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Chorão, Camelo, as confusões de outros tempos e as confusões de agora

Por João Noé
Postado em 28 de setembro de 2024

A briga entre Alexandre Chorão e Marcelo Camelo completou 20 anos em julho e mereceu até algumas matérias na imprensa. Nós — jornalistas — costumamos amar as efemérides. Sempre que algum episódio marcante faz "aniversário", vem a chance para falar sobre o assunto. Se a data for "redonda" (1, 5, 10, 15, 20 anos...), melhor ainda. Mas isso é o de menos. O fato é que a famosa treta completou duas décadas uns meses atrás.

Para quem não sabe (e peço desculpas por ser impreciso), Chorão e Camelo brigaram em Fortaleza, no aeroporto ou em uma aeronave. Aparentemente, o vocalista do Charlie Brown Jr. estava insatisfeito com o líder do Los Hermanos. Camelo atacara, em uma entrevista, roqueiros que teriam se vendido. Chorão e sua banda haviam participado de um comercial de refrigerantes, o maior deles, aquele que todos nós conhecemos. Quando os dois se encontraram em Fortaleza (no avião ou no aeroporto), o roqueiro skatista deu uma cabeçada em Camelo. O caso foi parar até no Fantástico, da Globo, e, desde então, tornou-se parte do folclore do rock brasileiro.

Los Hermanos - Mais Novidades

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Foto: Reprodução TV Globo - G1
Foto: Reprodução TV Globo - G1

Na época, em 2004, eu estudava jornalismo na Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, no limite entre os bairros de Botafogo e da Urca, no Rio de Janeiro. Ao lado da faculdade, fica o Instituto Philippe Pinel, um hospital psiquiátrico. A própria ECO — contavam alguns professores — ocupava instalações antes destinadas ao tratamento de vítimas dos males da mente, por assim dizer. Eu nunca chequei aquela informação (outra vez, peço desculpas pela minha incompetência enquanto jornalista), mas a tomei como verdadeira. Às vezes, uma lenda é mais importante do que um fato preciso.

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Menciono a ECO e sua proximidade com o hospital psiquiátrico porque aqueles eram, para mim, tempos confusos, mas também promissores. Estávamos na primeira metade do primeiro governo Lula, o Brasil ainda seria escolhido como sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas, alguns anos mais tarde. Ninguém poderia imaginar que, uma década depois, Chorão estaria morto e aquela democracia tida como consolidada iria se revelar frágil, muito frágil... Mas essa é outra história. Naqueles tempos confusos e promissores, eu não tive dúvidas: torcia para o Chorão na peleja.

Entretanto, parecia que eu era uma espécie de minoria na ECO. Havia na faculdade uma aglomeração singular de fãs do Los Hermanos — talvez fosse por lá que eles se reproduzissem, mas eu nunca me dediquei a estudar os hábitos daquela espécie. Sei que, por muito tempo, odiei os admiradores da banda. Acho que me deixava um pouco irritado a reverência quase cega àqueles melancólicos sujeitos de barbas volumosas. Talvez eu rejeitasse a estética, embora hoje também tenha alguma barba no meu rosto.

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Pensando bem, eu não odiava os amantes dos Los Hermanos. Alguns deles eram meus colegas de faculdade, pessoas com as quais eu conversava, sorria e, eventualmente, até escrevia trabalhos das disciplinas que cursávamos. Talvez eles escrevessem mais do que eu; contudo, no fim, assinávamos juntos a autoria das tarefas. Oficialmente, éramos os autores dos trabalhos. Eu não odiava aquelas pessoas. Eu odiava a idolatria delas ao Los Hermanos, um tipo de comportamento semelhante a uma seita, um culto cego e acrítico. Isso é mais comum do que eu imaginava, a história depois me mostrou.

O certo é que, por causa dos fãs, eu não gostava de Los Hermanos. Gostava até de Anna Júlia. E achava hipocrisia que a banda tivesse deixado de tocar a música sem abrir mão dos direitos autorais. Àquela altura, eu não pensava que um artista precisa sobreviver; é óbvio que os caras não tinham de dispensar os recursos financeiros de uma música composta por eles próprios. Só que eu não gostava de Los Hermanos (ou de seus fãs) e preferia o Charlie Brown.

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A banda do Chorão traduzia, para mim, um sentimento de rebeldia, de revolta, de fúria juvenil. Lembro-me de ter ido a um show deles, na Enseada de Botafogo, não muito longe da ECO, mas antes de entrar na faculdade. A banda se apresentou de graça, de frente para a praia, que ficou lotada de roqueiros de camisas pretas se divertindo em rodas na areia. A última música do show era o ápice: um cover com um inglês confuso e raivoso de "Killing in the Name", do Rage Against the Machine! Foda!

O Los Hermanos falava mais de amor, de caras estranhos, de derrotados na vida. Outro dia, um amigo me disse que, nos dias atuais, seria difícil para a banda fazer sucesso. Os temas das músicas não seriam combativos o suficiente para tempos ainda mais confusos do que aquele longínquo 2004, quando Chorão e Camelo brigaram. Pode ser verdade.

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Sei que, por um acaso qualquer, ou, talvez, por conta de algoritmos de aplicativos de música, passei a ouvir Los Hermanos no ano passado. O curioso é que foi na mesma época em que eu também ouvia (descobria e redescobria) algumas músicas do Charlie Brown Jr. Eu acho que fui tomado por um sentimento de nostalgia daqueles tempos de faculdade. Não era bem da faculdade que eu sentia falta, mas da minha juventude, eu acho.

Hoje em dia, ouço bastante Los Hermanos. Creio que gosto dos álbuns "Ventura" e, também, do "Bloco do Eu Sozinho". "Cher Antoine" é um ska bem legal, divertido, que quase "me faz chorar", apesar de ser "feito para rir". O engraçado é que o Charlie Brown Jr. também flertava um pouco com o ska; talvez as duas bandas nem fossem tão diferentes assim. De vez em quando, ainda ouço Charlie Brown. E mais: acho que sou capaz de colocar Los Hermanos e Charlie Brown Jr. em uma mesma playlist! Se essa lista tivesse um nome, talvez fosse "Outros Tempos Confusos". Seria quase uma forma de reconciliação com outros tempos. Há lógicas que "só os loucos sabem".

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Duas décadas depois da famosa cabeçada de Chorão em Camelo, tudo ficou diferente. O Los Hermanos acabou. Já o skatista morreu e, logo depois, Champignon. Penso em como reagiu o Camelo ao saber da morte do antigo desafeto; tenho quase certeza de que aquela briga já não importava muito para ele. Como também não importa para mim. Por mais estranho, louco e confuso que isso possa soar, eu me tornei um fã do Los Hermanos. Mas nunca deixei de ser fã do Charlie Brown Jr. Acho, porém, que não sou devoto de nenhum dos dois. Gosto de imaginar que, hoje, Chorão e Camelo teriam resolvido suas diferenças em nome de uma outra briga maior, muito mais importante.

Chego a elaborar uma hipótese: talvez a treta dos dois fosse mais um produto jornalístico do que uma treta, de fato. Além de cultuar efemérides, a imprensa tem essa mania de, às vezes, criar oposições que não existem.

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Sorte que sou um jornalista confuso.

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