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Billy Childish

Por Ana D.M.
Postado em 25 de junho de 2006

Originalmente publicada no site Dying Days

Batizado William Charlie Hamper (também há em alguns lugares a citação de Steven John Hamper), Billy Childish nasceu em 1959 em Chatham, Kent, uma cidade naval caindo aos pedaços perto do Rio Medway, ao Sudeste de Londres, onde mora até hoje. Seu apelido foi dado por um amigo, "Button-nose Steve" (algo como "Steve nariz-de-batata") na época em que editava um fanzine punk. Tornou-se uma figura "cult" nos EUA, Europa e Japão por ser considerado um dos artistas que mais produziram (de fato, o que mais produziu) obras na sua geração, que incluem (pelo registro até o momento) cerca de 2000 pinturas, desenhos e gravuras, 30 coleções de poesia, 4 romances e uma série de bandas, estimando-se no total perto de 100 LPs gravados.

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Seu pai era um artista comercial com pretensões de grandiosidade, filho de um mercador. Emocionalmente instável e gastador, ele abandonou a família quando Childish tinha apenas 6 anos, mas retornava periodicamente à casa em que eles moravam, bêbado.

Essa figura do pai acompanhou Childish pela vida inteira. Outra figura marcante na história dele foi o amigo da família que abusou sexualmente dele quando ele tinha 9 anos, durante as férias em Seasalter, fato que freqüentemente é lembrado como a raiz de sentimentos de culpa, vergonha, confusão sobre a própria sexualidade e uma das causas de seu posterior alcoolismo (de fato, apenas há alguns anos atrás o tema começou a ser abordado através de sua poesia e música, inclusive com um disco chamado "Paedophile", cuja capa seria uma foto antiga do "amigo" em questão).

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"Paedophile" acabou como faixa dos Headcoats (álbum: Thee Headcoats - The Sound of the Baskervilles)

Abandonou o ensino secundário aos 16 anos, por odiar aquilo, por ser freqüentemente maltratado por colegas e chamado de incapaz pelos professores (anos mais tarde, foi diagnosticado disléxico). Então, tentou matricular-se na escola de artes local, mas foi recusado, e acabou arranjando emprego como aprendiz de pedreiro nas docas de Chatham. Ficou lá por menos de um ano, e durante esse tempo trabalhou em alguns (uns 600) desenhos que chamou de "the tea huts of hell" ("barracas de chá do inferno"). Com eles, conseguiu ser aceito na Escola de Artes de Medway, e depois na de Saint Martin, em Londres. De lá, foi expulso por faltas e por discutir com os professores. Durante todo esse período (e por mais ou menos 12 anos a partir daí) viveu principalmente de seguro-desemprego.

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Enquadrou-se na cena do punk rock em 1977, imprimindo fanzines de cópia única, alguns com poesia e letras de músicas, e formou a primeira de uma série de bandas, The Pop Rivets ("The Pop Rivits"), como vocalista (já que não sabia tocar nada), junto com outros fãs de blues e rock'n'roll da década de 50. Em 1978, os fanzines passaram a ser impressos como coleções de poesia, e em 1979 Billy começou a trabalhar com Sexton Ming numa banda chamada Major Dog and the Gissyoms e na gráfica Phyroid. Em 1980, os Pop Rivets se separaram.

Desde então, Childish tocou com várias bandas, incluindo Thee Milkshakes, Thee Mighty Caesars e Thee Headcoats, mas nunca se distanciou muito da linha que havia seguido com os Pop Rivets: apontado como o padrinho do rock'n'roll Lo-Fi, a música já foi descrita como soando "como se Billy quisesse terminar logo para passar para a próxima" e ainda como alta, retrô, básica, um revival de punk e Rythm'n'Blues que consiste simplesmente em tocar os mesmos 3 acordes umas 500 vezes seguidas. Fórmula que parece ter funcionado. As bandas de Childish se tornaram conhecidas, qualquer uma delas, por serem capazes de terminar um disco inteiro em poucos dias, sendo que Thee Milkshakes chegou a gravar quatro LP’s em um único dia porque falaram para eles que tinham lançado discos demais e isso era suicídio comercial.

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Durante o início da década de 80 Billy fundou sua própria editora, Hangman Books & Records, e se juntou a um grupo conhecido como os Medway Poets, que liam poesia informalmente em faculdades e bares. Era, então, descrito como uma pessoa imprevisível, de trabalho altamente confessional, que não se importava com a opinião dos outros exatamente porque sua inspiração era a sua própria vida. Sua poesia e seus romances (e tudo o mais que ele faz) ainda são autobiográficos, mantendo constantes as características de impulsividade e de serem publicados exatamente como ele os escreve (ele é disléxico, lembra?).

Em paralelo, sua pintura é elaborada demais para ser chamada de leiga ou primitiva, mas é de estilo simples e não parece ser destinada a ninguém além dele mesmo, consistindo de retratos de si e de amigos (principalmente das ex-namoradas Tracey e Kyra). Os quadros não estão em galeria alguma, apesar de já terem sido exibidos em alguns locais na Europa, sendo negociados e vendidos pelo próprio autor ou pessoas próximas a ele.

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Foi alcoólatra e suicida (queimava-se com cigarros e se cortava com giletes "só para ver se ainda saía sangue") durante mais de 10 anos (apesar de beber desde os 12, parou perto dos 30) e durante esse período desenvolveu uma obsessão meio mórbida pelos assassinos Ian Brady and Myra Hindley. Foi também nessa época que conheceu Tracy ("Tracey") Emin, que passou a administrar a Hangman pouco depois, e ficou por lá até 85. Tracy havia abandonado a escola aos 13 anos, passando por um período de "grande promiscuidade" (como descreveu), e quando conheceu Childish, tinha 18 anos e estudava Moda em Medway. Vendia os livros de poesia dele enquanto ele lia poesia em público, e os dois gastavam o dinheiro em bebida. Depois, influenciada por ele, passou a escrever e pintar também. Essa influência tornou-se tão forte que era difícil separar nesse período quem havia feito o quê.

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Tracy era uma personalidade carente de atenção e o casal freqüentemente protagonizava "shows", aparecendo publica-mente com "marcas de afeto" (como orelhas mordidas sangrando), brigas e alfine-tadas, e até hoje não é possível entender o relacionamento dos dois.

Em 1986 eles se separaram e Tracy Emin se tornou uma artista premiada na Inglaterra, sendo que sua inspiração baseada na própria vida (sua promiscuidade, seu aborto, etc.), embora ela negue, é sem dúvida influência do ex.

Aparentemente, Childish ainda se ressente por ela, reclamando de não ser reconhecido por seu crédito em torná-la uma artista, dizendo em seus trabalhos e entrevistas o quanto ainda se importa com ela e como incomoda vê-la envolvida com uma arte que "é lixo" e suas aparições na mídia.

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Em 1999, Childish fundou com Charles Thomson - um dos poetas de Medway - o movimento Stuckista, como um grupo de arte defendendo a pintura. O Stuckismo, resumindo as posições dos documentos (escritos por Childish) que o grupo publicou, opõe-se à arte contemporânea/ pós-modernista (conceitual, minimalista, acadêmica, de performance e trabalhos com animais mortos como os de Damien Hirst). Apesar de ser mais para ridicularizar os ditos trabalhos de vanguarda dos artistas britânicos, ele aborda em seus manifestos alguns pontos sérios, como a "busca pela autenticidade", negar-se a ser "ofuscado pelo brilho dos prêmios", a "exploração da própria inocência e das próprias neuroses" pelo artista, a necessidade da arte como forma de comunicação e justamente por isso a oposição à forma como ela atualmente é escravizada pelo mercado. No entanto, novamente, o nome dos Stuckistas é tirado de um poema de Tracy Emin (em que ela acusava Childish de estar empacado - 'stuck' - em tudo o que faz: na sua música tosca, na sua pintura de poucos temas, na sua casa em Chatham), e volta e meia percebe-se alguma alfinetada endereçada a ela nos seus documentos Stuckistas.

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Ainda assim, são assuntos importantes os que foram abordados, especialmente em relação à mídia, se formos enxergar além dessa abordagem dos escritos como "resultado de ciuminhos".

A Hangman, desde a sua fundação, passou a imprimir panfletos e livros de uma variedade de autores, mantendo-se de torma independente. Kyra DeCorninck, outra namorada e mãe de seu filho, assumiu a editora depois da separação de Tracy e Childish, ficando nesse posto até 2000, quando Julie Hamper assumiu.

O trabalho de Childish passou a ser mencionado por artistas mais conhecidos; Kurt Cobain recomendava Thee Mighty Caesars, Kylie Minongue apareceu com um de seus livros de poesia (e colocou seu nome em um de seus discos, "Poems to Break the Harts - SIC - of Impossible Princesses") e Jack White apareceu na TV com o nome de Billy no antebraço, porque a BBC não tinha deixado que ele colocasse Childish pintando no palco enquanto eles faziam o show. Com essas citações todas, a banda mais recente de Childish, Thee Buff Mudways (ou "The Friends Of The Buff Medway Fanciers Association") assinou com a Transcopic Records (de Graham Coxon).

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O que se pode tirar dessa história e para entender o trabalho de Childish é mais ou menos o que diz Eugene Doyen, seu ex-colega: "durante toda sua vida as pessoas tentaram convencê-lo de que ele era um único tipo de pessoa: um idiota. Sempre disseram a ele que ele era ruim, que nunca iria acrescentar nada a nada. Mas ao invés de acatar aquilo que queriam dele, era sempre um caso de 'vá se foder, eu vou fazer o que eu quero fazer'."

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