agonizantes e o jogo de vozes entre Leeo e Gui forma um baita coro do desespero.
"A Lei da Dúvida" aborda um tema até aqui inédito, o questionamento da informação que chega até a população de modo geral. Passível de interpretação pessoal, mas vê-se nela uma crítica ao amansamento e a como se aceita toda e qualquer informação como verdade universal.
"Anestesia" chega tomando de assalto com uma ponte propícia para se esgoelar nas apresentações ao vivo.
"Mais Um Refém" aborda mais uma vez a relação tripudiante entre burguesia e trabalhador, como este idealiza a vida daquele; utopia pura.
"Virou Brasil (Parte 1)", "Virou Brasil (Parte 2)", "Não Entendi" e "Caso Isolado" saíram digitalmente em forma de EP duas semanas antes do lançamento do álbum e a versatilidade e maturidade sonora falada na introdução do review se mostra latente. Samba, thrash metal, hardcore, death metal e grindcore atropelam nossos ouvidos em apenas 4 minutos.
O tom caiçara e despretensiosamente reggae/ska chega com "Viver em Santos", com uma letra que denuncia a desigualdade social aliada ao sucateamento público da cidade que deu origem à banda, quase como um lamento pessoal de como um lar se transformou em um lixo.
"Bom Dia Senhor" marca. Em conversa com os fãs, sem exceção, todos apontam essa como preferida. Uma letra em forma de diálogo que vomita uma relação tradicionalmente capitalista. Impossível não se identificar: se você não está de um lado da conversa, está do outro. Um clássico.
O disco fecha de forma triunfante. "A Troco de Nada" é uma leitura de Abujamra ao texto "Provocações" de Luís Fernando Veríssimo e carrega um simbolismo absurdo por ser a faixa derradeira. Um tom de aflição, inconformismo e revolta ultrapassa a voz do locutor e se internaliza no ouvinte, por um tema tão esquecido e urgente que é a reapropriação territorial. Genial.
Impossível não notar o esmero de um trabalho tão ambíguo como "Escorrendo Pelo Ralo". De uma complexidade, violência e urgência inestimáveis. Rápido, mas ao mesmo tempo difícil de ser digerido por ter tantas camadas, de tão fácil assimilação por se tratar de situações meramente cotidianas. "Meramente" é o caralho. Totalmente cotidianas. É tudo o que se tem e se vive ultimamente.
Importante ressaltar o quão atual o SURRA consegue ser e isso implica em, infelizmente, também o quão a frente de seu tempo a banda é, já que temas recorrentes no disco são pauta de discussão há anos (e vão continuar sendo). Se o trio me permite traçar uma comparação, "Escorrendo Pelo Ralo" é a atualização de "Brasil", do RATOS DE PORÃO. Parabéns aos envolvidos.
TRACKLIST
1. O Mal Que Habita a Terra
2. Do Lacre ao Lucro
3. Escorrendo Pelo Ralo
4. Vida Medíocre
5. Ultraviolência
6. Jogo Sujo
7. A Lei da Dúvida
8. Anestesia
9. Mais Um Refém
10. Virou Brasil (Parte 1)
11. Virou Brasil (Parte 2)
12. Não Entendi
13. Caso Isolado
14. Viver em Santos
15. Madeira e Sangue
16. Bom Dia Senhor
17. A Troco de Nada
Playtime: 30:12
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