O dia que centenas de coturnos de punks de SP foram embaralhados por tiras após dura
Por Gustavo Maiato
Postado em 30 de março de 2025
Era 1982 e o Brasil vivia sob o regime militar. O movimento punk, recém-nascido, fervilhava em São Paulo. No palco do Teatro Luso-Brasileiro, bandas como Inocentes, Cólera e Olho Seco davam voz a um estilo que ia além da música, representando uma atitude de resistência em tempos difíceis.

O vocalista Clemente, das bandas Inocentes e Plebe Rude, relembra, no livro "Contos do Rock", de Daniel Ferro, uma dessas noites em que a repressão policial cruzou o caminho dos punks. "Estávamos no bar do teatro, eu e os outros, incluindo o Redson [líder do Cólera]. Já imaginávamos que a polícia apareceria, como sempre acontecia. Eles achavam que os shows punks eram ‘aparelhos comunistas’. Aí alguém gritou: ‘Vamos resistir!’", recorda Clemente.

No entanto, a resistência logo perdeu força. "De repente, vi um policial passando, apontando uma calibre 12. Depois vieram outros. Devia haver umas dez viaturas na porta. A resistência virou: ‘Ô ô ô uóó’, e acabou ali", descreve Clemente, com tom irônico.
Quando os policiais invadiram o local, não encontraram drogas ou material considerado subversivo, mas isso não os impediu de instaurar o caos. "Eles mandaram todo mundo tirar os coturnos. Disseram que não queriam ver ninguém com coturno militar", conta Clemente. "Eu não tirei, mas o Redson, coitado, acabou cedendo. De repente, havia um monte de coturnos amontoados no meio do teatro."
O espetáculo de autoritarismo terminou de forma absurda. "Os policiais misturaram todos os coturnos e foram embora. Ficamos ali, tentando identificar o que era de quem", diz Clemente. Ele lembra com humor a situação do amigo: "O Redson saiu com dois pés esquerdos. Foi cômico, mas ao mesmo tempo era um retrato de como a repressão podia ser ridícula."

O punk em São Paulo
O movimento punk no Brasil surgiu nos anos 1970 com características únicas em diferentes regiões. Segundo Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, a cena de Brasília era mais elitizada, formada por jovens de classe média e acadêmicos. "O punk rock de Brasília começa dentro da universidade, entre filhos de professores, como na Plebe Rude. Era algo mais intelectual", disse Dinho em entrevista. O Aborto Elétrico, banda precursora na capital, refletia essa origem universitária e cultural.
Já em São Paulo, o punk foi moldado por trabalhadores das periferias e bairros industriais. "Lá, foi algo proletário. Era outra história", comparou o cantor. Enquanto Brasília debatia ideias no ambiente acadêmico, São Paulo traduzia a luta de classes em músicas agressivas, zines e shows de resistência.

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