Metal Open Air: bem mais que um problema social
Por Daniel Junior
Fonte: Aliterasom
Postado em 23 de abril de 2012
Antes de mais nada, quero fazer alguns esclarecimentos: Este texto não irá comentar as declarações dada durante o Metal Open Air e nem após o evento. Acredito que os fatos são muito mais importantes do que as falas dos envolvidos. Muito em função dos discursos serem em uníssono. Evita também que os principais motes de debates sejam desviados para lugares desnecessários ou para discussões do tipo: "Fulano está errado" e "Sicrano está certo".
Mais uma coisa que deve ficar bem clara: este texto não é um veredicto final de nada e não se restringe a falar de um evento musical que não ocorreu. É um discurso recorrente sobre os nossos problemas sociais. Portante se você não estiver com vontade de ler, pare aqui.
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Outra coisa importante a ser dita é que esperei o evento terminar (?) para me pronunciar pois achei oportunismo fazer um release de velório. O evento, infelizmente, começou morto e a turba foi implacável. Um monte de profetas do óbvio e do caos se levantaram com plaquinhas de "Eu já sabia" ou "Como se presumia". Bem, não faço parte da turma e justamente por este tópico que começo meu texto.
Não. Ninguém sabia. Pelo contrário. Todo mundo torcia que, contra a nossa própria natureza de desorganizados e amadores, pudéssemos dar exemplo e mais do que isso, tornássemos referência em um festival nunca feito em território nacional: um evento TOTALMENTE dedicado ao metal. Agora que o velório acabou, a procissão passou e o corpo está devidamente sepultado é muito fácil dizer que "estava na cara que tudo ia dar errado".
Ingenuamente, muita gente acreditou (inclusive eu), que o METAL OPEN AIR seria enfim, o festival dos sonhos. Afinal de contas, em cada coração me-ta-lei-ro pulsava a imensa vontade de ver um evento musical que não precisasse estuprar sua índole artísticas com figuras como Rihanna, Kate Perry ou mesmo o Restart. Finalmente, um festival com DNA genuinamente metal. Não só isso: fora do eixo Rio São Paulo, dando oportunidade para os nordestinos (tão carentes de programações deste tipo) de participarem de três dias que reunia desde o metal brasileiro com seus representantes já conhecidos à bandas como MEGADETH e ANTHRAX, simplesmente, metade do Big 4.
Acontece que coube à (des)organização manter a coerência do nosso país. País em que é difícil organizar festas de aniversários (sempre falta alguma coisa), que não consegue fazer com que donativos para desabrigados cheguem até as vítimas; país em que médicos (?) não diplomados fazem cirurgias em pacientes em estados grave, sem permissão do ministério da Saúde, país que quer organizar uma Copa do Mundo em Estados que carecem de saneamento básico; país que é cheio de contradições sociais, que sua sociedade é a maior em não cumprir prazos (que o diga o Leão do Imposto de Renda), que é formada por gente que não é pontual, que em sua maioria não paga suas contas em dia e que deixa tudo pra cima da hora.
O que a Negri Concerts e a Lamparina Produções fizeram em outra escala é EXATAMENTE o que o brasileiro faz no dia à dia: a responsabilidade não é minha, a culpa é do outro. "Se eu chegue atrasado foi por conta do trânsito", "Se minha nota é vermelha é porque o professor não explica melhor", "Se eu terminei meu relacionamento com você é por sua culpa".
Não consigo deixar de relacionar o que ocorreu em São Luiz do Maranhão à nossa própria vida. País formado por gente desonesta (em sua maioria), que acusa os políticos de corrupção e que faria (e faz) pior ou igual caso estivesse ocupando cargos públicos. Gente que não dá o troco que recebe a mais, que acha que o importante é tirar vantagem das suas situações.
Lamento, profundamente, as centenas de pessoas ingênuas que foram furtadas de seus direitos ao chegarem ao MOA e encontrarem o caos. É diferente da saúde pública, dos estádios de futebol, dos aeroportos? É diferente do que a gente encontra nos preços abusivos dos planos de saúde? É diferente da falta de respeito que encontramos nas prestadores de serviço como tv à cabo, operadores de telefone e outras?
A balburdia e bagunça desse país alcança todos os lugares e "coerentemente" nos alcançou. Como uma produtora que nunca havia feito um evento deste porte contrata mais de 30 bandas dos mais diversos lugares do planeta para um Estado que, infelizmente, poucos conhecem as condições de abrigar algo deste porte? Mesmo os eventos que recebem apoio midiático são repletos de problemas. Quem paga e vai, sabe muito bem disso. Acontece que o fato de muitas vezes estar envolvido emocionalmente naquele lugar, faz sublimar todas as dificuldades alcançadas; desde a compra dos ingressos até as estruturas básicas e definitivas para receber uma multidão. Pergunte uma galera – caso você mesmo não possa dizer – que foi ao SWU (o primeiro e o segundo) se tudo foi perfeito ou dentro da normalidade, ou mesmo, se a normalidade é que tudo seja tão imperfeito. Pagamos os ingressos mais caros do planeta (muito pela máfia das carteirinhas de estudante) e precisávamos ser tratados com dignidade e cidadania. Porém, boa parte dos lesados sequer conhecem as duas palavas faladas na frase anterior.
Apoiei e apoio no meu espaço (Aliterasom) todas as bandas nacionais e gringas que aceitaram o desafio do MOA. Não fiz questionamentos quanto a escolha do lugar, bandas ou datas, mas lamento, profundamente, que pior do que passar o que bandas e pagantes passaram é que nenhuma lição será aprendida. Continuaremos amadores nas nossas pretensões e românticos nos nossos desejos. Se der algo de errado é fácil: é só culpar o outro.
Por último: não tenho essa preocupação patriótica e ufanista com a imagem do Brasil fora do país. Quem já foi para "fora" sabe que, não é a falência ou sucesso de um projeto que vai mudar aquilo que todo mundo já sabe, entre outras coisas: que o Carnaval é a festa da carne e serve pra turista conhecer as putas licenciadas e que tem programa de TV; que as micaretas na Bahia disfarçam a juventude idiota mas com dinheiro (vai saber do preço do abadá) e que o funk é o novo hip hop, a forma democrática de unir morro e asfalto em um só discurso musical, sexista, machista e plenamente aceito (maioria diria) pela sociedade.
Bem, agora todo mundo já sabe outra coisa: que continuamos uma vergonha.
P.S: neste texto existem enormes generalizações. Se você não faz parte, não se sinta ofendido. ;)
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