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Centro da Terra: recriando a aura psicodélica dos 70

Por Júlio Verdi
Fonte: Readytorockrol
Postado em 10 de março de 2016

O mundo da música, e especificamente, do rock and roll, concebeu diversos movimentos nos últimos 50 anos. Na década de 1960 celebrava-se a liberdade e a poesia, quando tais elementos foram emoldurados pela agressividade de um modelo sonoro embalado por guitarras cheias de distorção, bateria com timbres cada vez mais concisos e marcações de baixo que fugiram do esquema padrão do blues. Isso fez com que a psicodelia daquela geração gerasse bandas que soavam ao mesmo tempo, ácidas e lisérgicas. Passados cinco décadas, é cada vez maior o número de grupos que apostam nesse modelo, trazendo a nossos ouvidos, em pleno século 21, essa deliciosa sonoridade vintage, que nos faz vivenciar os sabores daquela época com um tempero da modernidade da produção musical dos tempos atuais. É nesse grupo de bandas que se encaixa o trabalho do Centro da Terra. Nascida em São José do Rio Preto/SP, a banda tem trilhado sua carreira por produções cheias de climas, psicodelia e referências poéticas aos mestres do passado.

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Com cerca de seis anos carreira, a banda tem em suas fileiras os irmãos Fred Pala e Guilherme Pala, na guitarra/voz e bateria, respectivamente e Zeca Mustang no baixo/backings. O Centro produziu dois trabalhos fonográficos. A banda lançou em 2013 um disco com músicas autorais, gravadas ao vivo no show "Tarde no Quintal", num modelo bem incomum de apresentar seu material autoral. De cara é louvável o resultado da captação, que deixou toda a sonoridade dos elementos por demais nítidos. "Ritual Elétrico" abre o álbum com sua levada groove comandada pelo baixo, e faz sua trajetória com uma aura a lá Mutantes, e mostra como características gerais do som banda, um trabalho de guitarra embasado em efeitos de wah-wah, principalmente. "Um Passado do Abismo" começa com a guitarra rasgando wah-wah a lá Hendrix. O trabalho vocal (assim como nas outras músicas) lembra bem as vozes que Leslie West fazia com o Mountain e em outros projetos que participou. O contraponto da bateria é outro elemento que costura a viagem da música. Um dos melhores destaques do disco tem um nome um pouco descolado, "Nada Seu ou Sei Lá". A faixa se inicia num clima calmo, para poucos segundos depois quebrar o andamento inicial e dar espaço para variações da bateria, entre idas e vindas do riff principal. "Hey" é uma boa referência sonora a trabalho de algumas antigas bandas nacionais de pré-rock progressivo como Casa das Máquinas e o Terço. "Vejo o Sol" traz uma linha de guita hora densa, hora balanceada e uma boa dose de dramaticidade na voz. Talvez a faixa mais pesada (no sentido de rock denso) do disco. Já "9" despeja sua batidas funkeadas e recheadas de efeitos. O disco fecha com "Godot", outra pedrada visceral com vocais nervosos e despojados, que servem de recheio para um desfile de viradas de bateria e distorção e solos carregados de efeitos.

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É enfim um trabalho inspirador, que parece ao mesmo tempo homenagear o clímax psicodélico do que se produziu antes e mostrar que a banda quer enraizar seu espaço no cenário rock brasileiro, armada com um som próprio, orgânico, cheio de estilo e alma.

Anteriormente, a banda havia soltado o CD "Ritual Elétrico Ao Vivo", produzido no estúdio Cia. do Som, com o auxílio do produtor Fernando Marques. O trabalho contou apenas com versões de nomes clássicos como Hendrix, Ten Years After, Mountain, além de recriações de trabalhos de gente do Brasil como Gilberto Gil, Gal Costa e Jards Macalé, dentre outros. E conta ainda com uma faixa autoral, criada ali mesmo no estúdio, a bluesística "Have Mercy". Destaque para as matadoras versões de "Red House" (Hendrix), "Cold Shot" (Stevie Ray Vaughan) e "Mal Secreto" (Jards Macalé, um dos destaques do antológico disco "Gal a Todo Vapor", de Gal Costa).

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Em 2014 a banda participou do aclamado festival "Psicodália", realizado anualmente em Rio Negrinho/SC, e sempre conta em seu cast com nome famosos do rock clássico da cena nacional.

Entre os planos atuais da banda, consta um projeto de crowfunding, que visa a produção de um novo álbum. Para falar desse e outros assuntos, a Ready conversou Fred Pala, guitarrista e vocalista do promissor grupo.

Ready to Rock - Em contato com seus trabalhos gravados, me deparei com CD ao vivo (Ao Vivo Tarde no Quintal") com composições de banda e outro de versões clássicas gravadas em estúdio ("Ritual Elétrico Ao Vivo"). Por que essa inversão?

Fred Pala - O cd ritual elétrico foi um convite de fazer uma jam em estudio como se fosse um show tocando algumas de nossas influências, na época inclusive estávamos em transição de baixista portanto esse álbum conta com o Vagner Siqueira baixista da Estação da Luz e o Zeca Mustang. Já o segundo foi gravado em um festival em que nos mesmos organizamos e contém apenas músicas autorais o nome do disco é o nome do festival.

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RR - As versões gravadas no estúdio, com produçâo do Fernando Marques, estão simplesmente fantásticas. Foi uma forma de homenagear suas influências?

FP - Exatamente tivemos um dia de gravação com um take para cada música, foi um show com influências da banda e apenas uma música autoral, um blues que criamos na hora para passar o som.

RR - O disco gravado ao vivo ("Tarde no Quintal"), tem uma qualidade sonora surpreendente. Vocês acertaram legal na captação. Qual o segredo dessa ótima qualidade?

FP - Foi captado de maneira muito simples com mics medianos, porém contamos com o pré de nossa mesa tascam 1978 e horas em cima da mixagem e masterização. Legal lembrar que tivemos a ajuda do Eduardo Palla na produção.

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RR - Suas músicas autorais tem um nível de composição excepcional. Faixas como "Vejo o Sol" e "Nada Sei ou Seu Lá" (essa é minha favorita do disco) celebram o clima psicodélico, emoldurado por uma massa sonora visceral, coisa que os grandes mestre do rock ácido dos 60/70 faziam. Como é o processo de composição da banda?

FP - De forma bem natural, entramos no estúdio e ficamos horas em cima de ideias e improvisos. Os esboços trazidos são trabalhados juntos. Normalmente eu dou o estimulo inicial com harmonias e trechos de letras, o Guilherme sempre surge com sensacionais linhas de bateria e ideias e o Zeca completa com um grande feeling no baixo e opiniões que definem possíveis ideias divergentes entre eu e meu irmão.

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RR - Ouvindo sua música sinto referência bem definidas de bandas como Hendrix, Mountain, Grand Funk (do início de carreira) e Ten Years After. Mas vejo diversos momentos que lembram o som brasileiro dos 70, como Som Nosso, o Terço e pela atmosfera, Mutantes. Qual o peso da música nacional em suas influências?

FP - Gigantesco diria, no início demoramos a dar valor ao nacional até porque muito se fala sempre das mesmas bandas, Led Zeppelin, Pink Floyd, Stones e tal... que também foram essenciais para nossa formação mas a descoberta do rock n roll setentista nacional mostrou que o Brasil também possuía grandes bandas de rock e isso nos trouxe um estimulo e um dever muito grande de cantar na nossa língua.

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RR - Sabemos da realidade da produção de rock no Brasil e em Rio Preto. O rock clássico, voltado às raízes setentistas, praticado pela banda tem espaço e interesse na cidade?

FP - Nós 3 vivemos da música e tem sido muito difícil essa batalha porque todos os pubs querem que toquemos sempre as mesmas músicas manjadas, mas seria injusto falar que a culpa é só dos donos de bar a geração que vemos nas noites hoje não possuem cultura nenhuma de arte e música portanto querem ouvir sempre as mesmas que a mídia mostra.

RR - Pegando carona ainda na pergunta anterior, como você vê a realidade de uma banda autoral, domiciliada no interior de São Paulo?

FP - Mesmo na capital de duas uma ou a banda começa a tocar muitas versões de músicas conhecidas, o famoso "LADO A", ou terão que tirar seu sustento de outra forma.Portanto temos vivido assim mas sem ultrapassar a linha que consideramos o limite, afinal de contas fazemos para sobreviver mas principalmente porque amamos a música, se um dia precisarmos tocar o que não gostamos eu mudaria de profissão.

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FP - O nosso som é de 70 para baixo, não tocamos nada dos anos 80 e posteriores que tem sido o que o grande público mais quer ouvir. Até porque achamos horrível os timbres dos anos 80, na nossa opinião houve um retrocesso gigantesco no jeito como se deveria timbrar e equalizar os equipamentos, os instrumentos deixaram de serem orgânicos e passaram a ter o mesmo som em todas as bandas. A bateria e os sintetizadores são os que mais incomodam.

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RR - Como é tocar e levar a carreira da banda com dois irmãos na formação?

FP - Momentos bons e momentos difíceis, temos um entrosamento muito bom compondo e ao vivo, os improvisos parecem que foram ensaiados em muitos momentos, mas pelas dificuldades financeiras as vezes nos "desabafamos" um com o outro. Ainda bem que tem o Zeca que costuma ser o mediador em muitos momentos de stress.

RR - A banda acaba de lançar um projeto de crowdfunding (financiamento coletivo). Qual a expectativa e os planos para este processo?

FP - A expectativa é alcançarmos o valor de R$ 25.000, para lançarmos o primeiro trabalho em estúdio da banda em CD, vinil e DVD, que, além de shows do Centro, trará um documentário sobre a música independente no Brasil de hoje, com a participação de muitos artistas de vários estados brasileiros. Estamos nos dedicando ao máximo nessa empreita e precisamos muito do apoio de todos vocês. Através desse link vocês poderão ajudar e escolher seus prêmios. www.catarse.me/centrodaterra.

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RR - O que podemos esperar de um novo trabalho autoral da banda?

FP - O primeiro trabalho com grande qualidade onde os ouvintes verão as músicas como nos as vemos. Apesar de termos gravado as bases juntos e ao vivo, tivemos tempo para acrescentar toda a gama de ideias que apenas três músicos ao vivo não podem passar. Imagine uma tela onde o artista plástico tem tempo para acrescentar camadas sobre camadas de ideias.

RR - A banda esteve envolvida tempos atrás com um espaço chamado "Centro de Psicodelia Cultural Lar de Maravilha", para apresentações e eventos relacionados à música e arte. Como está esse espaço?

FP -Tivemos por um ano a chance de termos um espaço totalmente voltado à cultura da região, realizamos muitos shows, exposições, cinema, jams... e inclusive tínhamos um estúdio denominado "Estúdio das Aranhas", dividíamos ele com várias aranhas, foi nesse estúdio que gravamos o nosso novo álbum. Moramos nesse espaço durante esse período e a ideia era realmente mantê-lo por um ano e produzir o máximo de material e eventos. Missão comprida.

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RR - Quais os planos de médio e longo prazo da banda, e até onde pode chegar o Centro no cenário nacional?

FP - A ideia é ir o mais longe possível e compor o máximo de material que conseguirmos. Mantermos a força no caminho e acreditar que sempre iremos melhorar.

RR - Fique à vontade pra deixar um recado ao pessoal que acompanha nossas matérias.

FP - Galera o nosso som é a nossa vida e poder dividi-lo com vocês e ver que gostam é o que nos estimula a continuar na caminhada.Obrigado a todos e continuem ligados nesse espaço diferenciado que esta apoiando tantos artistas.

Outras informações sobre a banda:
http://www.facebook.com/centrodaterrapowertrio
http://www.catarse.me/centrodaterra
http://centro-da-terra.wix.com/centrodaterra#!home/mainPage

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Sobre Júlio Verdi

Júlio Verdi, 45 anos, consome rock desde 1981. Já manteve coluna de rock em jornal até 1996, com diversas entrevistas e resenhas. Mantém blogs sobre rock (Ready to Rock e Rock Opinion) e colabora com alguns sites. Em 2013 lançou o livro ¨A HISTÓRIA DO ROCK DE RIO PRETO¨, capa dura, 856 páginas, trazendo 50 de história do estilo na cidade de São José do Rio Preto/SP, com centenas de fotos, mais de 250 bandas, estúdios, bares, lojas, festivais e muitos outros eventos. Curte rock de todas as tendências, em especial heavy metal e thrash metal.
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