Rei Lagarto: "a internet ajuda imensamente os artistas"
Por Antônio Carlos Monteiro - Jornalista e crítico musical
Fonte: Rei Lagarto - site oficial
Postado em 08 de outubro de 2008
Com uma trajetória cujo início remonta ao começo dos anos 90, o grupo campineiro de hard rock REI LAGARTO experimentou, no início desta década, o auge de sua carreira. Porém, o inevitável desgaste interno acabou fazendo com que a banda desse uma parada nas atividades ali por volta de 2003. Porém, a sensação de que havia muito ainda a fazer falou mais alto e no final do ano passado Fabiano Negri (vocais), James Twin (guitarra), Yon Berry (baixo) e Ric Matos (bateria) pusessem as divergências de lado e voltassem à atividade. E que atividade! Em menos de um ano, o Rei Lagarto não só lançou um EP com músicas inéditas, Older, como voltou com garra aos shows que sempre foram o ponto alto de sua trajetória, culminando com mais um lançamento em disco, o ao vivo "Live at the Hammer". Além disso, o quarteto já compôs e está gravando seu terceiro disco de inéditas, "Road of Freedom" – os anteriores foram "Overdrive" (1998) e "Free Fall" (2001). Esse novo registro, aliás, está significando uma verdadeira revolução na forma de trabalho da banda, já que os músicos optaram por uma gravação prioritariamente caseira, mas sem abrir mão da qualidade do produto final. Fabiano e Yon concederam uma esclarecedora entrevista a respeito de todos esses aspectos.
(Fotos: site oficial)
A primeira pergunta é inevitável: por que a banda acabou se separando em 2003?
Yon Berry: "Acredito que no momento nos pareceu a melhor opção, pois estávamos todos bastante desgastados. Quase todos da banda estavam envolvidos com outros projetos paralelos e, com o excesso de trabalho, os eventuais atritos e problemas internos que surgem em quase todas as bandas acabam sendo amplificados. O fato que precipitou a separação de 2003 foi a saída do Ricardo Bocci, que decidiu deixar a banda para se juntar ao Viper. Mas sabemos que esse não foi o principal motivo, tanto que consideramos o Ricardo um bom amigo até hoje".
A segunda também é inevitável: por que vocês resolveram voltar agora?
Yon: "Quando o Fabiano e o Twin me propuseram a volta, junto com o Ric na batera, resolvi aceitar porque acho que a química que essa formação demonstrou ter nos palcos sempre foi algo especial. Além disto, ambos são excelentes compositores e eu tenho certeza que muita música de qualidade ainda vai surgir desta nossa parceria. Sem falar que, com o tempo, acabamos resolvendo nossas diferenças e descobrimos que temos muitos objetivos em comum".
Musicalmente, houve alguma mudança no Rei Lagarto?
Yon: "Acho que, embora a linha do hard rock que a banda segue não tenha mudado, estamos mais maduros e mais focados em nossas músicas e em nossas apresentações. Por outro lado, o Rei Lagarto sempre foi uma banda autoral, mas só com o crescimento da internet conseguimos realmente tornar nossa música mais conhecida e agora estamos prontos para levar nossa carreira ao próximo estágio".
Fabiano Negri: "Buscamos diversificar mais o nosso trabalho. O novo CD vai contar com um repertório bem mais diverso do que Free Fall. Temos heavy/hard ("N.I.L.E." e "Fireplace"), blues ("Can I Really Feel You?"), baladas, uma música acústica ("Hard to See") e por aí vai. Quando começo a compor, sempre tento criar melodias que gostaria de ouvir. Dou muita atenção a isso. E podem ter certeza que traremos o trabalho mais bem arranjado e produzido de nossa carreira. Mas também não gostamos do exagero... Queremos que tudo saia bem enxuto e que todos os elementos joguem para o time da música".
Vocês já lançaram um EP e, em seguida, um CD ao vivo. Por que optaram por lançar esses dois discos antes de um álbum de inéditas?
Yon: "Creio que lançar o EP foi importante, serviu como um marco para a volta do Rei Lagarto e para mostrar aos fãs o que a banda se propõe fazer nesta nova fase. O álbum ao vivo era algo que queríamos fazer há tempos. O Rei Lagarto é uma banda que se sente mais à vontade quando está nos palcos e creio que o 'Live at the Hammer' mostra bem isto".
O disco ao vivo saiu de forma independente. Por quê?
Yon: "Acreditamos que a internet mudou muitos aspectos da relação do músico com seu público, com as gravadoras e com o mercado em geral. Ainda estamos aprendendo como navegar dentro desta nova realidade e estabelecendo nossa estratégia neste sentido. Mas creio que em alguns casos, como o do nosso CD ao vivo, a liberdade e a agilidade que a independência proporcionam são vantagens nesta nova realidade".
Impressiona a qualidade da gravação do disco. O que vocês fizeram para atingir esse resultado?
Yon: "Passamos várias noites em claro (risos)... Sem brincadeira! Ensaiamos bastante antes do show, o que nos permitiu tocar com segurança, e tomamos o cuidado de fazer uma boa captação do áudio. Agora, é importante que o músico se dê conta de que uma das coisas mais importantes que ele tem ao seu alcance hoje é a possibilidade de montar um estúdio digital de baixo custo e de boa qualidade. Tanto hardware quanto software estão cada vez mais poderosos e acessíveis, e permitem que o músico tenha em sua casa um estúdio que possibilite fazer produções de excelente nível. Isso nos ajudou bastante a produzir um CD com uma boa qualidade de áudio sem fazer com que o custo de produção subisse à estratosfera. E o know-how que adquirimos nas produções anteriores da banda com certeza também ajudou bastante".
Por que vocês optaram por gravar no Hammer Rock Bar?
Yon: "Queríamos gravar em Campinas, por razões óbvias – é onde a banda nasceu e onde vivemos, portanto, nosso primeiro registro ao vivo não poderia ser gravado em outro lugar. Decidimos pelo Hammer pelo fato de ser uma casa que sempre nos recebeu muito bem e que tem uma grande importância hoje no cenário nacional".
Qual tem sido a repercussão do disco até aqui?
Yon: "Quem já era fã da banda adorou o disco, quem nos odiava continuou odiando (risos). E o disco serviu para apresentar a banda a um público novo, muita gente nova conheceu o Rei Lagarto pelo fato de termos colocado as musicas na internet, e tivemos uma excelente recepção por parte de quem ainda não nos conhecia".
Fabiano: "Além disso, todos têm elogiado bastante a produção e a sonoridade do trabalho. Isso nos ajudou a perceber que podemos nos auto-produzir".
Vocês citaram há pouco que estão trabalhando num novo CD de inéditas. Quando ele sai?
Yon: "As músicas estão todas prontas, já fizemos grande parte da pré-produção e já gravamos alguns dos instrumentos em algumas delas. Agora no final de 2008 pretendemos acelerar a produção para tentar lançá-lo no início do ano que vem, mas ainda não temos uma data precisa".
Fabiano: "Tudo está sendo feito com calma, mas acho que no inicio do ano que vem tudo estará pronto. Estamos tentando buscar o melhor de cada um, sem nos impor qualquer tipo de pressão".
O que podem adiantar sobre ele?
Yon: "Ele vai ter 10 músicas novas dentro da linha do hard rock que a banda vem seguindo desde a entrada do Fabiano e do Twin. Neste disco, procuramos dar atenção especial aos arranjos, que estão bem diversificados. Procuramos criar desde arranjos mais elaborados até aqueles bem despojados, de acordo com o que a música pede. Na minha opinião, as composições que temos são as melhores que já fizemos, estou muito feliz com o resultado".
Fabiano: "Diversidade, boas melodias e bons arranjos. Essa é a melhor definição dele. Procuramos buscar climas diferentes para cada música, mas também não somos muito inovadores no que fazemos. Todos poderão sentir nossas influências nas faixas. Nosso som é totalmente calcado no hard dos anos 70, mas utilizamos de toda a tecnologia que está à nossa disposição para fazer com que a sonoridade seja atual e o material não soe datado".
Vocês já adiantaram que o disco conta com a participação de Aquiles Priester, do Hangar e do Angra. Por que optaram por ele e como foi gravar com ele?
Fabiano: "Sempre pensamos em chamar algum músico convidado para um CD nosso. O nome do Aquiles soou meio natural pra nós, já que ele é um dos melhores bateristas da atualidade. Sempre tive a curiosidade de ver como ele se sairia tocando um som totalmente diferente do que ele está acostumado. E o cara matou a pau, além de ser muito gente boa".
O disco terá algum outro convidado?
Fabiano: "Por enquanto, não há nada definido nesse sentido, mas até o final da produção tudo pode acontecer..."
Pelo que sabemos, o disco está sendo gravado num sistema de gravação que poderíamos definir como "meio caseiro". Como é exatamente essa forma de gravação?
Yon: "É como eu disse, hoje é possível montar um estúdio digital de boa qualidade e com baixo custo. Acho até mesmo que isso tem se tornado uma necessidade para o músico independente que pretende manter uma produção musical consistente. Alguns dos instrumentos em algumas das faixas ainda precisam ser gravados em estúdios convencionais, mas a maioria está sendo captada nesse novo formato. Gravar em estúdio próprio, sem restrições de tempo, permite uma liberdade muito grande de experimentação, além de dar a possibilidade de capturar sempre a melhor performance do músico. Mas ainda vamos utilizar um estúdio convencional para masterização do álbum, pelo menos por enquanto".
O que vocês estão fazendo para garantir a qualidade da gravação já que optaram por esse sistema?
Yon: "Antes de mais nada, estudamos muito todas as opções disponíveis no mercado, até descobrir aquelas que melhor atendem às nossas necessidades. Também adquirimos know-how através de treinamento e nos informamos bastante sobre as ferramentas que vamos utilizar. Adquirimos o melhor equipamento que nos foi possível e estamos tendo bastante cuidado para captar as melhores performances com uma qualidade de áudio adequada. O disco ao vivo foi uma primeira experiência neste sentido, com ótimos resultados".
Fabiano: "Tenho certeza de que a galera vai se surpreender quando ouvir a produção desse álbum, será diferente de tudo que fizemos até então!"
Vocês vão escolher uma "música de trabalho"?
Fabiano: "Será 'Lady', que é uma música comercial mas sem ser apelativa. Tem um ótimo refrão e uma melodia de fácil assimilação".
E videoclipe, vocês pretendem gravar?
Fabiano: "Sim da própria 'Lady'. Logo vamos ter mais informações sobre esse assunto".
Hoje em dia, com a troca de arquivos pela internet, ainda é um bom negócio, financeiramente falando, gravar um disco? Tendo isso em vista, qual o objetivo de vocês com o lançamento de "Older, Live at the Hammer" e "Road of Freedom"?
Yon: "Hoje é muito mais fácil (e mais barato) para uma banda independente lançar um CD, colocá-lo no mercado e alcançar o público em um volume que antes nem se imaginava. Neste sentido, é financeiramente viável para uma banda independente como a nossa lançar um CD. Mas acredito que, para as bandas que se encontram na mesma situação que nós, o objetivo não é mais vender milhares de CDs e ganhar dinheiro com isso. Creio que a internet mudou tudo, não apenas por causa da troca de arquivos, mas pelo fato de que ela mudou as relações entre o músico, seu público e o mercado em geral. Na era da informação, os antigos formatos da música, enquanto produto, perderam muito espaço, e creio que vão deixar de ser a principal parte do lucro dos músicos para se tornarem coadjuvantes numa estratégia mais ampla de participação no mercado. Antigamente, a banda queria se tornar conhecida para vender seus discos e faturar em cima disso. Hoje, elas estão buscando novas formas de distribuir sua música para atingir a maior parcela possível do público. Neste sentido, o lançamento dos nossos álbuns faz parte de uma estratégia de marketing e a banda conta com a diversificação de seus produtos para garantir o faturamento que torna possível continuarmos com nossa produção musical".
Então é possível dizer que, ao contrário do que alguns dizem, a internet ajuda os artistas...
Yon: "Ajuda imensamente e de muitas formas. Ajuda não apenas o artista a atingir mercados a que não teria acesso sem a internet, mas também oferece ferramentas para colaboração, obtenção de feedback imediato, reduz custos e acelera a produtividade. A internet é hoje uma das ferramentas mais importantes para o artista hoje em dia e cria possibilidades que antes nem se imaginava. E estamos apenas no começo, muitas outras transformações ainda vão acontecer".
Fabiano: "Antes era difícil divulgar a banda para 100 pessoas. Hoje você pode levar seu som a milhões sem sair da sala da sua casa".
Vocês estão anunciando também o lançamento do primeiro DVD do Rei Lagarto. Quando ele será lançado e o que ele conterá?
Fabiano: "Estamos começando a organizar as idéias. Temos muito material filmado e queremos lançar um produto de qualidade. Além de imagens de shows, vamos incluir um documentário sobre a banda. Mas no momento isso não está sendo prioritário, já que estamos com todas as atenções voltadas para o 'Road of Freedom'".
Vocês já estão fazendo vários shows. Como eles têm sido? O público de vocês ainda é o mesmo? E vocês estão sentindo uma grande mudança na cena do rock?
Yon: "Os shows têm sido ótimos. Para mim, é sempre uma experiência incrível dividir o palco com meus companheiros de banda e interagir com nosso público é sempre uma alegria. Quando estamos produzindo nossos álbuns, acabamos fazendo menos shows e fico até meio que em crise de abstinência (risos)! O nosso público mudou, se renovou e isso também é muito bom. Muita coisa vai mudar na música em geral por causa da internet, mas eu acredito que o espírito do rock nunca mudar e que sempre vão existir aqueles que procuram música de qualidade, feita por quem ama aquilo que faz".
Fabiano: "É bom saber que ainda existem pessoas que gostam de determinada banda mesmo ela não sendo do mainstream. Por sorte, o Rei Lagarto tem fãs que admiram nosso trabalho e realmente se importam com a banda. Sempre encontramos com eles nos shows e isso dá muita força pra gente seguir em frente. Não podemos decepcionar essas pessoas que podem não ser milhares mas que realmente se importam com o que a gente esta fazendo".
Para finalizar, qual o objetivo de vocês em relação à banda e à carreira de cada um?
Yon: "Eu espero que a amizade, a confiança e a dedicação pessoal que temos nesta banda continuem a crescer. Isso vai tornar possível que continuemos com nosso trabalho, lançando material de qualidade e fazendo nossos shows. O resto é conseqüência do trabalho e acredito que uma banda que funciona com esses princípios tem uma ótima oportunidade de crescimento pessoal e profissional".
Fabiano: "Fazer o que a gente gosta e tentar divulgar a nossa música da maneira mais abrangente possível. Gostamos muito de fazer o nosso som. Sabemos das dificuldades de ter uma banda do nosso estilo no Brasil mas não damos a mínima pra isso. Não vamos fazer um som de que não gostamos para tentar atingir um sucesso maior. Há algum tempo, fui convidado para fazer um CD de música pop cantado em português. Aceitei pra ver o que dava. Foi ali que eu percebi que não vale a pena você negar suas raízes para tentar buscar algo financeiramente mais rentável. Música é algo que tem que envolver sentimento, senão o resultado é lixo na certa!!!"
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