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Guia para ouvir velharia: a diferença entre 1962 e 2012

Por Ricardo Seelig
Fonte: Collectors Room
Postado em 30 de setembro de 2012

Você gosta de música. Eu também. E, sei lá, mas imagino que, assim como eu, você também deve ser uma pessoa curiosa não apenas por novos sons, mas pela história dos estilos e das bandas que curte. Acertei, certo? Então, quero trocar uma ideia aqui, ao pé do ouvido, com você que parece um cara legal, com você que é uma menina esperta, a respeito de algumas coisas.

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A história da música é uma evolução. Aliás, não só a história da música: a história da humanidade é assim. Eu, você, o cara que está aí ao seu lado, o da frente e os que estão ao seu redor, somos hoje pessoas diferentes do que éramos no ano passado, há cinco anos, em nossas adolescências e infâncias. Quanto mais vivemos, mais crescemos e aprendemos com o que encontramos pelo caminho. É o desenvolvimento natural do ser humano. E, por consequência, também da música, uma das mais fortes formas de expressão da humanidade. Entendido isso, certo? Alguma dúvida? Acho que não.

Então, já que estamos de acordo, deixa eu perguntar uma coisa: porque, ao ouvir um disco de uma banda como, digamos, os Beatles, tem gente que ainda levanta dúvidas sobre a qualidade e importância do grupo? Porque, ao ouvir um som do Led Zeppelin gravado em 1971, ainda há dúvidas sobre o que os caras representam? Porque, ao escutar um riff de guitarra do Black Sabbath em um LP lançado em 1975, os mais apressadinhos decretam que aquilo não é, digamos, pesado? Falta alguma coisa na cabeça de quem afirma coisas nessa linha, correto?

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Sim, falta. Falta entender o raciocínio exposto no segundo parágrafo deste texto, e que, vou repetir mais uma vez, vale tanto para a música quanto para a vida. Vamos lá: imagine-se no início da década de 1960. Você consegue fazer isso, certo? O rock não é como é hoje. Ele não soava como soa hoje. Ele era bem diferente - muito e muito, pra falar a verdade. A música pop era outra. O público jovem não havia sido descoberto ainda como público consumidor que gera bilhões. Não havia todo um mercado funcionando ao seu redor. Música jovem era outra coisa. Os Beatles estavam começando a sua carreira. Rock era Elvis. Artistas negros como Chuck Berry e Little Richard, por exemplo, não tocavam nas rádios porque eram, bem, negros - e pior ainda para Richard, que além do preconceito com a cor da pele era um homossexual bastante festivo. Aqui, um parênteses: não preciso nem dizer que a MTV não existia ainda, que as rádios FMs só viriam no futuro e que a internet era coisa de filmes de ficção científica, né? A foto lá no topo deste post é de uma loja de discos da época, só pra você sacar do que estamos falando. Você já entendeu a diferença entre 2012 e 1962, certo?

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Os discos das bandas de rock e pop, direcionados ao público jovem, eram produzidos por profissionais que não falavam a língua das bandas. Produtores com anos de experiência, mas que passaram todos esses anos fazendo álbuns de artistas como Frank Sinatra e Pat Boone. Aliás, nem o conceito de "álbum" como conhecemos hoje existia ainda, já que toda a indústria musical se baseava no lançamento de músicas em singles, e não em discos completos. Os LPs eram, em sua essência, apenas compilações que reuniam os compactos de sucesso lançados por um determinado artista, e não obras artísticas e conceituais como iriam se transformar alguns anos mais tarde. Essa mudança, inclusive, foi uma das inúmeras contribuições e consequências da obra dos Beatles para a música pop (como você é curioso e está sedento por informação, vai pesquisar sobre o impacto do álbum Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band e descobrirá isso).

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Aliás, sabia que os Beatles foram fundamentais também para o desenvolvimento dos equipamentos musicais, já que até o seu surgimento o que existia dava conta da demanda, mas depois, com multidões de fãs histéricas que aplaudiam qualquer coisa que a banda fizesse em cima de um palco o patamar ficou muito mais alto, e os caras tiverem que encomendar amplificadores muito mais potentes para não apenas o público escutar o que eles estavam tocando, mas para eles próprios se ouvirem? Mas esse é assunto para outro dia.

Dessa maneira, dentro de todo esse contexto, as coisas eram, como você já percebeu, muito diferentes do que são hoje. É por esse motivo, por exemplo, que artistas tão díspares quanto Iggy Pop e Ozzy Osbourne endeusam uma canção como "I Want to Hold Your Hand", lançada pelos Beatles em 29 de novembro de 1963. Sabe o motivo disso? Simples: a música trazia, pela primeira vez, um som de guitarra "pesado" em um riff que marcou uma geração. Hoje pode soar inofensivo e até mesmo alegre demais, mas naquela época, no final de 1963, mudou a maneira como a música era feita e causou um impacto gigantesco em milhões de jovens. Isso é um fato, e não uma suposição. Isso é uma verdade, e, como tal, inquestionável.

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Outro exemplo: com horas e horas como músico de estúdio, Jimmy Page viu de perto como era o processo de gravação durante grande parte da década de 1960. Aliás, não preciso nem falar isso, afinal você é uma pessoa curiosa e que gosta de pesquisar sobre os seus ídolos e, portanto, sabe que Page tocou em centenas de gravações de artistas alheios e dos mais variados gêneros durante os anos sessenta. Estima-se que a guitarra de Jimmy Page esteja presente em aproximadamente 60% dos discos gravados na Inglaterra durante a década de 1960. Bastante, não? Ele pode ser ouvido em sons de grupos como The Shadows, The Who, Rolling Stones, The Kinks, Marianne Faithful, Van Morrison, Them, Donovan e dezenas de artistas, isso sem falar do seu trabalho como produtor, que inclui feitos como as primeiras sessões de Eric Clapton com os Bluesbreakers de John Mayall.

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Observando, percebeu, para citar apenas uma de suas conclusões, que o som da bateria era sempre ruim na maioria das gravações, não soando como deveria. Ao formar o Led Zeppelin e contar com um instrumentista excepcional como John Bonham no instrumento, Page aplicou a sua experiência para fazer jus ao monstro por trás das baquetas. Como a bateria é um instrumento acústico, percebeu que o segredo para fazê-la soar como deveria era fazer o som respirar e ressoar no ambiente. Para isso, posicionou microfones espalhados pelo ambiente onde o instrumento era gravado - geralmente lugares amplos - e não próximos aos tambores, como era feito antes. Dessa maneira, o som da bateria de todos os discos do Led Zeppelin - não por acaso, sempre produzidos por Page - tornou-se grandioso e inédito, captando a ambiência que havia ao redor. Essa foi só uma das inovações de Jimmy. E, mais uma vez, trata-se de um fato e não de uma suposição. Isso é uma verdade, e, como tal, é inquestionável.

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Que tal falarmos um pouco sobre o Black Sabbath, então? Moleques acostumados com a agressividade e violência do heavy metal atual cometem o erro estúpido de afirmar que os discos do Sabbath não são pesados. É, pois é ... Vamos voltar lá para o segundo parágrafo novamente e refrescar o conceito de evolução. Como é natural com qualquer forma de arte, qualquer expressão artística, o processo evolui com o tempo e o resultado são diferentes leituras para algo que partiu de um mesmo ponto comum. O ponto comum do heavy metal é o Black Sabbath. Para focar tudo mais ainda, o marco zero do heavy metal é o primeiro disco do Black Sabbath, lançado na sexta-feira, 13 de fevereiro de 1970. A maneira com que Tony Iommi tocava a sua guitarra era até então inédita, ou seja, ninguém havia feito aquilo antes. Os riffs presentes no primeiro álbum do Sabbath são tenebrosos, causam medo, apavoram. Mais uma vez, contextualize a época: início de 1970, o mundo encharcado de hippies cabeludos pregando a paz e o amor, o hard rock sendo pavimentado por power trios como Cream e Jimi Hendrix Experience, que inovaram ao executar um som pesado e totalmente voltado para a guitarra, algo também inédito até aquela época (mais um parênteses: antes de dizer que não entende como um cara como Eric Clapton é endeusado por qualquer guitarrista, informe-se sobre a importância e influência de Clapton para a guitarra e para o rock como um todo antes de falar bobagens).

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Ao ouvir aquele disco, que começava com assustadores sons de chuva e trovões que desembocavam em um riff tétrico, qualquer pessoa daquele período tremia as pernas e arrepiava a nuca. Era algo novo, diferente, ousado. Quem eram aqueles caras que tiveram coragem de gravar algo tão soturno? Ali surgia o heavy metal, e tudo que veio depois trata-se da evolução de uma sonoridade e de um conceito estético proposto de maneira absolutamente original pelo Black Sabbath. As coisas ficaram mais extremas, violentas e agressivas com o tempo, mas nada é capaz de diminuir a força do que o Sabbath fez durante os anos 1970 (aliás, já percebeu como, quando éramos meros adolescentes espinhudos e lotados de testosterona e ouvimos pela primeira vez o som da banda, passamos meses, e até mesmo anos, não conseguindo ouvir mais nada que não fosse o som dos caras?). A importância do Black Sabbath é um fato, e não uma suposição. Isso é uma verdade, e, como tal, inquestionável.

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Escrevi tudo isso para dizer uma coisa: se você for falar algo sobre música, ao menos pesquise e estude antes. Não derrame asneiras sobre os ouvidos alheios (deixe isso com a atual música pop brasileira, que nem letra possui mais, vide os "tchê-tchê-re-re" da vida). Você pode não gostar dos Beatles, dos Stones, do Led, do Sabbath, do Purple. Você pode não suportar Iron Maiden, Clash, Sex Pistols e Nirvana. Você pode ter arrepios só de ouvir o nome de artistas como Pink Floyd, Radiohead, Joy Division e R.E.M.. Isso é um direito de cada um, é o gosto pessoal de cada indivíduo. Mas o que você não pode é ir contra uma verdade, um fato. Mais uma vez: a música, como a vida, é uma evolução. O Clash não existiria sem os Beatles. O Metallica não existiria sem o Black Sabbath. O Radiohead não seria possível sem o Pink Floyd. O trance não existiria sem os famosos rave-ups dos Yardbirds.

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Pense. Pesquise. Aprenda. Use a sua cabeça para algo produtivo. Tenha sede de conhecimento, mergulhe sem medo na história da música, do rock, do pop e do que mais for. Tudo está acontecendo agora, bem na sua frente. E o que não está acontecendo mais continua na sua frente, a poucos cliques do seu computador. Não seja burro, ignorante e estúpido. Não diga besteiras e asneiras. Não confunda o conceito de "gosto pessoal" com "verdade absoluta". Resumindo: seja sempre curioso não apenas por novos sons, mas pela história dos estilos e das bandas que você curte. Evolua, sempre, e cada vez mais.

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Sobre Ricardo Seelig

Ricardo Seelig é editor da Collectors Room e colabora com o Whiplash.Net desde 2004.
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