Em entrevista, Rita Lee comenta culto aos Mutantes
Por Claudio Szynkier
Fonte: Carta Maior
Postado em 10 de fevereiro de 2004
Rita Lee é uma provocadora fina, feliz e habilidosa. Talvez, se mais pessoas soubessem desse fato, auxiliadas por algumas horas de audição dedicada ao disco Balacobaco, o "incômodo" daquele episódio, em que o paulistano, em geral, simulou estar ferido em sua auto-estima, fosse reduzido ao berro de meia dúzia de pessoas que sofrem de indignação crônica no fígado.
Rita vem se expondo bastante nos domínios da mídia, em situações interessantes. Talvez, em uma situação mais efêmera do que a outra. Provavelmente, ela gosta mesmo de enxergar-se como protagonista nessas tendas divertidas de mídia. Ajuda a vender disco, inclusive - alguma coisa contra? Não passa de provocação e performance. Quer mulher mais performática do que Rita, em palco, no Brasil? Desde a época de menina, ao lado dos quase-gênios Sérgio e Arnaldo, nos Mutantes.
A polêmica sobre a sisudez, ou a possível inabilidade de praticar farra, do paulistano, a participação "real live" na novela Global Celebridades, aliás, peça engraçada de TV que discute com curioso e caricatural artificialismo zombeteiro a artificialidade no território do "glamour" e no meio artístico. De todo modo, essas passagens são notas menores em uma biografia que registra recentemente um disco tão legal como Balacobaco. O disco não chega a ser um marco, como alguns dizem, mas é uma peça de olhar saborosamente envelhecido em direção ao rock. É assumir o rock como história de vida, via amadurecimento e, ironicamente, afeto em relação às raízes adolescentes. Sonoridades interessantes envolvem a vibração de um trabalho cheio de provocações. Diga-se de passagem, as provocações do disco não estão impressas em jornal e, cantadas, são muito melhores: são perenes.
Rita deu uma rapidinha: a entrevista é curta, rica em mensagens sintéticas. As polêmicas recentes foram até deixadas de lado. Linhas abordam o atual momento da artista Rita Lee, que fala também sobre o show que está correndo por aí (volta ao Rio daqui a alguns dias e chega a São Paulo em março) e nos oferece algumas bem-vindas provocações adocicadas.
Agência Carta Maior - Pouca gente no Brasil conserva uma atitude tão performática em palco. De onde você bebe para criar e atualizar os "traços performáticos"?
Rita Lee - Bebo dos caras de todas as gerações que estão ou não na ativa e me orientam ligeiramente o caminho, eles seguem o caminho das Índias, eu, o dos índios.
CM - Sempre penso sobre qual tipo de piração rola em pisar no palco e "atuar" - principalmente em um show "de família", como o seu. Para qual lugar você voa quando toca ao vivo? Qual é a psicodelia envolvida nesse ato de celebrar, ser celebrada e reunir as pessoas em um show?
RL - Putzgrila, meu... vivo dizendo que palco é sagrado, não cabe problema pessoal para um palco, temos que pedir permissão aos deuses das artes antes de pisar nele. Fazer show em família sem dúvida dá um sanguinho novo para nós, velhos vampiros. Beto tem um trio chamado Os Jones - eles estão finalizando um cd. Além disso dá uma canja pros véios e aumenta o salário da família. A banda está pesadona e o elenco não poderia ser melhor: além do Beto Lee na guitarra temos Dadi Carvalho no baixo, Ari Dias na percussão, Claudinho Infante na batera, no vocal Débora Reis, teclados e vocais Rafael Castilhol e na guitarra, vocal e direção musical meu parceiro de 28 anos Roberto de Carvalho.
CM - Como você encara criar e "ser" rock em 2003, depois de ter conhecido e sentido, aparentemente, todas as experiências (químicas, corporais, criativas e emocionais) possíveis?
RL - Ainda não experimentei tango nem frevo e estou viciada em vick vaporub... são tantas emoções.
CM - Hoje em dia estão nascendo, no Brasil, bandas muito boas. Mas a "feira" fonográfica é do tempo "do engenho", repetitiva e medrosa. Tá certo que cada um tem sua vaidade, seu lugar a guardar, mas não cabe também aos roqueiros mais antigos e consagrados apontar, citar e dar força aos novos, aos renovadores? Esse tipo de prática pouco acontece no Brasil.
RL - Desculpe mas não concordo na parte que artistas consagrados deixam de dar força à rapeize nova, o contrário sim isso acontece, artistas geniais e ativos como Emilinha Borba, Marlene, Cauby, Angela Maria, Bezerra da Silva, Bibi Ferreira, e tantos outros que com o sucesso que fizeram seriam milionários e ativos nos EUA e não são chamados por nenhum artista jovem da hora. Agora que quero que as gravadoras se fodam, é outro papo, hehehe... Só salvarei a Som Livre porque tenho um grande carinho por João Araújo. (nota: o disco Balacobaco saiu pela Som Livre).
CM - Aliás, ainda sobre a parte "burocrática" do rock brasileiro, hoje você é livre do mercado? Você domou o meio?
RL - Independência e Vida é o meu lema de hoje em diante, este trigésimo primeiro disco é o meu primeiro independente, sem pressão e cobrança de gravadora, sem aquele papo de "cadê o single?". Pretendo continuar independente até que a morte nos separe.
CM - Eu já achei seu estilo de cantar - seu sotaque - adolescente e despojado. Posteriormente, em uma outra fase (final dos 70, anos 80), mais mulher e sedutor. Hoje, eu acho que você canta mais maternal e "dengosamente". Como se deram essas transformações?
RL - Você é que vai ter que me explicar isso, não tenho distanciamento de mim mesma para saber, adorei as vozes das fases da minha vida que você sente, I want more!
CM - O Sean Lennon veio há pouco tempo ao Brasil para homenagear" os Mutantes e, mais especificamente, para ver o Arnaldo Baptista, que é um ídolo dele. A História do rock é irônica... Você, como viciada e letrada na faculdade Beatles, sente-se orgulhosa disto, desta ironia, em especial?
RL - Cultuar Mutantes hoje em dia me faz dar umas risadinhas irônicas quando lembro da mídia execrando o grupo e xingando de imperialistas americanizados e outras indignações TFPs. Hoje, quando uma moçadinha tremulamente me pede autógrafo e confessa suas paixão pelos Mutantes eu pergunto de qual música gostam... Eles geralmente não... É louco isso. Sean Lennon é gente fina e educado.
CM - Sexo é rock?
RL - Pra caralho!
CM - Eu gostaria que você desse um pitaco sobre a aclamação do Balacobaco. Por que este é o "Rita Lee-álbum" mais elogiado e apreciado em anos? O que ele tem que os outros não tinham?
RL - Foi aquilo que te contei... Há anos pertencemos às gravadoras, eis que nos deparamos com a liberdade, foi como voltar ao paraíso e falar pra Deus: tá tudo certo, até o errado tá certo!
CM - Especificamente sobre a faixa Nave Terra, há um forte chamado pela consciência ecológica. Isso numa paráfrase da Ave Maria. É possível este sincretismo entre Nossa Senhora e Mãe Terra que representam conceitos antropológicos tão díspares? O planeta agüenta mais um século de espoliação e aves marias?
RL - Sabendo que o Planeta Terra é nossa Nave Mãe, nada mais justo que o culto à Deusa, a Wicca, as iniciações femininas com a primeira menstruação e a menopausa, a feitiçaria cujo tempo é um grande aliado, o caldeirão no coração, o mundo feminino lhe garanto é bem mais interessante e rico do que o masculino.
CM - Tudo Vira Bosta? Inclusive as ideologias?
RL - Tudo.
CM - Você fez uma ponta no Durval Discos. É um filme que aborda, entre outros temas, a passagem abrupta do tempo, enclausurando e lutando contra uma criatura "paleontológica", o próprio Durval, que parece ter sido congelado nos anos 70.
RL - Conheço vários Durvais, tem um que deve ter uns cinqüentão e a bateria montada na sala de estar da mãe.
CM - Em janeiro de 96, você tocou na praia, na cidade de Santos, em um show para muita gente, enquanto a TV transmitia o show que o Jimmy Page e o Robert Plant realizavam no Rio. O pessoal do rock da cidade não ficou em casa. Você meio que desbancou o Led Zeppelin naquela noite. Você se lembra ? Como essas coisas acontecem, que tipo de fenômeno é este?
RL - Putzgrila, meu....não lembro disso não. Lembro porém que desbancamos legal o Spin Doctors no Pacaembu. Dia seguinte, no Maracanã, do Rio, Jagger mandou flores e me convidou para abrir logo antes a apresentação deles, o cara foi esperto...
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