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Dream Theater: as canções mais subestimadas da banda

Por Alexandre Ott
Postado em 07 de fevereiro de 2014

Que o DREAM THEATER é uma banda com grandes registros, disso ninguém duvida. Afinal, são quase 30 anos de uma jornada majestosa, unificando os caminhos do rock pesado e do progressivo de forma brilhante. Que haja celeuma em torno das fases e mudanças de rota vivenciadas pelo grupo só faz ressaltar a sua importância notável. Que o quinteto (do qual fazem e já fizeram parte extraordinários músicos) tem canções memoráveis, está fora de contenda. Sem embargo, nota-se um fenômeno particular: tratando-se de uma banda tão profícua em composições, algumas delas são, por vezes, subestimadas, não sendo tão lembradas ou reverenciadas como poderiam (ou deveriam) quando se indaga aos fãs acerca. Queremos, portanto, defender o valor desses petardos sonoros e elencar as suas virtudes para, quem sabe, entender esse esquecimento. Sigamos adiante!

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Poderíamos elencar várias hipóteses para tal descrédito: seriam canções com propostas alheias à identidade comumente expressa pelo grupo; ou, quiçá, seriam canções com certo apelo comercial; ou, ainda, canções que, embora apresentem os elementos típicos da sonoridade dreamtheateriana, pequem pela presença de ideias ou sons estranhos, diminuindo o seu valor. No entanto, nenhuma dessas teses parece plausível para explicar o que ocorre com algumas canções do grupo, claramente qualificáveis como "sonzeira" da melhor qualidade. Certamente, este artigo semeará a discórdia entre os prezados fãs de prog-metal — leitores do nosso Whiplash.net. Poder-se-ão lembrar outras músicas esquecidas; poder-se-á contestar a tese aqui defendida e mais: os próprios exemplos que funcionam como prova desta. Novamente: não poderia ser diferente diante de uma banda tão especial e querida por nós — fãs de rock. Passemos, de todo modo, à ideia sobre a qual pretendemos discorrer.

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Em primeiro lugar, as músicas apresentam elementos e mesmo estruturas similares, que fazem jus ao gênero. Em segundo lugar, trazem em si aquilo que o DREAM THEATER, historicamente, ofereceu de melhor à sua audiência e, em último lugar, todas elas encontram-se, de algum modo, ofuscadas pelo contexto no qual se encontram, sendo esta uma possível razão para a desatenção dos ouvintes. Senão, vejamos:

I. Blind Faith (Six Degrees of Inner Turbulence – 2002). Talvez a mais subestimada dentre todas as músicas do DT. São pouco mais de dez minutos um tanto quanto escondidos em um grande álbum. É precedida pela insana Glass Prison e sucedida por sons mais experimentais. De fato, a atenção dos ouvintes parece ter mirado o disco dois, com a épica Six Degrees (…).

A mensagem de sua letra (1) parece sugerir que obscurecemos o verdadeiro objeto de nossas crenças (o amor?) ao pintarmos nossas máscaras pessoais ("I've painted my own Mona Lisa") e ao nos escondermos atrás delas ("But we do all that we can/Justify the means to an end"). Cremos, assim, em mentiras convenientes. Torna-se, portanto, "não crível" tanto a bondade dos homens quanto a humanidade de um redentor — tão querido por nós. A fé se torna cega e vazia e nós perdemos de vista os seus verdadeiros efeitos no mundo.

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Pois bem, uma temática tão interessante é completada por um instrumental riquíssimo. Jordan capricha na introdução. Timbres nunca antes usados por ele criam um clima de introspecção e, depois, de angústia. A seguir, um groove muito bacana de Portnoy guia o ouvinte a um lugar interessante. Jordan está destilando todo o seu bom gosto nesta faixa. A ponte para o refrão tem uma textura suave, embora densa, e este explode em intensidade, com Petrucci soando no ponto certo! Portnoy, por sua vez, consegue encaixar viradas violentas em meio a uma levada contagiante!

A seguir temos os solos. Talvez uma das melhores passagens instrumentais da banda. O trecho entre 5min00 e 5min50 é puro rock’n’roll! E novamente Rudess: temas desenvolvidos ao piano precedem um solo de órgão sensacional — um deleite para os ouvidos —, seguido de seu timbre tradicional. Petrucci e Myung acompanham-no com riffs matadores. Ao final (7min55), a dupla Petrucci/Portnoy faz mais uma das suas: um solo simplesmente espetacular, seguido por bumbos e viradas coladas aos fraseados, num tema fantástico, sustentado por baixo e teclado. LaBrie encerra os trabalhos mantendo o padrão da introdução: mediante uma abordagem que inspira certa melancolia, seguida de uma descarga de agressividade, anunciando a mensagem da letra. Palmas para Mr. Jordan "Awesome" Rudess!

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II. New Millennium (Falling into Infinity – 1997). Não somente esta música é subestimada, mas o disco inteiro do qual faz parte. Falling (…) é um grande registro, muito embora contenha certo apelo comercial, tenha sido concebido em meio a conflitos com a gravadora e traga uma surpreendente trinca de baladas. Essas circunstâncias acabam por ofuscar a qualidade do álbum — nem sempre reconhecida. O disco não está aquém dos melhores momentos da banda, e New Millenium é a primeira prova disso.

A canção trata das mudanças pelas quais passamos. Para compreendê-la, basta relembrar o clima de superstição que embebia a todos nos idos do ano 2000. Muitas vezes, afinal, envolvemos nossa própria vida em superstições e crenças equivocadas. Quando tomamos consciência disso, começamos a sentir a mudança ("I've got this feeling/The tide is turning now baby/Funny feeling"). E por mais que sejam assustadores os caminhos que se apresentem ("when the only light at the end/Of the tunnel is another train"), temos de seguir e, de um modo ou de outro, cremos que tudo ficará bem!

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O som em si não deixa nada a desejar. Ao contrário, empolga. Basta darmos uma chance à audição. De início há uma intro diferente, recheada de tappings de guitarra e baixo (Myung utiliza aqui o famoso modelo Chapman Stick). Derek Sherinian entra no embalo e hipnotiza o ouvinte, atraindo-o para o que se segue logo após. Uma transição com um quê de pop (1min22) nos leva até a pesada entrada dos vocais. LaBrie surge com um ar de obscuridade e Myung mostra-se muito bem nesta faixa. Temos um excelente tema (2min35), seguido por uma virada pesada — tão simples quanto contagiante —, a qual é sucedida por uma ponte empolgante até o refrão, marcada pelo órgão de Sherinian e pelo fraseado wah-wah de Petrucci. O ciclo se repete e chegamos então à seção instrumental.

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Ela desenvolve-se sobre o tema principal (4min55). Temos um primeiro ápice de peso, com Portnoy descendo o braço em seu instrumento. Na sequência, muita criatividade da parte de John Petrucci: fraseados limpos são intercalados com notas em wah-wah. Ao final, uma das maiores marcas do grupo: solo dobrado de guitarra e teclado. LaBrie retorna em uma abordagem insinuante, marcada pelos vocais sobrepostos.

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III. A segunda prova da importância de Falling (…) é a suíte Hell’s Kitchen/Lines in the Sand. Como se não bastasse suceder a faixa instrumental, saudada pela maioria dos fãs (e para a qual são dispensáveis maiores comentários), Lines (…) traz em si um valor indubitável — seja como faixa, seja como parte da suíte. A letra aborda nossos conflitos existenciais entre o que queremos e o que podemos ser — segundo a inelutável ação do tempo sobre nós. Desenhamos nossos projetos como linhas na areia e, para nosso pesar, a maré sempre vem… Assim, ao lutar contra essa condição, criamos nossos próprios demônios ("We fabricate our demons/Invite them into our homes") e fazemos de nossa casa uma "Hell´s Kitchen"! Para libertar-se dessa opressão do tempo, na sua fugacidade, é preciso admitir que tudo é passageiro ("Living comes much easier/Once we admit/We're dying") e, portanto, que os sonhos podem tornar-se pesadelos, e os ídolos, fantasmas. O sofrimento, no entanto, forja a vida, e tudo isso traz ensinamentos, bem como a possibilidade do nosso ser — basta que nos reconciliemos conosco mesmos ("Sometimes a view from sinless eyes/Centers our perspective/And pacifies our cries").

Derek Sherinian nos transporta até uma bela paisagem sonora. Seu timbre ajusta-se bem ao DT. Petrucci, Myung e Portnoy entram em cena logo depois, anunciando a "pauleira". Engatamos a marcha com o bumbo duplo de Portnoy e contemplamos no horizonte a presença do órgão de Sherinian (em 2min03). LaBrie surge para, logo em seguida, dar espaço a Doug Pinnick, do King´s X. A ruptura das cordas vocais sofrida por James parece forçá-lo a cantar numa região mais grave aqui, mas isso não retira o valor de sua interpretação. A dobradinha de vocalistas é empolgante! Mas o toque especial fica por conta de Petrucci. Este é, sem dúvida, um dos seus melhores solos: fraseados jazzísticos intercalados com passagens "blueseiras", ensejando uma melodia dramática e poderosa. Com isso, os arranjos encaminham-se paulatinamente ao fechamento, conduzidos por Petrucci e, depois, por intervenções interessantes de Sherinian e Myung.
http://www.youtube.com/watch?v=TSd9Oor5aD4

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IV. Scarred (Awake – 1994). Penso ser este o melhor álbum do DREAM THEATER. Como fã apaixonado, faltam-me palavras para adjetivar esta obra. Ou não: talvez apenas duas possam fazê-lo adequadamente: metal progressivo!

Pois bem, em um álbum com onze músicas beirando a perfeição, pode ser difícil dar conta de todas as ideias, assimilar tudo que a banda oferece. Mas Scarred está lá, escondida no final do "play".

LaBrie canta as dúvidas que o sofrimento impinge sobre todos nós. Mais do que isso: as marcas, as cicatrizes (scars) adquiridas ao longo da vida. O que pode explicar nossos reveses? Algo maior? Um Deus? Isto parece algo inacessível ("Can't hear it/We fear it/Awareness won't come near it"). Ainda que persistamos na fé ("I never lost my devotion/But somewhere fate went wrong"), os homens fraquejam e, por vezes, sucumbem à incredulidade — blasfemando ("You tell me I'm wrong/I'm risking my life/Still, I have nothing in return/I show you my hands/You don't see the scars/Maybe you'll leave me here to burn"). Porém, logo vemos que um tal desespero não pode ser o guia de nossa existência ("What if the rest of the world/Was hopelessly drowning in vain?/Where would our self pity run?/Suddenly everyone cares"). Há que se manter a convicção, seja em Deus, em um sentido maior ou na mera possibilidade de nossas relações com os outros ("And how come you don't understand me?/And how come I don't understand you?/Thirty years say we're in this together/So open your eyes"). De repente, redescobrimo-nos. De súbito, aprendemos. Os versos finais são emblemáticos ("Blood… heal me/Fear… change me/Belief will always save me; (…) I'm inspired and content").

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O som principia em um clima de mistério, suspense. Petrucci adentra o ambiente criado por Myung, Portnoy e o saudoso Kevin Moore, lembrando Alex Lifeson (RUSH). O excelente groove de Myung/Portnoy é sucedido por uma das passagens mais obscuras do álbum (2min10) e James LaBrie mostra todas as suas armas em pelo menos três temas vocais, chegando até o refrão (em 2min37, 3min16 e 4min35), o qual induz a uma quebra de sonoridade, dissipando a aura carregada que pairava. Em 5min12 temos um trecho de muito bom gosto, a guitarra de Petrucci soa limpa e agradável (outra marca de Awake). Por volta de 7min00, a seção instrumental final: pesada, complexa e espontânea. Petrucci esbanja virtuosismo e o faz muito felizmente. Scarred é uma faixa mais difícil de assimilar, no entanto sua audição cuidadosa é recompensadora.

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Concluindo, nota-se que (a) todas essas músicas são "miniépicos" cuja extensão gira em torno da casa dos dez minutos. Em todas elas há notórias progressões de temas e ambientes, desde uma intro marcante até um ápice de intensidade, e há variações de temas cantados, não se limitando a uma simples ponte e posterior refrão. (b) Feeling e virtuosismo na medida certa: vê-se guitarra e teclado em pé de igualdade quanto à excelência — em temas ou solos; sente-se a presença forte de John Myung; Mike Portnoy, como sempre, é genial; e James LaBrie alcança o topo com performances completas — lançando mão de vocais em regiões variadas e valendo-se de abordagens desde as mais suaves até aquelas mais agressivas. Em resumo: há estruturas e elementos similares, há tudo que se espera de melhor do DT, coletiva e individualmente. Há, portanto, (c) um ofuscamento que, para sorte dos fãs, se dá pelo excesso de qualidade dos trabalhos e não por qualquer outro motivo.

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Há inclusive um fio condutor temático a aproximar todas as quatro faixas — aliás, recorrente em toda a obra do DREAM THEATER: há que se ter fé, aprender e superar as dificuldades da vida (Scarred), mas não uma fé cega, baseada em mentiras e moralismos (Blind Faith) — antes: uma fé que se traduza em coragem para encarar este longo caminho (New Millenium), para que possamos construir algo mais do que esboços, linhas ou castelos de areia (Lines in the Sand), ou seja, para que ergamos uma fortaleza de espírito!

Pois que a música do DREAM THEATER continue a inspirar-nos todos — acima de tudo, fãs de rock.

Adendo: para comemorar estas redescobertas, que tal curtir o fantástico cover de Funeral for a Friend/Love Lies Bleeding de ELTON JOHN?

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Notas:
(1) Faço interpretações pessoais das letras que, como tais, são sempre passíveis de crítica.

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