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Ian Gillan: sempre se negando a usar overdubs

Resenha - Live in Anaheim - Ian Gillan

Por Rodrigo Werneck
Postado em 04 de fevereiro de 2009

Nota: 10 starstarstarstarstarstarstarstarstarstar

Alguns músicos valorizam seus momentos de descanso entre turnês e gravações de discos. Outros aproveitam tais momentos para tocar projetos paralelos e/ou solo. Este é o caso do vocalista Ian Gillan, que em suas folgas do Deep Purple sempre opta por entrar no estúdio ou sair em tour com uma banda solo. Um desses momentos foi registrado nesse ótimo disco ao vivo, com um setlist brilhantemente escolhido, e banda idem.

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Tema polêmico, a modernidade tecnológica traz uma série de inovações a nosso serviço, mas nem todas necessariamente implicam em melhorias. No caso específico da música, nas últimas duas ou três décadas foram notáveis os avanços na gravação e edição de discos, em especial os ao vivo. Por outro lado, a facilidade com que se editam "falhas" acabou por gerar um problema: vários registros acabam por soar demasiadamente artificiais, pelo uso excessivo de "overdubs" e afins. Este é um longo debate, pois há pontos contra e a favor, defendidos de forma aguerrida por seus defensores. É inegável que um disco com vocais impecáveis tem o seu mérito, mas por outro lado, qual o papel de um álbum ao vivo? Mostrar como uma banda ou um artista se porta ao vivo, normalmente gerando registros com mais energia do que os de estúdio, pela interação com o público. Como diz o jargão popular, "quem sabe, faz ao vivo".

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Ian Gillan está entre os que sempre se negou a usar de artifícios como overdubs. No máximo, se permitiu gravar mais de uma apresentação para poder escolher a melhor performance. Por conta disso, volta e meia alguém aparece e o critica por "não ter atingido nota tal", ou por "ter desafinado na parte tal", etc. Vários outros cantores de sua geração utilizam overdubs à exaustão, como Glenn Hughes, David Coverdale e Rob Halford, e portanto não correm tal risco. Entretanto, basta ir a um show para ver que o quadro pintado não é exatamente um retrato da realidade (embora, é claro, mesmo assim ainda cantem muito). No caso de Gillan, "what you see is what you get". Obviamente, ele não consegue mais atingir 5 oitavas com sua voz (como conseguia nos anos 70), mas também o sujeito não tem mais vinte e poucos anos (está com quase 65!). É o mesmo que exigir de Neil Peart (do Rush) que dê as mesmas viradas de bateria que dava quando tinha 30 anos de idade... Simplesmente, não dá.

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Bem, voltando ao lançamento em questão, o que o faz tão especial para merecer uma nota 10? Basicamente, tudo o que se pode esperar de um disco ao vivo. A gravação está simplesmente fenomenal, com grande energia e uma clareza dos instrumentos e vocais poucas vezes vista (quer dizer, ouvida). A banda escolhida por Gillan, se não é composta por nomes facilmente reconhecidos, por outro lado desempenha seu papel de forma muito mais que correta. Os caras simplesmente arrebentam. São eles: Randy Cooke (bateria), Rodney Appleby (baixo), Michael Lee Jackson (guitarra), Dean Howard (guitarra) e Joe Mennonna (teclados, sax). Howard, por sinal, é velho conhecido do público brasileiro, pois acompanhou Gillan na turnê do disco "Toolbox", que passou por aqui em 1992. A pegada da banda em muito se assemelha à da velha banda Gillan (sim, homônima ao vocalista), com um baixão roncado e pesado, bateria direta e enérgica, no ponto, guitarras revezando-se entre bases cativantes e solos arrebatadores, e teclados distorcidos e ao mesmo tempo, climáticos. Para quem não se lembra da banda Gillan, ela foi a que mais se aproximou ao frescor e originalidade do Deep Purple original, após a dissolução desse. Entre o final dos anos 70 e o início dos 80, fez mais sucesso do que o Rainbow de Blackmore e o Whitesnake de Coverdale, no entanto acabou antes dessas duas encararem períodos mais "comerciais" e rentáveis (quando Ian se juntou ao Sabbath, em 1983).

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A casa escolhida para o registro deste CD duplo aqui resenhado, o House of Blues de Anaheim (California, EUA), demonstra ter uma acústica perfeita, e percebe-se nitidamente a grande interação entre o público e os músicos. Entre as canções, como de praxe Gillan vai contando pequenas estórias e anedotas, para divertir a audiência ou para explicar como determinada composição foi criada. O repertório não poderia ter sido mais bem selecionado. Contando com músicas que Gillan normalmente não toca ao vivo com o Purple, os shows dessa turnê foram um prato feito para seus fãs de carteirinha. E Gillan não se furtou de correr riscos. Os trabalhos são abertos logo de cara com "No Laughing In Heaven" (da banda Gillan) e "Into The Fire" (do Purple), músicas com vocais dificílimos. Mas Ian se sai muito bem, e o público responde à altura, animado. Sucedem-se escolhas longe de óbvias, como "Hang Me Out To Dry" (da carreira solo de Gillan), e "Have Love, Will Travel", um cover do The Sonics que fez parte de um disco solo de Michael Lee Jackson. O material soa de forma totalmente coeso, como se tivesse sido composto e gravado na mesma época, e para o mesmo álbum. Ponto para a performance da banda, e de Gillan em especial.

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Temas que o Purple não toca ao vivo, como as ótimas "Wasted Sunsets" e "Not Responsible", se seguem, com ótimo desempenho vocal de Gillan. Os solos de guitarra se aproximam mais ao estilo clássico de Blackmore do que ao de Steve Morse, o que deve agradar aos puristas. Em determinado momento, Gillan chama ao palco Michael Bradford, que produziu os discos mais recentes do Deep Purple. Bradford é guitarrista, e se junta à banda para uma excelente música instrumental – na realidade, uma jam session - chamada "Rivers of Chocolate", recheada de groove e ótimos solos de todos os músicos. Fechando o primeiro CD, a furiosa "Unchain Your Brain", um dos clássicos da banda Gillan, com sua pegada quase hardcore.

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Mais alguns temas inesperados abrem o segundo CD: "Bluesy Blue Sea" (da banda Gillan, quando contava com Janick Gers na guitarra, muito antes de sua entrada para o Iron Maiden) e "Moonshine" (do bom disco solo "Naked Thunder"). "Texas State of Mind", boa composição do baixista Rodney Appleby, que inclusive faz o primeiro vocal, suportado por Gillan. A versão ao vivo de "Sugar Plum", no mesmo nível das demais, prova que o disco "Dreamcatcher" (solo de Gillan da qual é oriunda), sofreu pelo fato de ter sido gravado somente por Ian junto ao guitarrista Steve Morris, pois sua sonoridade original era quase que de uma "demo", sem a força que apresenta agora ao vivo. Outra grande balada do Purple vem a seguir, "When A Blind Man Cries", terreno mais que perfeito para Gillan transbordar emoção com vocais inspirados. Ótimo solo de guitarra e um inusitado solo de sax de Mennonna enriquecem os arranjos.

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Outro grande clássico da banda Gillan vem a seguir, a ótima "Men of War", mais um superpetardo que conta com corajosos agudos de Gillan, em especial por estar posicionada no final do setlist. Após um desnecessário solo de bateria (pelo ponto de vista do ouvinte, mas não de Gillan, que provavelmente precisava de um descanso para as cordas vocais), chegamos ao segmento final. Show com Ian Gillan sem "Smoke On The Water" nunca é a mesma coisa, mesmo num set montado com músicas normalmente não apresentadas ao vivo. A versão aqui incluída tem 2 guitarras, de qualquer forma, ganhando assim em intensidade. O público se junta a Gillan nos refrãos, a plenos pulmões. Fechando, "Trouble" (clássico rock’n’roll de Leiber/Stoller, regravado originalmente pela banda Gillan) e outra do Purple, "Knockin’ At Your Back Door", um fecho com chave de ouro.

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Resumindo a ópera: trata-se de um excelente disco ao vivo, um dos melhores da carreira de Ian Gillan, que mostra ter ainda um bom gás para entreter seu público, e a si próprio (já que é claro que ele adora a vida na estrada). Uma pena que ele não tenha estendido essa turnê por outros países, pois certamente seria mais interessante vê-la do que mais um show do Purple com basicamente o mesmo repertório.

Altamente recomendável!

CD 1:
1. Second Sight (intro)
2. No Laughing In Heaven
3. Into The Fire
4. Hang Me Out To Dry
5. Have Love I'll Travel
6. Wasted Sunsets
7. Not Responsible
8. No Worries
9. Rivers Of Chocolate (band jam)
10. Unchain Your Brain

CD 2:
1. Bluesy Blue Sea
2. Moonshine
3. Texas State Of Mind
4. Sugar Plum
5. When A Blind Man Cries
6. Men Of War
7. Drum Solo
8. Smoke On The Water
9. Trouble
10. Knocking At Your Back Door

http://www.gillan.com

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Sobre Rodrigo Werneck

Carioca nascido em 1969, engenheiro por formação e empresário do ramo musical por opção, sendo sócio da D'Alegria Custom Made (www.dalegria.com). Foi co-editor da extinta revista Musical Box e atualmente é co-editor do site Just About Music (JAM), além de colaborar eventualmente com as revistas Rock Brigade e Poeira Zine (Brasil), Times! (Alemanha) e InRock (Rússia), além dos sites Whiplash! e Rock Progressivo Brasil (RPB). Webmaster dos sites oficiais do Uriah Heep e Ken Hensley, o que lhe garante um bocado de trabalho sem remuneração, mais a possibilidade de receber alguns CDs por mês e a certeza de receber toneladas de e-mails por dia.
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