O álbum do Pink Floyd que David Gilmour acabou detestando por causa do Roger Waters
Por Bruce William
Postado em 23 de outubro de 2025
A história do Pink Floyd sempre caminhou entre dois polos criativos. De um lado, a visão conceitual e a escrita afiada de Roger Waters; de outro, o senso musical e a arquitetura sonora de David Gilmour. Durante anos, esse equilíbrio gerou discos gigantes. Em 1983, porém, a balança pendeu de vez. O resultado foi "The Final Cut" e um desgaste que Gilmour, mais tarde, descreveria como a experiência que o fez rejeitar o próprio álbum.
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O cenário já era turbulento antes da primeira nota. Richard Wright estava fora desde a maratona de "The Wall", Nick Mason atravessava problemas pessoais e a convivência entre Waters e Gilmour azedava a cada dia. "The Final Cut", que começou como desdobramento do universo de "The Wall" e ganhou fôlego com a pergunta política da Guerra das Malvinas, virou a plataforma de Waters para um discurso mais pessoal e bélico. O projeto foi se estreitando até que quase tudo passasse por ele.
Gilmour contou, em 1984, que tentou intervir no rumo artístico. Dizia que tinha uma maneira diferente de conduzir as canções e que apresentou mudanças. Bateu na porta certa, mas ouviu que não. "Basicamente, o Roger tinha uma ideia de como achava que o álbum deveria ser e uma ideia muito firme de como queria que ele fosse. Eu simplesmente achei que ele estava errado na abordagem em várias áreas, e disse isso a ele. Tentei conseguir algumas mudanças, e ele não estava disposto. Chegou a um ponto em que as discussões ficaram tão severas porque nossos pontos de vista estavam tão opostos naquela época", disse o guitarrista, em fala publicada na Far Out.

Ele continuou: "Mas Roger não quis que eu continuasse produzindo porque isso não estava levando a nada. É que a minha opinião era tão diferente que acabava sendo contraproducente. Então parei de trabalhar na produção do álbum, deixei tudo inteiramente nas mãos dele e disse: 'Vá em frente e termine.'" A partir daí, não era bem uma banda: era um compositor ditando cada curva e um guitarrista de renome colocado ao lado, como se fosse contratado.
Isso tem eco direto no que se ouve. "The Final Cut" privilegia longos blocos narrativos, arranjos que servem quase exclusivamente ao texto e uma dinâmica menos aberta a diálogos instrumentais. Onde o Floyd costumava respirar - a guitarra expandindo temas, o teclado colorindo passagens, a seção rítmica criando tensão - passou a prevalecer a fala, o efeito dramático, a camada orquestral. Em termos de espírito coletivo, o álbum parece o retrato de uma sala com cadeiras vazias.

Gilmour deixou claro que não ficou contente com o resultado final, dizendo que havia ali três boas canções e que o restante não chegava ao nível que esperava do Pink Floyd. Não atacou o conceito político; o incômodo era com o tom que considerou lamurioso em demasia e, sobretudo, com a escassez de material forte. Na leitura dele, Waters acreditava que poderia produzir tudo sozinho. Na dele, não. Para Gilmour, a fricção entre visões diferentes costuma gerar um meio-termo produtivo; desta vez, essa fricção foi praticamente abolida.
É claro que "The Final Cut" tem méritos. A escrita de Waters está afiada, a crítica ao nacionalismo britânico e ao eco das guerras é contundente, e a engenharia de som mantém o padrão técnico da banda. O problema, aos ouvidos de quem sempre defendeu o Pink Floyd como soma de personalidades, é que o disco soa como capítulo solo embalado com o logotipo do grupo. O peso emocional existe, mas a assinatura coletiva, não.

A recepção dividida na época refletiu esse impasse. Para uma parcela do público, o álbum era corajoso ao encarar o presente com dentes à mostra. Para outra, faltavam canções memoráveis e sobrou ressentimento. Gilmour ficou no segundo bloco - e não só por orgulho ferido. Seu argumento central é simples: quando a música vira veículo exclusivo de um ponto de vista e rejeita qualquer contribuição que desvie da trilha, perde-se o que fazia aquela banda ser única.
Depois de "The Final Cut", a separação virou fato. Waters saiu, levou consigo a verve combativa e uma carreira solo que seguiu nessa direção. Gilmour permaneceu com o nome Pink Floyd e, com Mason e o retorno de Wright, buscou outra forma de continuar. O disco de 1983 ficou como documento de uma ruptura anunciada: uma coleção de faixas guiadas por um autor só, que deixou o guitarrista - peça essencial do som do grupo - se sentindo estranho dentro da própria casa.

Quarenta anos depois, "The Final Cut" ainda provoca discussões exatamente pelo que ele revela. É um álbum importante para entender a mente de Waters naquele período e, ao mesmo tempo, é a gravação que Gilmour associa à sensação de perda: não apenas a perda de um companheiro de banda, mas a perda daquela corrente criativa que fazia o Pink Floyd soar maior do que seus integrantes. Para ele, essa corrente se quebrou ali, e o estalo foi alto o bastante para tornar o disco difícil de abraçar.

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