Vinil: compradores de prensagens novas são hipsters modistas?
Por Nacho Belgrande
Fonte: Playa Del Nacho
Postado em 02 de maio de 2014
O texto abaixo é um desabafo bastante bem elaborado do músico canadense DANKO JONES a respeito da relação atual que os hipsters e modistas têm como os discos de vinil [manja aqueles Aparecidos da Silva que, mesmo beirando 50 anos na cara, compram vinis coloridos para tirarem ‘selfies’ e a postarem nas redes sociais ao lado do toca-discos Made In China que ele jura efetuar uma reprodução fidelíssima e se vangloria da desgraça – que ele acha ser glória – de possuir um cabo USB? Esse mesmo].
Original confeccionado para o site do jornal estadunidense HUFFINGTON POST
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"À medida que nosso acesso à música tornou-se mais fácil, eu tenho observado silenciosamente às pessoas atendo-se bravamente ao vinil como mídia apesar de fechamentos de lojas e o implacável avanço da era digital. Enquanto é digno de nota salvar um formato idoso mediante a tentadora conveniência, eu não consigo deixar de notar a diferença em como eu consumi o vinil e como ele é visto hoje.
O advento do compact disc digital líquido proveu às gravadoras condições para crescerem muito da metade dos anos 80 até o fim dos anos 90. Quase que da noite para o dia, o consumidor de discos foi assediado com uma infinidade de mercadorias falsamente inflacionadas. Os discos de vinil que custavam de US$7.99 a US$10.99 eram estocados ao lado de seus equivalentes sonicamente superiores, os CDs, por de US$17.99 a US$24.99.
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Os títulos de catálogo subiram ainda mais, por vezes até a US$44.99 cada. Os cofres das gravadoras estouravam enquanto as pessoas se matavam para atualizar suas coleções de discos ao recomprarem o que eles já possuíam. Quando a indústria apresentou a palavra ‘remastered’, esta pôde esfolar aos incautos uma terceira vez. Em seis anos desde sua chegada, os CDs fizeram dos discos de vinil algo tão obsoleto como fitas Betamax e os varreram das prateleiras de lojas de discos.
Foi também um período de expansão em outro sentido para pessoas como eu – afetados por uma sede insaciável de ouvir tanta música quanto fosse possível, contudo impedidas por restrições financeiras. Já que eu não tinha como pagar os pesados US$19.99 da etiqueta que a indústria fonográfica pedia por lançamento em CD, foi fortuitamente que todos que podiam pagar aquele preço decidiram descarregar suas coleões de vinil nas lojas de discos usados a um décimo do preço. Era aí que eu entrava, e por US$20, saía dela com três ou quatro discos debaixo do braço. Gradualmente, como o passar do tempo, eu pude acumular uma coleção substancial de música a um quarto do preço.
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Eu sempre notei que havia basicamente dois tipos de consumidores de música: 1] pessoas que compravam discos porque precisavam ouvir música e 2] pessoas que compravam discos porque parecia legal, especialmente ao lado de seus canapés, aparadores ou armários. O primeiro grupo escutava sua música em aparelhos com rádio AM em alto-falantes da primeira geração de walkmans, qualquer coisa que os possibilitasse ouvir música, enquanto o segundo grupo não seria flagrado nem morto com qualquer coisa inferior a uma aparelhagem de ponta.
Eu também notei a correlação incrivelmente inversa entre a coleão de discos de alguém e seu equipamento para ouvi-la. Na maioria das vezes, quanto melhor a aparelhagem, menor a coleção de discos/CDs para se tocar nela. O objetivo para mim nunca foi ouvir música no melhor ‘equipamento estereofônico’ com ‘agulha de pedras lunares’, mas simplesmente ouvir tanta música como fosse humanamente possível antes de eu ficar surdo.
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Comprar discos era parte de uma rotina da qual, para a maioria dos colecionadores de discos, tornou-se a parte mais importante de suas vidas depois de respirar e comer. Havia geralmente um dia específico da semana ou do mês no qual você ia a certas lojas. Isso vinha acompanhado da sensação de ansiedade durante o percurso até lá, o batimento cardíaco elevado ao entrar, o pico explosivo quando aquele item longamente procurado era comprado, e depois uma parada para comer pós-compras.
Eu tenho ouvido o argumento que o revival do vinil trata-se da urgência coletiva de se retornar ao ‘orgânico’ e voltar ‘ao que é real’. Os discos de vinil são feitos de cloreto de polivinil, que é o terceiro tipo de plástico mais usado no mundo. Isso não soa lá muito ‘orgânico’ para mim. Se isso não bastasse, a porra ainda vem lacrada à vácuo em, isso mesmo, mais plástico. É como manter uma banana sem casca em um saco de lacre zip.
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OK, eu admito, eu ainda compro vinil em recaídas ocasionais [já comprei três discos essa semana] mas meu problema com essa recente fetichização do vinil tem mais a ver com o modo que o disco é tratado e visto do que como ele é comprado. Os discos de vinil não são peças de mobília para serem pendurados nas paredes como se fossem barômetros para hipsters. Afora as exceções colecionáveis, o vinil deveria ser arranhado, marcado, gasto, arranhado e [nossa!] TOCADO! Se você conseguir usar uma cópia usada arranhada de "Abbey Road" dos Beatles por 5 pilas, ela vai conter mais personalidade e charme do que sua cópia recém-prensada de US$32 vendida na Urban Outfitters.
E não se sinta mal se você ainda não comprou seu toca-discos ultramoderno de tecnologia de última geração. A menos que você seja um über-audiófilo, o que importa como a música é ouvida desde que ela seja ouvida? Eu tenho escutado música a minha vida toda, passei muitos dias nos melhores estúdios de gravação do mundo, e ainda não sei notar a diferença entre um MP3 e uma trilha de vinil. Talvez eu já tenha ficado surdo ou talvez eu ache a postura audiófila opressiva demais.
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Pelo lado bom, com as coleções de vinil decolando novamente, as pessoas comecem a se desfazer de suas coleções de CD e eu estou babando nelas com brilho nos olhos do mesmo modo que alguns olham com cédulas de US$5 para strippers em uma boite.
Eu não me importo com o modo que você embala a música, desde que haja música para eu comprar."
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