Resenha - MTV Unplugged in New York - Nirvana
Por Maurício de Almeida (Maquinário)
Postado em 12 de fevereiro de 2005
O formato acústico criado pela emissora MTV teve sua primeira edição em 1989, com a participação da banda britânica Squeeze, além dos convidados Syd Straw e Elliot Easton, da banda "The Cars". A idéia surgiu após uma apresentação de Bon Jovi e Rithcie Sambora no MTV Music Awards de 1989 tocando apenas com violões o então sucesso "Wanted Dead or Alive", e desde então grandes figurinhas do pop mundial se renderam ao formato que, no mínimo, é lucrativo. Mas, deixando de lado o dinheiro, temos apresentações antológicas no unplugged MTV, como a de Bob Dylan em 1995 ou a do Kiss, em 1996, que reuniu no mesmo palco Ace Frehley, Peter Criss, Paul Stanley e Gene Simmons após dez anos. Entre estas, não há como deixar de fora a apresentação do Nirvana, não apenas por ser a última performance televisiva de Kurt antes de sua morte, mas principalmente por sua qualidade musical.
O pensamento que rondava a cabeça de Cobain quando da gravação do programa era quase o mesmo da gravação de "In Utero": o Nirvana é uma boa banda, independente de produtores ou facilidades de estúdio. Se em "In Utero" o intuito era provar que o Nirvana ia além do sucesso óbvio de Nevermind, neste unplugged a meta era mostrar que a qualidade musical da banda estava muito além do que as poucas baladas de sua discografia. Para isso, o primeiro passo foi escolher para o repertório do show músicas que possibilitavam alcançar tal objetivo. Passeando por toda a discografia, há neste disco "About a girl" do "Bleach", "Come as you are", "Polly", "On a plain" e "Something in the way" do Nevermind e "Pennyroyal Tea", "Dumb" e "All apologies" de In Utero. O ponto em comum desta seleção está no fato de todas terem potencial para serem gravados voz e violão e ainda assim mostrar a capacidade não apenas musical, mas de se tornarem boas canções, tristes e melancólicas.
Outro ponto importante deste acústico é as participações especiais. Da mesma maneira que a banda se negou a tocar os grandes sucessos neste show, também optou por convidados que não estivessem sob os flashs. Os boatos de Eddie Vedder como convidado logo cederam lugar a confirmada presença do Meat Puppets, até então quase-desconhecida banda do Arizona. E eles participariam não apenas como convidados nas músicas do Nirvana, mas tocariam três canções próprias: "Plateau", "On me" e "Lake of fire", todas do disco "Meat Puppets II" de 1983. A psicodelia com uma pitada country que marcava o som do Meat Puppets, na voz de Kurt, ganhou um toque tão pessoal que mesmo ainda contendo as velhas características, eram outras canções, mais introspectivas, mais fortes. Há ainda mais três outras covers, "jesus don't want me for a sunbeam", música da banda Vaselines, se não a mais, uma das favoritas de Cobain, "The man who sold the world", do camaleão Bowie, escolhida por Kurt como devido a uma certa identificação com a letra, e "Where did you sleep last night", canção pertencente a Leadbelly, músico de folk da década de 1930-40, que originalmente intitulou esta canção de "In the Pines" (a mudança de título foi feito por Cobain).
A fixação de Kurt por Leadbelly (Huddie William Ledbetter - 1885 1949) aconteceu quando ele descobriu a biografia do músico. Preso algumas vezes, o cantor e guitarrista viajou grande parte do sul dos Estados Unidos tocando blues, work songs (músicas de trabalho escravo) e outros estilos. Descoberto pelo pesquisador John A. Lomax, Leadbelly gravou suas primeiras canções ainda na penitenciaria de Louisiana, gravando também seu nome na história da música negra norte americana. A primeira gravação que Cobain ouviu da música foi quando Mark Lanegan, vocalista do extinto "Screaming Trees", a gravou para seu primeiro trabalho solo. Desde então Kurt criou uma admiração tão grande por Leadbelly que dificilmente "In the pines" não faria parte deste acústico. E mesmo sendo uma canção desconhecida do grande público, principalmente para os fãs do Nirvana, ela faz por merecer estar no disco, principalmente na função de encerrar o álbum/show. Depois de quase uma hora de músicas que mexem com sentimentos dado o nível de sinceridade alcançado por Cobain, o suspiro que antecede o fim de "Where did you sleep last night" é a chave de ouro. Nada mais poderia ser feito depois daquilo.
Abraçado por uma atmosfera lúgubre, com flores, velas e iluminação em tons de azul e roxo, todas as canções, da ingênua e direta "About a girl" até depressiva "Something in the way" ganham uma carga emocional muito forte. Se a idéia de um acústico é mostrar o artista como ele realmente é, o Unplugged Nirvana cumpriu o prometido. Aquelas complicações na vida pessoal de Cobain vistas em "In Utero" cresceram exponencialmente no espaço de um ano, e culminaram neste disco de maneira tão sincera que interpretações de músicas como "Pennyroyal Tea" ou "Lake of Fire" são de emocionar mesmo que não simpatiza muito com o grupo. Muitas canções mantêm sua forma original - mesmo as covers -, por isso a interpretação de Kurt pesa tanto em um disco como este. Sim, através destes parâmetros o Nirvana parece ser banda de um homem só, mas não é por está linha que caminha o disco.
Muito embora haja canções como "Pennyroyal Tea", cantada apenas por Cobain, "About a girl" é quando percebemos que Dave Grohl não é apenas um bom baterista para músicas pesadas, mas que sua sensibilidade ultrapassa os andamentos duplicados, chegando a leves arranjos como na primeira música deste acústico. Na cover do Vaselines, Krist abandona o contra-baixo e assume o acordeão; além do trio, o disco conta com a participação do guitarrista Pat Smear, que vinha acompanhando a banda na turnê de "In Utero", e Lori Goldston no cello em oito faixas. Quer dizer, a interpretação de Kurt nos vocais é de fato peça fundamental para o disco, mas não única. E se o álbum alcança um padrão de qualidade realmente alto, se deve ao conjunto, e não a um ou outro elemento.
"Nirvana - MTV Unplugged in New York" foi lançado postumamente em 1 de Novembro de 1994, sete meses após a morte de Cobain. Exaustivamente passado pela MTV, o disco acabou marcando o fim da carreira da banda, e dando início a um processo de cultuamento que se estende até os dias de hoje. Prepulsores de um estilo, desbravadores do mainstream ou um bando de vagabundos que deram sorte? No fim das contas, nada disso importa. Se quiseram provar que tinham qualidade, melhor prova do que este unplugged não há; se quiseram ou não marcar uma geração, o fato é que conseguiram, mesmo que Kurt faça suas as palavras dos Vaselines, dizendo que "Sunbeams are never made like me".
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