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Misconducters: tendo no Underground seu porto seguro

Por Ben Ami Scopinho
Postado em 13 de agosto de 2010

O MISCONDUTERS é a forma com que Denfire, brasileiro da capital paulista, encontrou para se manifestar lá em Londres. Como qualquer imigrante, o cara ralou pra caramba em serviços de baixo escalão, mas também gravou três EPs com uma típica música underground, que mescla Punk, Heavy Metal e Rock´n´Roll.

A grana é pouca, mas Den já consegue se manter através da música, dando aulas de guitarra, tocando com o MISCONDUCTERS e mantendo o site www.rockonnection.com. O Whiplash! escutou "New Blood", com apenas três faixas, gostou do que ouviu e foi trocar umas idéias com seu idealizador, conversando um pouco sobre Brasil, Inglaterra, bandas, tragédias e algo mais...

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Whiplash!: Olá Den, como está? Você e sua banda são praticamente desconhecidos do público brasileiro... Que tal começarmos com uma breve biografia do Denfire e do próprio Misconducters?

Denfire: Fala Ben, tudo ok por aqui, e de cara quero agradecer pelo interesse. Valeu mesmo. Bom, nasci e cresci em São Paulo, até que decidi me mudar para Londres em 2003. Até então, havia tocado em algumas bandas por aí (nenhuma muito conhecida), sendo que a primeira foi formada com amigos da escola, quando tínhamos 13 ou 14 anos, lá para os idos de 1991. Os anos se passaram, formei outras bandas, fiz parte de outras, e no fim fiquei com um monte de músicas na mão que foram pouco tocadas ao vivo ou gravadas. Outras tantas nem sequer foram postas em prática. Percebendo que as coisas não iriam mudar por milagre, dei o fora de SP e vim ver o que Londres tinha a oferecer. Toquei com várias pessoas diferentes por aqui, fazendo inclusive muito busking (tocar no metrô em troca de gorjeta), até que finalmente encontrei um bom baterista que se dispôs a dar inicio ao embrião do Misconducters, tocando algumas das músicas que eu tinha na manga havia anos. Isso foi bem no começo de 2006 e o nome da banda era outro, até que decidi mudar para Misconducters em janeiro de 2008.

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Whiplash!: Já na Inglaterra, e antes do Misconducters, você teve outro projeto que terminou de forma trágica. O que realmente aconteceu por aí?

Denfire: Pois é, logo no meu terceiro mês aqui me juntei com mais três caras que estavam montando uma banda. Nesse caso, eu era só o guitarrista que contribuía com algumas músicas e arranjos, e o vocalista Cain Davidson era o showman, responsável pelo projeto. Chamávamos-nos Scarred Angels e chegamos a fazer apenas três shows, durante nossos oito meses de existência. Isso porque, logo após termos gravado um EP com três músicas, durante um ensaio, o Cain sofreu um ataque cardíaco fulminante. Estávamos tocando uma música chamada "Choke" e, logo após o solo de guitarra, ele deveria entrar cantando, mas em vez largou o pedestal do microfone e caiu no chão se contorcendo. Morreu em 15 minutos, antes de a ambulância chegar, literalmente nos nossos braços.

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Whiplash!: Os músicos que o acompanharam até agora eram todos de outras nações. Como é para um brasileiro, cujo temperamento é conhecido pela camaradagem, trabalhar com pessoas com culturas, muitas vezes, tão distintas?

Denfire: É engraçado você salientar ‘camaradagem’, porque o que mais fiz foi despedir gente (risos). Existe um choque cultural, mas sou maduro e não tolero mais egocentrismo, infantilidade, falta de disciplina e de respeito. Pode me chamar de velho. Não faz nem dois meses, despedi o baixista original, italiano, porque nos fez cancelar uma mini-turnê no País de Gales dois dias antes, além, claro, de já ter um histórico de vacilos. Já encontrei o Bryan, que não tem experiência nenhuma e tem um estilo totalmente diferente de tocar. Me pergunte perto do Natal para ver se a formação continua a mesma (risos).

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Whiplash!: Como você compara o desenvolvimento do Misconducters desde seu primeiro registro até o EP "New Blood", liberado há alguns meses?

Denfire: Evoluímos, sem dúvida. Era bem mais puxado para o Punk, principalmente por causa do baixista original. Apesar de que o baterista dos dois primeiros EPs só ouvia Power Metal, mais nada. Nesse meio tempo também troquei de guitarra, comprei um amplificador decente e, três meses atrás, um pedal de distorção animal. Eu nem usava pedal até outro dia, só punha no canal sujo do amplificador que tivesse no dia do show e já era. Os dois primeiros EPs, inclusive, foram gravados assim. Mas a melhor coisa que aconteceu foi ter mandado o baterista anterior embora, porque o Cai, que está na banda desde outubro passado (e gravou o "New Blood"), é muito mais versátil – fator essencial já que as músicas pedem, pois misturam Metal, Punk e Rock’n’Roll em doses iguais.

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Whiplash!: As capas de seus registros sempre se mostraram bem críticas em relação à sociedade – "You’re Asking For It" (08), é excelente! Mas "New Blood" não é tão direta, e sim passível de interpretação. Qual sua idéia por trás dessa ilustração, afinal?

Denfire: Cara, me alegra saber que você gostou da capa das ovelhas! Até hoje só tinham me perguntado o que significa ou falado que é tosca demais (risos). Elaborei todo o encarte, assim como o do "Braindead". No caso do "New Blood", o responsável por tudo foi o Cai, já que ele trabalha com computação gráfica. O título faz referência à sua entrada na banda.

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Whiplash!: Muitos dizem que a postura crítica é o elemento que garante a longevidade do Rock´n´Roll. O Misconducters segue as raízes do gênero e com todo um 'espírito combativo', mas como você encara o estilo praticado por essa nova geração?

Denfire: Bom, se for assim, não há duvidas que iremos durar para sempre (risos). Parece mentira, mas gosto de baladas, letras de amor e slow blues quando bem feitas e cantadas com emoção. Mas eu não tenho coragem (nem a manha) de escrever algo assim, então caio sempre para o lado contestador, que combina muito mais com o estilo da banda. Essa nova geração... Bom, escrevi minha primeira música aos 14 anos de idade, quando tinha uns quatro meses de guitarra, sob o titulo "The Fucker". Acho que dá para imaginar que não era uma balada emo (risos). Infelizmente, tudo se tornou cômodo. Bandas de screamo, metalcore ou até mesmo metal e punk, surgidas nessa década, em grande parte, são lamentavelmente vazias. Fica aquela gritaria sem sentido, tipo adolescente virgem. E se vangloriam disso, da agressão gratuita, da técnica acima do feeling, boa produção como sinônimo de qualidade musical. Isso quando não copiam bandas antigas, parte por parte. Do lado mais mainstream, o que posso dizer? Às vezes dou uma conferida na nova banda do momento. A última que vi foi um tal de Restart. É isso que acontece quando fica todo mundo querendo ser celebridade, só por ser. Cada vez menos é preciso ter talento. E não pense que é só no Brasil, porque a coisa aqui é triste também.

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Whiplash!: Mas, além do Rock´n´Roll visceral, confesso que me surpreendi com uma outra faceta sua, quando escutei "Let It Burn", seu álbum-solo liberado em 2008. Poderia falar mais sobre esse registro?

Denfire: Pois é, esse disco contém 10 músicas instrumentais, todas de minha autoria e que foram sendo gravadas durante um período de quatro anos. É uma mistura de rock, metal, blues, jazz e sei lá o que mais. Em 2004 comprei um estúdio portátil de oito canais, li o manual e saí gravando. O aparato já vem com um programa de bateria eletrônica, então fiz uso disso, além da guitarra e de um contra-baixo para arranjar inúmeras músicas. Inventei um nome para o projeto (Denfire), abri uma conta no MySpace (www.myspace.com/denfire) e comecei a botar algumas faixas lá. Quando percebi que tinha 10 boas composições, devidamente finalizadas, resolvi pô-las num CD. Acho que elas combinam bem como trilhas sonoras para filmes e programas televisivos, tanto é que já recebi propostas, mas nenhuma delas chegou perto de compensar o trabalho e a dedicação que me foram exigidos.

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Whiplash!: E como está sendo a recepção do público diante de "New Blood"? Até onde sei, suas apresentações atraem as mais variadas tribos...

Denfire: Cada vez mais pessoas estão conhecendo e tomando gosto pelo Misconducters. Chamam a gente para tocar no Brasil, Indonésia, Canadá, EUA... Mas tudo de maneira bem underground, então acaba não sendo possível devido à distância/custo. Por aqui tocamos com bandas de death metal, indie, hardcore, progressivo, o que vier. Não pertencemos a nenhuma cena, o que tem prós e contras. Conseguimos regularmente repetir shows com alguns promotores que gostam do nosso som, o que nos proporcionou a abrir para bandas como Discharge, Broken Bones, Midway Still, Disorder, English Dogs, entre outras das quais sou fã desde a adolescência. Por outro lado, ficamos de fora de vários eventos por não nos enquadrarmos em nenhum estilo 100%.

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Whiplash!: O cenário musical brasileiro tem melhorado muito em termos de bandas, ainda que, estruturalmente, há muito a ser feito. Cara, como você compararia o underground brasileiro com o que anda rolando em território inglês? As coisas são mais fáceis por aí?

Denfire: Estou impressionado com o número de novas casas e bandas que surgem no Brasil. A qualidade da produção (assim como o número) de CDs de bandas independentes está cada vez mais alto. Percebi também que estão trazendo muito mais bandas internacionais, inclusive de pequeno e médio porte, coisa que não acontecia anos atrás, tão freqüentemente. Talvez a estrutura por aqui ainda seja um pouco melhor, porque a pontualidade e a organização são aspectos culturais. O Brasil está melhorando bastante, mas ainda falta muito chão para se desvincular do ‘jeitinho brasileiro’ de fazer as coisas. Um ponto negativo de Londres é a quantidade absurda de concorrência; praticamente todo show nosso disputa com outros acontecendo a uma quadra dalí, um quilômetro ou dois, seja de bandas como UK Subs, ZZ Top, Converge, Diamond Head ou nomes mais underground que, não raramente, apresentam até um line-up mais interessante.

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Whiplash!: E o que faz para viver no Reino Unido, Den? Exerce alguma profissão além da música? Suponho que planos para voltar ao Brasil estejam fora de cogitação...

Denfire: Já fui pedreiro, assistente de cozinha, homem-placa, trabalhei em eventos e agora estou muito mais tranqüilo dando aulas de guitarra. É verdade também que tenho ainda menos dinheiro, mas prefiro assim. Voltar ao Brasil... Nunca digo nunca, mas não vejo isso acontecendo tão cedo. Gostaria muito de poder ir aí visitar, já que fazem quase três anos desde a última vez e a saudade é enorme.

Whiplash!: A mídia aponta que o Brasil tem melhorado em vários pontos. Expectativa de vida, economia, e por aí vai... O presidente Lula, mesmo envolvido em vários episódios vergonhosos, ainda consegue ter amplo respaldo da população, e inclusive parece ser bem visto entre os líderes das outras nações. Você, vivendo entre os europeus, consegue sacar a visão que o povo daí tem de nosso país?

Denfire: A política do Lula é a típica do ‘para inglês ver’. Já conversei muito mais sobre política com gringo por aqui do que faço hoje, mas posso dizer que a visão deles é sim um pouco distorcida, cada um a sua maneira. Muitos ainda vêem o país como uma selva, outros como um puteiro, ao mesmo tempo em que há muita gente absolutamente fascinada pelos brasileiros. Uma coisa que não conseguem entender é a brutal diferença entre classes.

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Whiplash!: E planos para este ano? Considerando que estão com bons três EPs, esta seria uma boa hora para liberarem um álbum completo...

Denfire: Temos músicas mais que suficientes para gravar um álbum completo – duplo até. O problema é sempre o mesmo: $$$. No penúltimo show que fizemos, porém, um estudante de engenharia de som se propôs a gravar umas sessões com a gente de graça, na faculdade dele, como parte de seu projeto final de curso. Semana passada fizemos um teste e foi ótimo, estamos agora ansiosos pela primeira sessão em setembro. Se tudo der certo, teremos mais duas sessões, o que será suficiente para finalizar um disco. Realmente espero que dê certo, pois é a melhor chance que nos apareceu até agora.

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Whiplash!: Den, o Whiplash! agradece pela entrevista, desejando boa sorte ao Misconducters. O espaço é seu para os comentários finais, ok?

Denfire: Eu que agradeço, muito obrigado mais uma vez! Espero que o leitor tenha se interessado pelo que leu e procure saber mais sobre o Misconducters. Para maiores informações, basta acessar www.myspace.com/misconducters. Caso queira entrar e contato, além do MySpace tem também esse e-mail: [email protected]. Valeu!

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Sobre Ben Ami Scopinho

Ben Ami é paulistano, porém reside em Florianópolis (SC) desde o início dos anos 1990, onde passou a trabalhar como técnico gráfico e ilustrador. Desde a década anterior, adolescente ainda, já vinha acompanhando o desenvolvimento do Heavy Metal e Hard Rock, e sua paixão pelos discos permitiu que passasse a colaborar com o Whiplash! a partir de 2004 com resenhas, entrevistas e na coluna "Hard Rock - Aqueles que ficaram para trás".
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