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Nick Cave avalia uma música "estilo Nick Cave" feita por inteligência artificial

Por André Garcia
Postado em 21 de janeiro de 2023

Nos anos 90, Chico Science já cantava que "Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro". O que parecia ficção científica na época, nos últimos anos, com o avanço dos algoritmos de inteligência artificial, foi ganhando ares de realidade. Muita gente hoje se dedica a experimentar a inteligência artificial para produzir arte. Será que os artistas estão com os dias contados, então? Segundo Nick Cave, não.

Foto: Reprodução
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Cantor, compositor e poeta, o australiano Nick Cave é um dos nomes mais respeitados no post punk e no rock gótico. Em carreira solo desde 1983, seu trabalho é conhecido por uma sofisticada e melancólica mistura de new wave, literatura, blues, gospel e folk. Como escritor, ele já produziu filmes, livros e peças de teatro.

Conforme publicado pela Far Out Magazine, na edição mais recente da newsletter Red Hand Files, ele respondeu a um fã que o enviou uma música 'no estilo Nick Cave' produzida por inteligência artificial. Seu refrão diz:

Eu sou um pecador, eu sou um santo
Eu sou a escuridão, eu sou a luz
Eu sou o caçador, eu sou a presa
Eu sou o demônio, eu sou o salvador

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A resposta de Cave segue traduzida abaixo na íntegra — no primeiro parágrafo ele dá sua opinião, e depois reflete sobre o tema.

"Caro Mark,

Desde o seu lançamento, em novembro do ano passado, muita gente que está vibrando de admiração algorítmica me envia músicas 'no estilo Nick Cave' criadas pelo ChatGPT. Foram dezenas! Só tenho a dizer que não compartilho do mesmo entusiasmo em torno dessa tecnologia. Entendo que o ChatGPT está em sua infância, mas talvez esse seja o horror da ascensão da IA — que sempre estará em sua infância, pois sempre terá que ir mais longe, sempre em frente, sempre mais rápido. Isso jamais poderá ser revertido ou desacelerado, por nos mover em direção a um futuro utópico, talvez, ou à nossa aniquilação. Quem pode dizer qual dos dois? A julgar por essa música 'no estilo Nick Cave', não parece bom, Mark. O apocalipse está a caminho. Essa música é uma m*rda.

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O que ChatGPT é, neste caso, é a replicação como farsa. O ChatGPT pode ser capaz de escrever um discurso, um ensaio, um sermão ou um obituário, mas não pode criar uma música de verdade. Poderia, talvez, com o tempo, criar uma música aparentemente indistinguível da original, mas será sempre uma réplica, algo meio burlesco.

Músicas brotam do sofrimento, com isso quero dizer que são baseadas no complexo conflito interno criativo e, até onde sei, algoritmos não sentem. Os dados não sofrem. O ChatGPT não tem um eu interior, nunca foi a lugar algum, não suportou nada, não ousou ir além de suas limitações; portanto, não pode compartilhar uma experiência transcendental, pois não tem o que transcender. A melancolia do ChatGPT é estar destinado a imitar, e jamais poder ter uma experiência humana autêntica, por mais desvalorizada e sem importância que a experiência humana possa se tornar com o tempo.

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O que faz uma grande música não é sua grande semelhança com uma obra reconhecível. Escrever uma boa música não é mímica, nem replicação, nem pastiche. Muito pelo contrário: é um ato de auto-assassinato que destrói tudo o que alguém se esforçou para produzir no passado. São essas perigosas rupturas de parar o coração que catapultam o artista além dos limites do que ele (ou ela) reconhece como seu eu conhecido. Isso faz parte da autêntica luta criativa que precede a invenção de uma lírica única, de valor real; é o confronto ofegante com a própria vulnerabilidade, periculosidade, pequenez, contra uma sensação de descoberta repentina e chocante; é o ato artístico redentor que mexe com o coração do ouvinte, onde o ouvinte reconhece no funcionamento interno da canção seu próprio sangue, sua própria luta, seu próprio sofrimento. Isso é o que nós, meros humanos, podemos oferecer, e que a IA pode apenas imitar — a jornada transcendental do artista, que sempre luta contra suas próprias deficiências. É aqui que reside o gênio humano, profundamente limitado, mas superando tais restrições.

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Pode parecer que estou levando tudo isso um pouco para o lado pessoal, mas sou um compositor que está envolvido, neste exato momento, no processo de composição. É um negócio de sangue e coragem, aqui na minha mesa, que exige algo de mim para surgir uma nova e renovada ideia. Requer minha humanidade. O que é essa nova ideia, não sei, mas está por aí em algum lugar, procurando por mim. Com o tempo, nós nos encontraremos.

Obrigado pela música, Mark, mas, com todo o amor e respeito do mundo, essa música é uma palhaçada, uma zombaria grotesca do que é ser humano e, bem, eu não gosto dela. Embora… peraí! Relendo aqui, há um verso que dialoga comigo: "Eu tenho o fogo do inferno em seus olhos", diz a música "no estilo Nick Cave". Isso é meio que verdade. Eu tenho o fogo do inferno em meus olhos - e é o ChatGPT.

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Com amor, Nick"

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Sobre André Garcia

Sou redator e tradutor freelancer e escritor, autor do livro de contos Liber IMP. Ouço rock desde pequeno, leio coisas sobre bandas desde sempre e escrevo sobre ela já tem anos. Cresci como fã de Iron Maiden e paladino do rock, mas já me tratei. Hoje sou fã de nomes como Beatles, David Bowie, The Cure, Kraftwerk e Velvet Underground, e de cenas como a Londres psicodélica, a Nova Iorque proto-punk e a Manchester pós-punk. Escrevo notas e notícias rápidas para o Whiplash.Net visando compartilhar conteúdo relevante sobre música e cultura pop.
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