Jimi Hendrix: uma porção menos digna da discografia?
Resenha - Axis: Bold as Love - Jimi Hendrix
Por Rodrigo de Andrade
Postado em 27 de setembro de 2010
Se convencionou afirmar que Are You Experienced? é um disco inspirado na sua execução e incendiário em seu espírito. E que Electric Ladyland é um trabalho mais intelectual e o ápice do que se entende por "álbum de estúdio", (elaborado demais a ponto de não poder ser reproduzido ao vivo e de recepção programada para ser ouvido atentamente na frente de um aparelho de som estéreo ou com fones de ouvido). Com isso — e uma parcela substancial do público concorda — Axis: Bold As Love seria a porção menos digna da discografia clássica de Jimi Hendrix. O acusam de ter sido um disco produzido às pressas, para se aproveitar as vendas de natal. Entretanto, essa é uma análise completamente equivocada!
O que poucos sabem é que havia um pacto dentro da Experience, algo que na verdade acabou sendo fundamental em sua ascensão impressionante, meteórica e definitiva: a banda fazia questão de lançar seus dois primeiros discos no mesmo ano. As sessões de gravações do Axis aconteceram entre maio e junho de 1967, no Olympic Studios (Inglaterra), sendo que o grupo voltou a gravar algumas partes e novas faixas no mês de outubro. E se algo foi feito as pressas foi uma segunda mixagem do lado A, pois Jimi esqueceu a fita master dentro de um taxi. Isso o obrigou a realizar sessões noturnas de remixagem junto com Chas Chandler e o engenheiro de som Eddie Kramer, para cumprir os prazos agendados com a gravadora.
Axis: Bold As Love é marcado pelo uso crescente de LSD por parte de Hendrix, em uma quantidade inicial que se revelou produtiva. Com uma sensibilidade aguçada e, após tantos shows, gravações de compactos e o lançamento de um álbum de sucesso, a Experience revelava um entrosamento que resultou numa musicalidade impressionante e ímpar.
Não por acaso, é um álbum conceitual, inspirado num livro que Jimi havia lido sobre aura e a cor resultante das notas musicais (lembrando que o som é algo visível para alguém sob efeito de LSD). A primeira faixa é uma introdução psicodelíssima. Cheia de efeitos e mudanças de velocidades na reprodução do áudio gravado, EXP simula uma transmissão de rádio em que o entrevistado fala sobre OVNIs e seres vindo de outros planetas. O locutor é pego de surpresa pelo que soa com a chegada de uma nave espacial. Uma verdadeira overdose de microfonia e saturação sonora, em que o "disco voador" salta de uma caixa de som a outra. De cara já se nota que Axis é um trabalho muito bem elaborado em estúdio (várias faixas raramente ou talvez nunca tenham sido reproduzidas ao vivo). Nesse sentido, mais caprichado que a estréia e antecipando o seu sucessor.
Outra grande bobagem é acusá-lo de ser pop, na acepção comercial e depreciativa do termo. Na verdade, aí reside o seu mérito! A opção pelo formato pop (o single de 3 minutos) foi experimentada por todos os gigantes do rock e se revela, sempre, na estrutura mais complexa para se produzir algo que transcenda a barreira do tempo sendo realmente significativa musicalmente. Faixas com cinco, oito, dez, quinze minutos garantem tempo o suficiente para qualquer grupo exagerado se esforçar em performances grandiosas no intuito de produzir um clássico cheio de partes complexas e solos extravagantes. Quer oferecer um desafio a esse tipo de banda? Peça para eles serem tão geniais assim em apenas dois minutos e meio. Nesse sentido, Axis é impecável! Duas faixas não chegam a ter dois minutos, e apenas três músicas ultrapassam a marca dos três minutos. A Experience tira o desafio de letra produzindo canções com instrumental elaborado, incrivelmente rico e complexo, que se encaixa num todo harmoniosamente reluzente.
Mitch Mitchell está no seu auge criativo. Noel Redding brilha em uma composição própria onde assume os vocais. Hendrix atinge a genialidade enquanto compositor, alcança seu ápice lírico como letrista (seus momentos poéticos mais inspirados estão indiscutivelmente nesse disco! Se duvidar, leia!) e canta como nunca.
Passagens leves, descontraídas, introspectivas e reflexivas — Up From The Skies, Wait Until Tomorrow, Little Wing, Castles Made of Sand, One Rainy Wish, Bold As Love — são sucessivamente alternadas por momentos de intensidade explosiva e grandiosidade enérgica — Spanish Castle Magic, Ain’t No Telling, If 6 Was 9, You Got Me Floatin’, She’s So Fine, Little Miss Lover —, sem que o revezamento desses segmentos produzam um efeito de quebra na recepção do ouvinte. E essa complicada química na conjuntura das faixas só é possível pelo fato de que cada música — nesse formato enxuto, "pop" — se revela perfeita e acaba em si mesma.
Axis: Bold As Love é o trabalho mais experimental e diversificado, musical e liricamente, na discografia da Experience. Não se encontra à sombra de seu predecessor e sucessor. É, na verdade, uma obra prima tão singular que extrapola a sensibilidade do público mediano.
Texto publicado originalmente no site de (anti)jornalismo (contra)cultural Os Armênios.
http://www.osarmenios.com.br/2010/03/a-lenda-de-jimi-hendrix
Lançamento:
1º de Dezembro de 1967 (RU)
15 de janeiro de 1968 (EUA)
Faixas:
1 – EXP [1:55]
2 – Up From The Skies [2:55]
3 – Spanish Castle Magic [3:00]
4 – Wait Until Tomorrow [3:00]
5 – Ain’t No Telling [1:46]
6 – Little Wing [2:24]
7 – If 6 Was 9 [5:32]
8 – You Got Me Floatin’ [2:45]
9 – Castles Made Of Sand [2:46]
10 – She’s So Fine [2:37]
11 – One Rainy Wish [3:40]
12 – Little Miss Lover [2:20]
13 – Bold As Love [4:09]
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