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Resenha - Revolver - Beatles

Por Marcio Ribeiro
Postado em 20 de fevereiro de 2001

Nota: 10 starstarstarstarstarstarstarstarstarstar

É complicado falar de um álbum antigo, principalmente dos Beatles. Primeiramente porque chances há de você já conhecê-lo e, portanto, já ter sua própria opinião a respeito. Caso você ainda não o conheça, é provável que vá te interessar mais a opinião de algum amigo, mais velho e de confiança, do que a de um total estranho. E mesmo se você é do tipo de pessoa que valoriza a opinião da dita crítica especializada, como falar de um disco dos Beatles de uma maneira diferente depois que outros especialistas vêm falando dele há mais de trinta anos? É muito complicada esta situação.

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Você já pode partir do princípio que este é um disco fantástico e abriu caminho para o que viria a se tornar padrão para várias coisas na indústria. O que, aliás, é o caso da maioria dos discos dos Beatles. Sim, eles eram bons e criativos neste nível. O porquê e o como foram realizadas estas canções, talvez sejam histórias interessantes e informações menos debatidas. Então pensei que lhe prestaria um serviço melhor falando, não de como é fantástico ou importante este disco, mas contando-lhe histórias de como ele foi gravado.

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A carreira dos Beatles, como já devem saber, é quase que totalmente sustentada em sucessos. É a única banda pop que possui uma discografia ampla, onde praticamente todos os discos chegaram a nº 1 nas paradas de sucesso dos dois lados do Atlântico. Durante o processo deste sucesso comercial, vieram também desafios a regras pré-estabelecidas, que aos poucos foram sucumbindo à criatividade deste quarteto.

Nos primeiros anos, a banda trabalhou dentro das regras existentes, seguindo a orientação de seu produtor, enquanto aprendiam sobre como funcionava o processo de gravação de um disco. Estavam satisfeitos em compor durante as viagens e a gravar entre shows. Por exemplo, "Can't Buy Me Love" (1964) foi gravada em Paris, entre uma apresentação no Teatro Olympia e a ida para os Estados Unidos, onde se apresentariam no Ed Sullivan Show. Aos poucos, este tipo de rotina cansaria o jovem quarteto e passos começaram a ser tomados para diminuir as exigências de viagens. Embora em 1966 a banda viajasse para lugares mais distantes, indo tocar na Ásia e Oceania pela primeira vez, o total de datas executadas somando as excursões foi bem menor que nos anos anteriores. Inclusive, o grupo naquele ano não fez uma excursão européia. A banda encerrou suas participações nos programas da rádio BBC no ano anterior e até a já tradicional visita ao Ed Sullivan Show foi dispensada.

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As gravações para o álbum, ainda sem nome, iniciaram-se no dia 6 de abril e se estenderam até 22 de junho, dois dias antes de iniciarem sua primeira excursão do ano. Eles foram para a Alemanha, seguindo então para o Japão, Filipinas e Austrália. Foi do Japão, precisamente no dia 2 de julho, que os rapazes telefonaram para a EMI informando a decisão de chamar o álbum de "Revolver". Outros nomes, como "Abracadabra", "Beatles On Safari" e "Magic Circles" também estavam sendo cogitados até então. O nome "Revolver", que nada tem a ver com armamento bélico, vem da idéia de que todo disco revolve (gira) sobre um eixo no prato de uma vitrola.

Dentro da EMI ocorreram algumas mudanças entre o período de gravação de "Rubber Soul", seu disco anterior, e este. Primeiramente, três produtores deixaram a companhia. São eles John Burgass, George Martin e Ron Richards, este último um ex-assistente de Martin que, na sua ausência, foi o responsável pela primeira sessão dos Beatles, gravando "Love Me Do" com Ringo na bateria, em 1962.

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Na verdade, Ron Richards era designado por George Martin a testar e gravar todas as bandas pop da época. Martin era mais interessado e havia-se especializado em gravar mais orquestras e discos de comédia. Lembrem que rock era novidade e embora já tivesse provado ser um produto vendável, somente depois dos anos 60 este produto superaria as vendagens de todos os outros gêneros musicais. Portanto faz sentido Martin delegar bandas de rock a uma terceira pessoa. Foi o empresário dos Beatles, Brian Epstein, que insistiu para que Martin, o chefe do departamento de gravações do selo Parlophone, supervisionasse pessoalmente todos os processos de gravação de sua banda. Uma vez que os Beatles chegaram a nº 17 nas paradas com "Love Me Do", não houve mais necessidade de Epstein ter que ficar insistindo. Assim conta a história.

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Juntos, o trio Burgass, Martin e Richards formaram a Associated Independent Recordings, mais conhecida como AIR. A AIR e seus estúdios, dentro das décadas a seguir, foram qualificados entre os melhores estúdios do mundo, sendo responsáveis por diversos álbuns premiados.

Com a saída de Martin do plantel da firma, a EMI poderia ter colocado outro produtor para trabalhar com os Beatles, porém temeu-se mexer com uma equipe cuja química estivesse funcionando tão bem. Como saíram três produtores da firma, a EMI promoveu o engenheiro de som e braço direito de Martin, Norman Smith, à função de produtor. Smith esteve atrás da mesa de som de todas as gravações dos Beatles até então. Como produtor, Smith teria seu grande momento ao trabalhar com uma banda nova de Londres chamada Pink Floyd.

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George Martin entrou então para as sessões de Revolver, ganhando bem melhor pelo seu trabalho do que antes, mas a principal razão de mencionar estas mudanças não é esta. É que para substituir Norman Smith foi promovido seu auxiliar, um jovem de 20 anos com um ouvido extremamente afinado, chamado Geoff Emerick. A diretoria da EMI e George Martin apostaram que um rapaz tão verde, tão inexperiente, não teria técnicas já preconcebidas e, assim sendo, não criaria maiores resistências em confrontá-las com outras. De fato, Emerick, cheio de idéias próprias, logo começou experimentando microfonar (no jargão, a técnica de posicionamento dos microfones no estúdio para melhor captar o som) instrumentos como a bateria e o baixo de forma diferente da tradicional. Como os Beatles também eram muito abertos para experiências, ele quase sempre teve carta branca para tentar algo novo.

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Além da conhecida teoria musical, bagagem tão importante para Martin poder traduzir as idéias e exigências de sua dupla de compositores, talvez sua maior genialidade fosse a de permitir um clima propício para criação dentro do estúdio. Não exercendo sua superioridade hierárquica sobre Lennon e McCartney, George Martin permitiu ao duo liberdade para sugerir idéias à equipe, que por sua vez, ao invés de taxar as mais absurdas como impossíveis, procuravam formas de se criar em cima destas idéias. Assim, de tanto ouvir as queixas de John Lennon sobre o processo trabalhoso de dobrar sua voz, nascia uma técnica nova.

Até o surgimento da mesa de quatro canais, três anos antes, a prática era gravar primeiro os instrumentos e depois a voz. Uma vez gravada aquela voz, que se credita como boa ou definitiva, era necessário gravar em outro canal novamente outra boa voz. O resultado destas duas vozes gravadas juntas é uma voz forte. Como sempre estarão humanamente atrasadas, uma em relação à outra, cria-se não só um reforço, mas uma sensação de profundidade na voz. Muitas vezes a primeira boa voz demora a ser registrada e, depois, é exigido do artista repetir o feito uma segunda vez. Isto pode e às vezes tende a criar um clima estressante na sessão de gravação.

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Motivado pelas observações de Lennon, o técnico Ken Townsend concebeu a idéia e criou o sistema ADT. Este sistema acabaria por revolucionar todo o processo de gravação de voz e ser rapidamente absorvido pela indústria. ADT, ou Artificial Double Tracking, é a técnica de repetir a gravação de uma voz com um atraso de um mili-segundo, criando um reforço que dá profundidade à voz inicial. Isto se consegue emanando um sinal para uma segunda máquina que contenha um oscilador variável (que criará um atraso regulável) e em seguida mandando o sinal de volta para o outro canal da máquina inicial.

Evidentemente que a técnica de ADT impressionou muito os Beatles e contribuiu para uma maior confiança da banda na equipe técnica da EMI, em um estágio relativamente cedo da sua evolução no estúdio de gravação. George Martin, sabendo que John Lennon dificilmente entenderia os detalhes técnicos por trás do processo, explicou-lhe então, de brincadeira, porém em tom sério, algo como "dividimos o sinal em dois usando um sploshing flange com feedback negativo dobrado" e assim nasceu o nome popular por trás da técnica ADT. Quando em uma festa perguntaram a Lennon como conseguiu o efeito de voz no seu novo álbum, ele orgulhosamente respondeu: "usamos um Flange". E o nome se espalhou pelo mundo. A técnica é conhecida até hoje como usar um Flanger.

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Se eu fosse falar de cada detalhe por trás de cada música deste álbum, este review ficaria muito maior do que já é. Portanto falarei só de alguns poucos detalhes. Novamente, quero enfatizar a importância de Geoff Emerick, dando-lhe uma menção especial pela forma inventiva e audaciosa em que ele resolveu inovar nas sessões, criando técnicas que passariam a se tornar padrão nos estúdios de todo o mundo.

Quando apresentava a canção "Eleanor Rigby" a George Martin, Paul falava em ter cordas como em "Yesterday", mas procurando não copiar a fórmula utilizada naquela canção. "Talvez as cordas pudessem fazer o ritmo". Nesta sugestão de Paul, foi dada a chave para Martin criar um de seus melhores arranjos, inspirando-se na trilha sonora do filme "Farenheit 451", composta por Bernard Herrmann. Na sessão, foram utilizados quatro violinos, duas violas e dois cellos. Paul deu a sugestão dos músicos tocarem sem vibrato.

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Para horror dos músicos contratados, Emerick colocou os microfones extremamente perto das cordas dos instrumentos, quase tocando-as, processo hoje padrão, mas nunca feito até esse dia. Utilizaram os quatro canais, gravando os instrumentos em pares. Depois, uma vez gravados, fizeram uma redução. Uma redução é quando se passa o conteúdo de quatro canais para dois ou um canal. Esta técnica, praticada regularmente na maioria dos discos dos Beatles, seria esticada até os limites da saturação no disco "Sgt. Peppers". Neste caso específico, as cordas foram reduzidas para dois canais. Nos dois canais restantes ficara a voz de Paul, passando pelo flanger. Depois, novamente reduzidos para um canal, deixando o outro livre para o backing de John e George.

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Outro truque utilizado neste álbum é o de gravar as vozes e algumas vezes os instrumentos em rotações diferentes. Em "Good Day Sunshine", por exemplo, o piano executado por George Martin está gravado em 56 ciclos ou pps (o correto seria 50 ciclos ou pps). Explorando alternativas sonoras, eles adulteraram cada vez mais o uso padrão dos equipamentos, como em "I'm Only Sleeping". Embora a base da canção tivesse sido gravada em velocidade normal, a voz de John é gravada em 45pps. Quando é feita a redução de canais, a base rítmica é copiada em 56pps e repassada em 47 ¾ pps.

O solo de guitarra com som ao contrário existente na canção foi feito da maneira mais complexa possível. Todo concebido e realizado por George Harrison, ele, em seis horas, conseguiu montar todo o solo que se quer ouvir no final, de trás para frente. Assim, quando gravado e ouvido ao contrário, você tem as notas desejadas do solo na seqüência correta, mantendo o som de uma gravação ao contrário. Para aumentar o desafio, o solo foi feito duas vezes, uma com a guitarra normal, outra com uma fuzz guitar (guitarra ligada a um pedal de distorção popularmente chamado de fuzz). Os dois solos foram executados um em cima do outro, como se faz com vozes. Novamente uma redução foi feita, agora nas guitarras, para um só canal. Finalmente, foram gravados os backing vocals com John, Paul e George.

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Embora não seja a estréia de um sitar em disco dos Beatles, "Love You To", outra canção de George Harrison, é sua primeira composição feita especificamente com o sitar em mente. Já um aluno sério e dedicado ao instrumento, George arriscou ao colocar um instrumento indiano à tona na cultura pop. Em "I Want To Tell You", sua letra comenta sobre o disparate entre a velocidade do pensamento em relação à lentidão da fala ou escrita, analisando a dificuldade que se tem para concatenar idéias em frases concretas. É certamente uma de suas letras mais densas, caminho que Harrison seguiria com "Within You, Without You", em Sgt. Pepper's.

"Taxman" surgiu quando Harrison, que sempre foi o mais meticuloso financeiramente, pôde em casa analisar suas contas para o imposto de renda. Indignado, constatou que se encaixava na categoria de "super taxação", obrigando-o a pagar 19 shillings para cada libra que ele levantasse (há 20 shillings em uma libra). Esta conscientização abriu os olhos dos demais beatles para suas reais situações financeiras. De uma forma muito artística, George transformou seu espanto e desgosto em música.

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Em "Submarino Amarelo" até os empregados do estúdio foram convidados a participarem, cada um fazendo alguma sonoplastia. Correntes, sinos, apitos e uma máquina de fazer barulho de vento e trovão são apenas algumas das coisas utilizadas. Entre os funcionários, John Sinner e Terry Condon, com uma banheira de latão cheia de água, passavam algumas correntes, conseguindo um efeito de ondas. Alf Bicknell, motorista particular, sacudia outras correntes. Uma banda de jazz tradicional presente para uma outra sessão foi chamada para tocar. Entre os amigos, Brian Jones brindava com duas taças, enquanto cantava ao lado de Marianne Faithfull, Patti Harrison e Neil Aspinall; Malcom Evans, com um bumbo no peito, típico de banda de coreto; e até George Martin e Geoff Emerick, todos participando do coro "We all live in a yellow submarine", juntos com Paul, John, George e Ringo. Sonoplastias de John e Paul incluem uma caixa de papelão com carvão mineral sendo sacudido; John com um canudinho soprando em uma bacia cheia d'água; em outro take, John e Paul estão dentro da câmara de eco (sim, um quarto servia como câmara de eco) localizado atrás do estúdio 2, com a porta aberta, gritando de forma intercalada coisas como "Full stern ahead Mr. Bosun" entre outras, sendo gravado por um microfone localizado no estúdio 2. Realmente uma sessão nada ortodoxa e uma das mais divertidas na memória da maioria daqueles que participaram. Acabou sendo o primeiro nº 1 de Ringo Starr.

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Mas a canção que quebrou o gelo entre os artistas e a equipe técnica foi "Tomorrow Never Knows", que foi justamente a primeira gravada no álbum. A canção nasceu como um rock de uma nota só, toda em Dó, resultante da admiração de Lennon pela música indiana, que normalmente não contém modulações. George Martin, ao ouvi-la no violão, não conseguiu entender muito bem a proposta. Ao mesmo tempo, já aprendera a confiar que sua dupla de compositores saberia o que fazer e como transformar a idéia crua que ele acabara de ouvir em uma composição viável.

A letra fala sobre meditação e seu papel em transcender os estados de acordar, dormir e sonhar. Qualquer guru te explica que a mente está constantemente acordada embora você possa "desligar sua mente, relaxar" (turn off your mind, relax), como sugere a primeira frase da letra. O ponto de inspiração veio para Lennon após ler o livro "The Psychedelic Experience", escrito por Timothy Leary, amigo de Lennon, que por sua vez foi inspirado pelo livro "The Tibetan Book Of The Dead".

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Começaram então a gravar a base rítmica. A bateria de Ringo, que tem um som distinto de tudo que ele havia feito antes, soou daquele modo graças à mente aberta de todos para experiências. Geoff Emerick colocou o microfone extremamente próximo do surdo e encheu o bumbo com quatro sweaters de lã, que os quatro beatles tinham usado para uma sessão de fotos dentro do estúdio e deixaram largados em um canto. Ninguém nunca havia abafado o bumbo antes, e o truque, como o som, foi repetido por todo o LP, como também para o álbum seguinte. O som do bumbo passou então por um limitador e compressor. Em tempo, o truque do bumbo abafado, embora às vezes ainda utilizado, já é coisa antiga e hoje muitos bateristas preferem tocar sem a pele externa do bumbo.

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Influenciado por apresentações avant garde de Stockhausen e John Cage a que havia assistido, Paul McCartney passou a gostar de brincar com loops. O que é um loop? Todo gravador tem um cabeçote (um aparelhinho) que desgrava a fita magnética antes de a cabeça (outro aparelhinho com função oposta) passar a gravar o som desejado. Retirando o cabeçote que desgrava, você pode gravar sobre uma fita sem desgravar o que havia embaixo, gravando assim, som sobre som. Fazendo isto em uma pequena porção de fita ciclicamente, você satura a mesma e cria um loop. Paul chegou no estúdio com um saco cheio de pequenos rolos de fitas com loops variados que ele havia feito em casa. Sugerida a idéia, George e Ringo também apareceram, cada um com um rolo para contribuir. O som que parece vagamente uma gaivota é na verdade uma guitarra distorcida em loop. Outros sons usados são taças de vinho, um relógio gravado em rotação lenta e guitarras com rotação acelerada.

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A voz de John foi conseguida através de uma caixa Leslie dentro de um órgão Hammond. Uma caixa Leslie, por definição, é uma caixa acústica com um alto falante giratório, o que dá ao órgão um som "ondulado". A idéia nasceu da sugestão de John querer soar como um monge cantando do alto de uma montanha. George Martin pôs-se a pensar em como conseguir o efeito de voz distante, uma vez que simplesmente usar eco e reverberação não daria a dimensão desejada. Foi novamente Geoff Emerick quem teve a idéia de usar a caixa Leslie. O técnico Ken Townshend foi convocado para mexer na fiação do órgão com a caixa Leslie embutida e o som de voz conseguido foi extraordinário. O título da canção, Tomorrow Never Knows, veio de uma frase de Ringo.

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Se "Rubber Soul" é o primeiro álbum dos Beatles a ser visto pela banda como uma obra artística hermética, "Revolver" dá o próximo passo, que é abrir a gama de assuntos dentro de uma obra. Até 1965, a dupla Lennon e McCartney respeitara as três regras básicas de sucesso na música. Estas regras sugerem que toda canção deva ter o amor como tema, nunca mais de três minutos de duração e um arranjo simples que possa ser executado nas turnês. Agora, Lennon & McCartney parecem querer se divertir quebrando estas regras em um só álbum, enquanto mantém seu sucesso comercial incólume. Ainda assim, as canções se mostram acessíveis, como comprovam os sucessos de "Eleanor Rigby" e "Yellow Submarine". Ambas composições chegaram a nº 1 e ambas tinham sido excluídas do repertório de shows.

Se formos verificar, perceberemos que "Ticket To Ride", da trilha sonora Help!, é a primeira canção dos Beatles com duração acima dos três minutos, audácia repetida no álbum Rubber Soul com "You Won't See Me". Agora, em Revolver, temos duas canções quebrando este tabu, "Love You To", de George e "Tomorrow Never Knows", de John.

A primeira tentativa de fugir da temática "amor" foi com a canção "Nowhere Man", de John Lennon, incluída no álbum anterior, Rubber Soul. Durante as sessões de Revolver, esta intenção fica mais clara em diversas composições, começando por "Paperback Writer", de Paul e "Rain", de John, que acabariam fora do álbum, lançadas em compacto. "Paperback Writer" seria o primeiro compacto dos Beatles com uma canção não falando de amor a chegar a nº 1 nas paradas mundiais. Sonoramente distintas do material lançado pela banda até então, a bateria e principalmente o baixo estão gravados e mixados de forma que se perceba a execução com maior clareza de detalhe. É difícil imaginá-los encaixados em qualquer outro álbum, exceto o Revolver.

Mais do que qualquer outro disco, Revolver tem em sua temática referências girando em torno de entorpecentes, mormente LSD. Por exemplo, "Dr. Robert" é sobre o médico americano Dr. Robert Freymann, que tinha um consultório em Manhattan, no Upper East Side, na rua 78, praticamente ao lado da residência de Jacqueline Onassis. Ela, como muitos outros ricos, vez por outra passava lá para tomar uma injeção de vitaminas. A injeção continha B12 e anfetaminas, que não eram proibidos então. Logo, muitos da elite artística se tornariam clientes.

"Got To Get You Into My Life" é Paul falando de sua paixão por maconha. A notável quantidade de instrumentos de sopro provém da eterna admiração dos Beatles pelo som da gravadora Motown. Em "For No One" o destaque fica por conta do solo de trompa de Alan Civil, que Paul escreveu (com o auxílio de George Martin) propositadamente com uma nota acima do alcance do instrumento, apostando que Civil seria (e foi) capaz de alcançá-la.

As duas últimas músicas gravadas do disco foram "Here, There And Everywhere" e "She Said, She Said". Na primeira, Paul e sua namorada Jane Asher estavam passando por uma fase difícil, com constantes desentendimentos. "For No One", escrita no meio deste período de crise, explora sutilmente o assunto. Já "Here, There And Everywhere" nasceu com o casal fazendo as pazes. Devidamente inspirado, Paul escreveu, à beira da piscina da casa de John, o que veio a ser considerado por muitos como sua melhor balada de amor. O poema, escrito em torno dos três advérbios de seu título, teve sua parte musical influenciada pela canção dos Beach Boys, "God Only Knows", do então recém-lançado álbum Pet Sounds, que ele e Lennon ouviam neste dia. Paul conta que procurou cantar imitando o estilo de Marianne Faithfull, pensando nela como pessoa ideal para cantá-la. A faixa, gravada em três dias, tem no arranjo de vozes concebido por George Martin um de seus maiores trunfos. Embora simples, o arranjo de vozes enriquece a canção, acompanhado de violão e baixo, ambos tocados por Paul e mais a bateria escovada de Ringo.

"She Said, She Said" nasceu de uma frase de Peter Fonda, "I know what it's like to be dead" (eu sei como é estar morto) dita a George Harrison em uma festa em Los Angeles. Além dos demais beatles e de Fonda, estavam Neil Aspinall, Mal Evans, Roger McGuinn e David Crosby, além do jornalista Don Short. Todos viajando em ácido, menos Neil, que ficara encarregado de distrair o jornalista. A frase surgiu porque George, caçula da turma e inexperiente, começou a temer morrer em meio a sua viagem. Peter Fonda, mais vivido, procurou acalmá-lo, pedindo que ele relaxasse. Peter prosseguiu contando que sabia como é estar morto pois, quando criança, deu um tiro em si mesmo no estômago e perdera tanto sangue que seu coração parou três vezes na mesa de operação. John passava e apenas ouviu a frase "eu sei como é estar morto" (I know what it's like to be dead), retrucando imediatamente "quem colocou esta merda na sua cabeça? Você me faz sentir como se eu nunca tivesse nascido" (Who put all that shit in your head? You're making me feel like I never been born.). Variações destas frases encontram lugar na canção.

Originalmente chamada de "He Said, He Said", a canção foi literalmente a última a ser gravada, em um dia marcado para mixagens. À noite, os Beatles passaram horas ensaiando. John e Paul se desentenderam e a discussão acabou culminando com Paul indo para casa. Assim sendo, esta é a única canção dos Beatles que não tem a participação de Paul McCartney. George Harrison assumiu o baixo e as bases foram gravadas em três takes. Voz e backing vocals de John e George obrigaram à redução de canais, e John aproveitando para colocar uma segunda guitarra e um órgão. As mixagens ficaram para o dia seguinte.

Foi a partir deste disco que os Beatles começaram a participar das mixagens de suas músicas, coisa que até então não era uma preocupação dos artistas. Um detalhe pouco lembrado é que todos os discos dos Beatles são mixados em mono para o mercado inglês. As mixagens em estéreo de todo o catálogo só foram feitas a partir de 1969.

A capa do disco, um desenho e colagem do velho amigo Klaus Voorman, mostra como os Beatles estão cada vez mais interessados em ter controle sobre sua música e imagem. Voorman fez cinco desenhos diferentes, dos quais escolheu um para oferecer aos rapazes, que ficaram muito satisfeitos com a concepção. Em março de 1966, um repórter da revista "Rave", entrevistando Pau, ouviu dele a seguinte declaração: "Estamos todos interessados em muitas coisas que antes não nos haviam chamado a atenção. Eu tenho milhões de idéias novas".

Este disco comprova a declaração.

Revolver
Lançamento no dia 5 de agosto de 1966

1. Taxman (Harrison)
2. Eleanor Rigby (Lennon/McCartney)
3. I'm Only Sleeping (Lennon/McCartney)
4. Love You To (Harrison)
5. Here, There and Everywhere (Lennon/McCartney)
6. Yellow Submarine (Lennon/McCartney)
7. She Said, She Said (Lennon/McCartney)
8. Good Day Sunshine (Lennon/McCartney)
9. And Your Bird Can Sing (Lennon/McCartney)
10. For No One (Lennon/McCartney)
11. Doctor Robert (Lennon/McCartney)
12. I Want to Tell You (Harrison)
13. Got to Get You Into My Life (Lennon/McCartney)
14. Tomorrow Never Knows (Lennon/McCartney)

Produtor: George Martin
Engenheiro de Som: Geoff Emerick

The Beatles
Paul McCartney - Baixo, guitarra, efeitos sonoros, vocais
John Lennon - Guitarra, organ, marimba, efeitos sonoros, pandeiros, vocais
George Harrison - Guitarra, baixo, sitar, efeitos sonoros, pandeiros, vocais
Ringo Starr - Bateria, pandeiros, vocais

Outros Músicos:
Eleanor Rigby:
Jurgen Hess - Violino
Tony Gilbert - Violino
Sidney Sax - Violino
John Sharpe - Violino
Stephen Shingles - Viola
John Underwood - Viola
Derrick Simpson - Cello
Norman Jones - Cello

Love You To:
Anvil Bhagwat - Tabla

Yellow Submarine:
George Martin - Órgão, piano, backing vocals
Geoff Emerick - backing vocals
Mal Evans - backing vocals, bumbo
Neil Aspinall - backing vocals
Patti Harrison - backing vocals
Brian Jones - backing vocals, efeitos sonoros
Marianne Faithful - backing vocals

For No One:
Alan Civil - Trompa
Got To Get You Into My Life:
Peter Coe - Sax Tenor
Eddie "Tan Tan" Thornton - Trompete
Alan Branscombe - Sax Tenor
Les Conlon - Trompete
Ian Hammer - Trompete

Peter Coe e Eddie Thornton foram gentilmente cedidos pela banda Georgie Fame & The Blue Flames

Fonte:
Agradeço as pesquisas encontradas nos seguintes livros:
The Beatles Recording Sessions, de Mark Lewisohn
A Hard Day's Write, de Steve Turner
All Together Now, de Harry Castleman e Walter Podrazik
Paul McCartney Many Years From Now, de Barry Miles
The Beatles Anthology, de Paul McCartney, George Harrison, Ringo Starr, John e Yoko Ono Lennon

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