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Kurt Cobain: um artista plástico que se eternizou como músico

Por Rodrigo Contrera
Postado em 30 de junho de 2017

Nirvana - Mais Novidades

Hoje mesmo, o Igor Miranda publicou uma pequena nota sobre o uso de duas artes do Kurt Cobain numa exposição de arte em Seattle, uma das quais foi usada na capa de um disco do Nirvana. Foi uma coincidência feliz, essa, porque há bastante tempo quero publicar algo sobre esse aspecto, por alguns considerado menor, na obra do Kurt. Um aspecto que para mim é fundamental para entendê-lo, para entender seu universo artístico e para entender o universo grunge. Porque, muito embora seja necessário distinguir o que é o Kurt daquilo que é o grunge, aquele tipo de demonstração artística em minha visão determina em grande parte o papel do grunge no quesito utilização de influências, recriação delas de outra forma, e estabelecimento de um novo paradigma comportamental para o rock.

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Aviso

Filipetas para convites

Sei que esse tipo de linguajar pode parecer estranho e mesmo chato, aqui, neste site, mas o fato é que sou um estudioso de arte, bastante sério, e que considero que a gente precisa ter um olhar mais elevado para tentar entender alguns outros fenômenos (como o próprio surgimento do grunge enquanto movimento, para além da música, e aquilo que ele representa para toda uma geração).

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Explicação

Tentarei não ser excessivamente prolixo neste artigo. Mas abordarei alguns tópicos que ficam claros quando a gente vê as artes que o Kurt criava e quando a gente se mete a refletir sobre elas para entender o rock, o rock do Nirvana e a geração da qual o Kurt fez parte. Tentarei não avançar muito em questões pessoais minhas neste post, no entanto. A questão é tentarmos entender o grunge, mais do que como uma expressão musical, como uma expressão artística e comportamental de gente que, apesar das diferenças, tinha entre si algumas coisas em comum. Porque não considero que o termo grunge tenha sido apenas uma forma pela qual a indústria deu um nome a algo que não era único.

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Fontes

Utilizo para trabalhar as imagens que irei apresentar o livro Coban Unseen, do Charles Cross, biógrafo mais conhecido do cara, que comprei há alguns anos e que tem em si algumas peças históricas sobre o Kurt que ficaram para marcar história. Comentarei algo sobre os vídeos do Nirvana, também, e outro tanto sobre algumas peças artísticas que o Kurt se dispôs a fazer, sabendo bem que ele nunca se considerou claramente um artista plástico. Mas ele nunca desmereceu, apesar disso, o valor da arte como expressão de seus dilemas e dores. Farei algumas remissões a trabalhos de outros artistas e me remeterei de leve à biografia tão famosa que o Cross fez do Kurt (Heavier than Heaven).

Kurt criança

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O livro que uso como referência iconográfica apresenta fotos, e muitos recursos gráficos da época em que Kurt era garoto. Tem até uma reprodução de um certificado de participação numa mostra de artes por Kurt em 1985 (um dos poucos certificados que ele conseguiu, e de que se orgulhava - ao menos quando garoto). De fato, embora eu tenha lido a biografia do Kurt há bastante tempo, lembro-me claramente que, se há alguma coisa em sua infância que ele considerava importante, eram suas primeiras iniciativas artísticas, seus desenhos (o livro mostra trabalhos de seus treze anos), e seu certificação de participação. Porque o Kurt, assim como aconteceu comigo, meio que calhou sentir-se destruído ao ter de abandonar os pais (ou ser abandonado por eles), ao ter de seguir seu caminho (sentindo-se mal o tempo todo), e ao ter de abrir seu espaço no mundo a fórceps. Mas algo restara de tudo. Um carinho pela sua queda ao meio artístico.

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Cross conta, no livro fartamente ilustrado, que Kurt também gostava entusiasticamente apenas de suas aulas de arte, no colegial (hoje ensino médio). Foi com base nesse entusiasmo que um professor motivou-o a participar daquele concurso, com uma paisagem. Um aspecto aqui também é curioso. Ao comentar sua participação naquele concurso (que ele não venceu), Kurt falava como se tivesse ganho, e vários colegas se lembram de seu ilimitado entusiasmo (como se tivesse ganho a maior quantidade de dinheiro). Ou seja, aquilo realmente o animava. Foi também nessa época que ele se envolveu com os Melvins, chegando a pintar os rostos dos personagens do Kiss em sua van, chamada de Mel-van. Estão lá o Gene, o Paul, o Eric, em suma, todos os membros do Kiss na van. Pintada por nada menos que o Kurt adolescente.

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A Mel-van

Mudança

Quando Kurt saiu de Seattle, e se meteu em outras cidades, tentando fazer sua banda vingar, já havia se metido com demonstrações artísticas nos meios que lhe eram permitidos. Sua forma de se expressar artisticamente também evoluíra dramaticamente. Pois naquele concurso ele desenhara uma paisagem, não o que ele queria. E na van dos Melvins ele simplesmente reproduzira os caras do Kiss. Ocorria que, quando se sentia à vontade é que realmente dava vazão às suas influências. Como num desenho com lápis feito para retratar punk rockers, influenciado pelo American Gothic, de Grant Wood. É ali que podemos ver melhor o seu traço, o uso da cor, o trato de figuras com carne, em suma, alguns aspectos que depois iriam vir à tona em diversas outras demonstrações.

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A fixação do Kurt por bonecas e bonecos

Kurt gostava de bonecos. Esses bonecos passavam uma impressão que depois ele iria transmutar em outras obras. Ele gostava de bonecos como do Freddy Krueger, por exemplo, bonecos que reproduziam atores da tv (como o de Shaun Cassidy), bonecas, e cabeças delas. Isso sem contar diversas outras peças do tipo. Com o tempo, ele iria passar a fazer montagens de bonecos desses com monstros, superheróis, fotos de celebridades e de animais, assim como de imagens remetendo a carne, a pedaços de carne, a intestinos, e coisas assim. Nessa necessidade de lidar com figuras já prontas (bonecas, por exemplo), ele as tirava do contexto, cortava suas cabeças, vazava seus olhos, em suma, as transformava em coisas bem diferente do que eram no original.

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Conexões artísticas

Arte do Kurt

Arte do Kurt

Eu teria de dedicar muito mais tempo do que este para conectar as imagens do Kurt nessa época a influências artísticas mais conhecidas. Mas já dá para dizer que o Kurt dialogava artisticamente com as obras de diversos outros artistas (ou escolas). Por exemplo, são várias as fotos em que o Kurt aparece ladeado com imagens de O Grito, de Munch. Pois, embora eu não possa argumentar que ele realmente foi influenciado pelo pintor expressionista, dá para dizer que a ideia de algo contido que precisa sair (ou seja, de algo a ser expresso) tem bastante a ver com o que ele já produzia. Por outro lado, a remissão à carne dá para conectá-lo de forma bastante direta ao pintor de origem irlandesa Francis Bacon, quem sabe o último dos grandes figurativistas. Mas em Kurt a remissão à carne não é por meio de pintura. É pela própria apresentação da carne, como veremos a seguir. Como se tudo fosse algo carne viva. É também recorrente a apresentação das figuras sob forma de boneco com suas tripas à mostra, por baixo do esqueleto (alguém se lembra do CD In Utero?).

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Francis Bacon

No Brasil, um artista que dialoga diretamente com Kurt é Farnese de Andrade. Conhecido por esculturas que ele fazia com cabeças, troncos ou mesmo corpos de bonecas, que às vezes queimava, e que colocava em altares religiosos, Farnese era homossexual e tinha uma formação bastante rigorosa, assim como uma criação católica que havia lhe deixado marcas profundas de culpa. Pois Farnese não se aproxima do Kurt apenas pelo uso de cabeças ou corpos de bonecas, com os olhos vazamos. O Kurt também era muito fixado na imagem do crucifixo, carregando um para onde quer que fosse, e se deixando fotografar com ele, assim como colocando-o numa primeira camada nas fotografias que tirava.

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Farnese de Andrade

Mais Farnese

Pois havia algo no universo cristão que perseguia Kurt. E algo de culpa que deveria comê-lo por dentro. Nesses dois aspectos, Kurt e Farnese poderiam ser vizinhos de sala em qualquer exposição.

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As influências nas capas e vídeos mais conhecidos

In Utero

Instalação a partir da arte do CD

A gente consegue identificar essas influências já citadas em diversas capas do Nirvana (claro que existem outros fatores, mas restrinjo-me a estes). Deixemos um pouco Nevermind de lado - um disco com uma capa memorável, mas que dialoga com outro aspecto do universo do grunge, sua mensagem. Vemos a remissão ao corpo humano, e a questões religiosas, claramente em In Utero, por exemplo. Vemos uma imagem humana, com as tripas à mostra, e asas de anjo. Vemos um fundo com uma cor ou textura bastante representativa.

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Incesticide

Bleach

Mas há algo coerente também nos vídeos. Como em Smells Like Teen Spirit, em que as cores parecem sujas, em que as lembranças de quando ele foi faxineiro em sua escola são recorrentes, e em que as imagens parecem assumir movimentos estranhos, de descontrole, de rebeldia para além de uma explicação racional. Come as You Are também é bastante interessante, porque vemos uma arma, cores chapadas, o visual de vestimenta do Kurt, tal como ele gostava (e que virou marca do grunge), em suma, vemos algo distanciado de como o rock era até então representado. Já em Heart-Shaped Box, uma música que musicalmente eu considero mais fraca, a pegada é então ainda mais profunda. Nunca antes haviam sido apresentadas imagens como aquela, um Jesus idoso, magrinho, esquálido, com boné de Papai Noel, e aquelas cores. Que cores. Aqueles vermelhos que pareciam nos invadir a alma. Flores que pareciam nos machucar. Uma expressão artística de primeiro nível, com toda certeza.

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Vídeos:

Smells like teen spirit

Come as you are

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Heart-Shaped Box

Uma sutileza marcante
Mas a expressão artística de Kurt não se limitava a coisas tão dolorosas que parecemos mal conseguir digerir. Ela também ocorria em presentes que ele dava a pessoas queridas, a broches que ele criava com imagens que ele cavoucava nas suas coisas. Em suma, havia também uma emoção suave e muito bonita, sempre contida, em algumas coisas que ele criava. Se bem que por detrás delas havia um ser muito sofrido, que tentava de alguma forma se expressar, mas que, quando não o conseguia, apelava para demonstrações de violência ou sarcasmo que não pareciam poupar ninguém.

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Broche do Kurt

Artigo original, que é reproduzido no livro

Lembro-me de que num filme sobre o último dia do Kurt falou-se sobre a palavra empatia. Como se fosse isso que ele no fundo queria. Pois bem, era um contato que ele no fundo queria estabelecer com suas criações. Por meio de figuras macabras, que pareciam conectar o inferno de estar aqui, vivo, com a idealização de ir para algum lugar.

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In Bloom

Fiz aqui então uma breve passagem por alguns dos materiais artísticos criados em vida pelo músico e artista Kurt Cobain, e que tanto dialogam com a mensagem que o movimento grunge deixou entre nós. Um movimento que para alguns continua, mas que para outros já se foi. Seja qual for a verdade disso tudo, a arte e o amor ficam para sempre.

Até mais.

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Comente: Conhecia este lado artístico do Kurt Cobain?

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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