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Cabrero: retorno às atividades com o álbum

Resenha - Prelúdio ao Ódio Infundado - Cabrero

Por Júlio Verdi
Postado em 05 de outubro de 2018

Retornar as atividades de uma banda após um hiato de anos é uma prática não tão rara no meio musical, seja no mainstreen ou no underground. A volta, nessas circunstâncias, se dá quando os músicos se encontram em outro patamar técnico, social e profissional. Têm outras visões acerca de produção, composição e aspirações de carreira. Isso gera muita expectativa por conta dos apreciadores de rock, em descobrir como soa hoje uma banda que ouvia há anos. É nesse cenário que a resenha de hoje vai se enquadrar. Formada em 2003, em São José do Rio Preto/SP, o Cabrero encerrou suas atividades em 2006. Após 9 anos, a banda reuniu quase todos seus membros originais e resolveu gravar um novo disco de inéditas. Assim nasceu "Prelúdio ao Ódio Infundado". Murilo Berbel (vocal), Gustavo Coutinho (baixo/vocal), Jovani Fera (bateria), os membros originais, se juntaram a Rodrigo Pantoja (guitarra) para gravar o álbum que marca o retorno da banda. "Prelúdio" foi gravado e produzido no estúdio Lamparina, do produtor Guto Gonzales, e teve a masterização a cargo de Chris Common (Texas, USA).

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O que nos apresenta no novo disco é o Cabrero investindo na fórmula que praticava antes, mas desta vez em um patamar visceral muito mais brutal: violência musical, feita com muito bom gosto, segurança e coesão. Se situa num thrash metal, com muita referência ao estilo clássico, ainda que flerte com a aura de bandas das últimas décadas. Bateria veloz, baixo gordo e na cara, a guitarra com paletadas thrash se intercalando com licks melódicos e vocais que apresentam tons altos (na ardência desesperadora cujo timbre lembra o Pompeu, do Korzus), alguns momento limpos e outros com drivers que se entregam ao gutural. Elementos que fazem do disco uma deliciosa pedrada sonora, que deixará em delírio qualquer ouvido headbanger adepto a tal pegada.

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Vamos a uma síntese de como se mostram as faixas. "Enola" começa moendo tudo a 300km/h. Thrashão martelado com bateria alucinada e aquele baixo com o timbre gordo. Finaliza de forma quebrada e cadenciada. "Commodities Mortes" é mais cadenciada, com alguns toques de metal clássico numa boa variação de riffs. Um curto solo com doses generosas de melodia tempera a faixa. É uma onde os guturais se apresentam a todo instante.

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"Combustão" se desenvolve com uma rifferama que chega a lembrar Slayer em alguns momentos. E outra que se desenvolve mais na velocidade padrão do thrash, sem ser tão acelerada. Entre passagens mais calmas florescem vocais mais limpos. "Anjo do Mal" se apresenta como um início bem Black Sabbath (e a demais escola doom que se seguiu a partir dele). Depois de alguns momentos, licks com melodia fazem a ponte para o desfecho da faixa (à base de uma guita isolada).

"Cabrero", a faixa que batiza a banda é outra porrada certeira. Veloz, a faixa parece funcionar como uma espécie de hit violento do disco. Curiosamente, a faixa título, "Prelúdio ao Ódio Infundado", é o único momento de calmaria do álbum, sendo uma instrumental à base de dedilhados.

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A agressão continua com "Intolerável Intolerância", até pelo timbre da bateria e pela escalada do baixo, tem um quê da escola mais nova do thrash, como Pantera por exemplo. Mais um solo dá um frescor melódico à pancadaria. "Sofrendo Honestamente" tem uma certa aura de Sepultura (fase "Chaos AD"), pelas viradas de bateria. Aqui o jogo de vozes intercala bem vocais limpos e altos. E o álbum fecha com "Da Rendição a Redenção". Após a intro, com uma cara de Bay Area, a faixa desemboca na cadência tradicional do Thrash (leia-se Exodus, Testament).

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A volta da banda foi marcada com um álbum forte que mostra os caras numa garra impressionante. Vamos esperar pra ver o Cabrero estender seu nome na cena independente Brasil afora, pelo menos pela divulgação do álbum. Afinal como dizem os versos da música "Cabrero", "Cabrero, ontem hoje e sempre, a atitude não muda".

Uma conversa com o vocalista Murilo Berbel

Ready to Rock - A primeira pergunta é meio óbvia. Pela história, a banda encerrou as atividades em 2006. No profile da banda consta como um reinício em 2015. O que motivou esta volta, 9 anos depois?

Murilo Berbel: Definitivamente o fator principal é o amor pela música. Nós quatro amamos isso, estamos conectados com ela praticamente o dia todo, temos muitos amigos nesse meio, etc... Além disso, também somos grandes amigos, respeitamos uns aos outros e sempre compartilhamos ideias que temos, independente da banda. Quando o Gustavo Coutinho (baixo) e o Jovani Fera (bateria) decidiram voltar a fazer música com a Cabrero, me chamaram para o vocal, pois fui o primeiro vocalista da banda, mas saí para morar fora do país e então se firmando com Gustavo no vocal. Decidimos então chamar o Rodrigo Pantoja para guitarra, pois apesar de ele não ter feito parte anteriormente, é um guitarrista sensacional e tem todo perfil que buscávamos. Aí decidimos gravar esse disco para honrar a história da Cabrero e também materializar as ideias que tínhamos.

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RR - Nos últimos 3 anos como foi a rotina das atividades da banda?

MB:A primeira coisa que posso te dizer é que não foi uma rotina tão convencional para uma banda de metal. Isso pois apenas o Fera e o Rodrigo moram na mesma cidade, que é São José do Rio Preto. O Gustavo mora em Campinas e eu em São Paulo. Acrescente a isso o fato de não sermos mais moleques, termos vida profissional de bastante responsabilidade, família, tudo que pesa contra quando se quer ter uma banda. Por isso o disco demorou um pouco mais de tempo para ficar pronto. Mas não nos prendemos muito com o tempo de lançamento, pois não temos rabo preso com ninguém, nem gravadora, nem empresário, nada. Nos sentimos livres para fazer tudo no nosso tempo e só demos cada etapa como concluída quando realmente os quatro estavam totalmente satisfeitos.

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RR- O disco está agradavelmente violento. Como foi o processo de composição dele?

MB: Obrigado pelo elogio! Essa é uma pergunta fundamental, pois o processo de composição foi, como já falei um pouco na resposta da pergunta acima, fora do convencional. Noventa por cento desse disco foi composto online. Criamos um grupo no aplicativo Telegram, que percebemos ser um bom software para compartilhamento de arquivos, e a partir daí começamos a compor todo material. A maioria das ideias vinham das cordas. O Rodrigo e o Gustavo gravavam em suas casas os riffs que ia compondo e apresentavam para todos por meio do aplicativo. O Fera e o Rodrigo se reuniam para ensaiar e concretizar as ideias, gravando cada ensaio e enviando ao grupo. A partir disso íamos todos dando opinião, estruturando e evoluindo cada música. Desde o início das composições até a finalização da gravação, fizemos menos de dez ensaios presenciais com todos os integrantes, o que não é muito comum para um estilo de música tão orgânico. Mas acreditamos que funcionou bem, nossa sinergia é bem forte.

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RR - As faixas mostram boa variação de cadências (como as velozes "Cabrero", "Enola" e " Sofrendo Honestamente" e as cadenciadas "Commodities Mortes" e "Combustão"), além da inserção de algumas passagens melódicas de guitarra. Como suas influências tem referências na concepção das músicas?

MB: Somos influenciados por muita coisa. Apesar de nossa grande amizade, somos quatro caras totalmente diferentes. Temos várias influências em comum, mas outras tantas distintas. Gostamos de variadas vertentes do metal e muita coisa fora dele. E isso é ótimo, pois com certeza ajuda a dar personalidade na sua música.

RR - As letras versam sobre caos social, críticas à religião e até mesmo comportamento humano. Como você vê o casamento da parte lírica com a instrumental?

MB: Quando alguém me fala que as letras são muito pesadas e violentas, costumo dizer que o ser humano faz, nós só relatamos o fato! Brincadeira à parte, a composição das letras foi toda feita por mim, mas sempre compartilhando com todos e ouvindo opiniões sobre os temas abordados. Basicamente escolhia temas profundos e estudava muito sobre ele. Li artigos, assisti documentários em diversas línguas, tudo para entrar a fundo e conseguir extrair e transmitir o que queríamos. Para citar alguns exemplos disso, letras como a da "Combustão" foi inspirada na vida de Mohamed Bouazizi e o início Primavera Árabe. A "Intolerável Intolerância" foi inspirada num dos trabalhos do poeta e filósofo italiano Giacomo Leopardi. Já a "Anjo do Mal" foi inspirada na história de Elizabeth Thomas, uma jovem americana que sofreu de transtorno de apego. Foram temas que fizeram me envolver bastante e até mesmo despertar vários sentimentos estranhos dentro das nossas cabeças. Tudo isso no objetivo de deixar as letras no mesmo nível de excelência do qual tratamos todo instrumental.

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RR - Como avalia o trabalho de produção do Guto Gonzales para o álbum?

MB: Extremamente profissional. Guto é amigo de longa data, um cara que além de ter capacidade técnica ímpar, tem a cabeça aberta e conhece as características de cada um de nós. O trabalho dele tem uma pegada bem orgânica, e desde o começo sabíamos que ele seria ideal para esse trabalho. Além disso, o Lamparina é mais do que um excelente estúdio, é um local extremamente agradável, receptivo, que transborda cultura de diversas formas. Ficamos plenamente satisfeitos com o resultado final.

RR - Qual o impacto da masterização feita pelo norte americano Chris Common teve sobre o resultado final do disco?

MB: Gigante. Chris já trabalhou com bandas grandes como Mastodon, Pelican, entre outras várias. Tem larga experiência e profissionalismo. Captou facilmente o que queríamos com o disco e foi o tempero final ao trabalho feito pelo Guto.

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RR - O que também chama a atenção é a ótima arte da capa. Quem foi o responsável?

MB: O responsável foi o excelente artista Fabio Matta, que além de tudo é também um grande amigo, apaixonado por metal e ótimo músico. Mais um amigo de longa data que fizemos questão que participasse do projeto, pois sabíamos que conseguiria concretizar o que pensávamos.

RR - Esse retorno representa um modelo padrão de banda, tipo disco e turnê? Pergunto isso pois os membros moram em cidades diferentes. Há planos para shows da banda?

MB: Infelizmente não há planos para shows. Além desse fator da distância, também temos muitas responsabilidades profissionais e familiares, o que impede de seguirmos em frente. A banda se reuniu exclusivamente para o lançamento do disco, uma coisa meio Nailbomb. Mas não vemos isso como algo negativo, pois o disco perdura e a arte é eterna.

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RR - Uma questão que sempre faço às bandas entrevistadas. Nem é necessário explanar sobre as dificuldades de uma banda autoral no Brasil. Como o Cabrero lida com essa situação?

MB: Infelizmente o Brasil é um país de terceiro mundo e acho que isso basta para sabermos que temos dificuldades em praticamente todos os setores da vida. Somos da época de enviar release de banda via correio, com outras bandas gravamos demo tape em cassete, tocamos em lugares longínquos sem ganhar um centavo, ou seja, já vivemos a maioria os tipos de perrengue que uma banda autoral vive. Hoje em dia a tecnologia encurtou muita coisa, vide o nosso processo de composição e o acesso que todos temos a novas bandas. Mas no fim de tudo ainda vemos que o principal é fazer por amor e diversão. O que é sincero e honesto se espalha naturalmente, não importa quais as dificuldades. Acreditamos que hoje a cena do metal brasileiro está muito viva e ativa e temos orgulho de ter dado nossa contribuição para isso.

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RR - Quando está previsto o lançamento do CD físico. Li também que pretendem prensar em LPs?

MB: Ainda não temos uma data. Como somos 100% independentes e não vivemos da banda, precisamos levantar verba para isso acontecer. Mas com certeza está nos planos o lançamento de CD físico e também LP. O fã de metal gosta muito do material físico, do lance de colecionar mesmo, e não somos diferente. Pessoal pode ficar atento nas nossas redes sociais que lá informaremos.

RR - Fique à vontade para deixar qualquer outra informação sobre a banda e o disco.

MB: Primeiro agradecer a você pela oportunidade da entrevista, agradecer a todos que apoiaram e participaram conosco desse projeto e acima de tudo a todos que apoiam, incentivam, compartilham e executam a música pesada ao redor do mundo. Falar também para o pessoal escutar nosso disco nas principais plataformas de streaming, compartilhar com os amigos e ficar ligado nas nossas redes sociais, que relacionamos aí abaixo. E por fim, dizer que acreditamos fielmente que o que faz a música não é todo business que a envolve, e sim a vontade e o amor por ela!

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Sobre Júlio Verdi

Júlio Verdi, 45 anos, consome rock desde 1981. Já manteve coluna de rock em jornal até 1996, com diversas entrevistas e resenhas. Mantém blogs sobre rock (Ready to Rock e Rock Opinion) e colabora com alguns sites. Em 2013 lançou o livro ¨A HISTÓRIA DO ROCK DE RIO PRETO¨, capa dura, 856 páginas, trazendo 50 de história do estilo na cidade de São José do Rio Preto/SP, com centenas de fotos, mais de 250 bandas, estúdios, bares, lojas, festivais e muitos outros eventos. Curte rock de todas as tendências, em especial heavy metal e thrash metal.
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