Luiz Caldas: zumbis e Heavy Metal no show Maldição
Resenha - Luiz Caldas; Show Maldição (Concha Acústica, Salvador, 18/09/2010)
Por Jefferson Reis - Infeto
Postado em 01 de outubro de 2010
Luiz Caldas, músico baiano considerado por muitos o criador do Axé Music, e responsável por hits como "Nêga do Cabelo Duro" e "Tieta", anunciou alguns meses atrás a ambiciosa gravação de uma série de 10 discos, abordando diversos estilos de música, inclusive o rock. Leia mais sobre o projeto no link abaixo.
Recebemos o curioso relato a seguir, de Jefferson Reis, sobre o show de Heavy Metal do projeto, realizado no dia 18 de setembro em Salvador.
Moro na Bahia, logo, contudo, todavia, não posso dizer que já fui a literais grandes shows de rock. Exceto pelo maravilhoso evento que aconteceu no dia 18 de setembro de 2010, na Concha Acústica do TCA, para o lançamento do amaldiçoado trabalho do multi-instrumentista Luiz Caldas. Corujas, morcegos, gritos, grilos, sussurros, sons de uma noite macabra, tumbas, sepulturas, lápides, epitáfios, altares, esqueletos, forca, estátuas góticas, vegetação morta, um corcunda servo de um zumbi, pirata, almas penadas, coveiro, penumbra, fumaça, cruzes enormes, o chão do palco coberto por folhas secas e um verdadeiro espetáculos de luzes compõem o cenário ousadíssimo, inovador e único nos palcos baianos. Coisa semelhante, somente em peças teatrais caras e óperas. Portanto todo o aparato de cenário e iluminação e o set de guitarras de Luiz não deixaram absolutamente nada a desejar e muito menos a pagar pau para os tão famigerados gringos.
O anúncio da entrada do Zumbi Rei (Luiz Caldas), totalmente encarnado, usando maquiagem que causava aparência pútrida em seu rosto, coturnos e terno de século passado, foi feita por sons de um filme de terror e uma passeata de mortos adentrando vagamente ao palco. Um corcunda muito bem caracterizado, assim como, todos os outros personagens do show, foi o servo de Luiz durante toda a noite lhe empunhado sua destruidora guitarra para o início da Maldição, passando as páginas da bíblia maldita, uma espécie de (Necronomicon) após cada música, para que o mestre pudesse executar sua próxima obra maldita e recolhendo seu instrumento ao fim do espetáculo.
O show começou com um atraso de mais de meia hora, após todo o ato que antecedeu a entrada da banda foram deflagrados os acordes de "Maldição", a principal música de trabalho do álbum "Castelo de Gelo" e que intitula o espetáculo, mas a voz de Luiz não funcionava e depois que começou a funcionar, ficou ruim até o final do espetáculo, com oscilações de efeitos e altura, a banda de apoio que também estava devidamente caracterizada, deixou a desejar nos quesitos entrosamento - o que é comum em bandas de apoio - e execução técnica de seus instrumentos, mas todos esses problemas foram camuflados pela estrela da noite que executou seu instrumento com extrema perfeição, fúria, frustração e decepção, pois o maior problema da noite não foi o atraso, a voz, a banda de apoio, e sim o enfadonho e frio público presente no local. Uma platéia formada por patricinhas, amigos em gerais do artista, parentes, perdidos e umas dúzias de quem realmente parecia ter ido para ver o show, sendo assim o que era para ser um puta show de rock - de rock sim senhor -, lotado de headbangers e metaleiros, sem camisas, com suas tatuagens suadas, tomando cerveja, não passou de um público que ocupou pouco mais da metade do centro da Concha e que assistiu todo o espetáculo absolutamente sentados, imóveis em seu locais, como se assistissem num barzinho a um voz e violão, enquanto Luiz esporrava solos quilométricos à lá Van Halen, Pantera, Rush, Megadeth, Ted Nugent etc e executava boas pegadas thrash e bons hardcores como o da música "É Putaria", que dá um tapa na cara do ouvinte, utilizando cada centímetros e todos elementos de seu instrumento de trabalho. Tentei levantar e esboçar uma dança para animar, mas logo gritaram "sai da frente!".
O mais entristecedor e revoltante disso é que a produção estava sendo gravada para um suposto DVD, que certamente só terá imagens do palco e da performance da banda, e que os ingressos foram vendido ao preço de R$10,00, tendo ainda a meia entrada de R$5,00 para estudantes. Isso é terrível, não é de se assustar que ele leve esse espetáculo para a "grigolândia" e lá seja aclamado e ganhe o reconhecimento devido.
O espetáculo teatral que fazia parte do show continuou durante toda a noite, enquanto a banda tocava, pessoas entravam para visitar seus mortos, zumbis requeriam seus corpos, pirata fumava, e no fim épico, todos juntos voltaram ao palco assombroso para a execução, agora perfeita, de "Maldição" que encerrou a noite, enquanto não Luiz, mas o Zumbi por ele encarnado, durante todo o tempo absoluto, desde caracterização à encenação, olhava para sua monstruosa criação, como se pensasse: "Puta que pariu, nessa eu me fudi, é esse o preço a ser pago, por nascer nessa terra desgraçada e querer fazer algo de extrema qualidade, jamais vista... como vou pagar essa porra?". Luiz não exagerou ao dizer que Maldição "Será algo nunca visto antes em shows de rock aqui em Salvador".
O show teve duração de aproximadamente uma hora e meia com um repertório realmente de rock, nada é perfeito (excetuando-se o cenário, iluminação e execução do instrumento por parte do Zumbi Rei), então algumas canções são baladinhas de rock, na qual se aproveita os solos e as letras, mas isso se torna perfeitamente tolerável ao se ouvir outras seis ou oito músicas que são porradas na orelha e os instrumentais contendo solos lisérgicos do criador do Axé Music.
Creio que o problema da platéia tenha cunho cultural mesmo, atrelados ao preconceito e ignorância devido seu histórico e por extrema falta de divulgação do evento, sem busdoors, outdoors, panfletos, rádios etc, apenas ao que tive acesso, foi divulgado pela internet e nem na programação que fica nos outdoors próprios do TCA foi colocado.
Aqui fica então um aviso, que se este espetáculo for sair em turnê, ou seja novamente executado em Salvador, em hipótese alguma, o apreciador de um rock de qualidade deixe de ir. E metaleiros e headbags de merda - eu falei de merda, o povo tem mania de se ofender com tudo, se você se ofendeu com isso, já não é problema meu... - não estou falando para vocês quebrarem seus vinis e cds de rock e fazerem uma tatuagem do Luiz Caldas na bunda, mas simplesmente para aprenderem a valorizar músicos, desse quilate, que estão aqui embaixo de nossos ouvidos, enquanto a maioria esmagadora continua a pagar pau pra gringos. Como disse o próprio Luiz "Não preciso de marketing. Eu sou o inventor da Axé Music. Quem precisa de marketing é produto. E eu sou um artista. Preciso de respeito."
A "Nêga do cabelo duro" e "Tiêta" que me perdoem, mas "Maldição" é de longe o trabalho mais autêntico deste artista como músico.
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