Trent Reznor: Frustração e Fúria. Leve. É de graça
Por Suellen Pareico
Fonte: Nine Inch Nails Brasil
Postado em 10 de junho de 2008
A primeira entrevista de Trent Reznor depois do lançamento do álbum "The Slip" foi publicada no The New York Times.
Segue abaixo a tradução, feita por Suellen Pareico:
A casa de Trent Reznor é no subúrbio de Beverly Hills, numa confusão de ruas de mão única que confundem o navegador GPS de um carro alugado. Está situada numa vertiginosa ladeira com uma vista panorâmica do centro poluído.
No momento, Reznor está vivendo lá. O lugar se tornou um terreno de construção em grande escala, depois de um restauro na cozinha que se espalhou pela casa toda. Mas um aposento permanece limpo e sem poeira. É o estúdio onde Reznor, gravando como Nine Inch Nails, fez os dois álbuns que entregou esse ano: o pacote instrumental "Ghosts I-IV" e a última coleção de músicas do Nine Inch Nails, "The Slip," que foi lançada como um download gratuito no site nin.com em 5 de maio.
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"Esse é por minha conta," Reznor anuncia na Web Page. O álbum foi baixado mais de um milhão de vezes antes do final de maio, de acordo com ele. Uma versão em CD de "The Slip" é prevista para pouco tempo antes do Nine Inch Nails começar sua turnê em 25 de julho em Vancouver.
"Deixando de lado qualquer tipo de monetização, estou feliz em saber que um milhão de pessoas tem isso em seus iPods," diz Sr. Reznor. "Se você pagou por isso, ótimo, mas eu quero que todo mundo escute, sabe? Eu quero sacudir a mente das pessoas."
Ele se juntou ao êxodo de superstars das grandes gravadoras. Representantes com grande público e marcas estabelecidas como Radiohead, Madonna e o Eagles não mais precisam da influência das gravadoras que criadoras de celebridades. Eles calculam que podem fazer melhor e têm mais opções fora do sistema antigo.
Agora que Reznor terminou seu contrato com a Interscope Records, ele está seguindo seus impulsos quanto a lançar música. "Eu não tenho que pedir permissão," ele diz. A situação é conveniente para seu negócio e seu temperamento. Em "Head like a Hole," o climax dos inúmeros shows do Nine Inch Nails, ele canta, "Eu prefiro morrer do que dar a você o controle."
Trent Reznor, 43, é uma combinação de recluso, showman, romântico torturado, wokaholic e nerd – que pode ser uma personalidade bastante útil para um músico da era digital. Suas músicas tornaran-se hinos perpétuos de adolescentes pois elas falam sem pensar sobre frustração, fúria e auto-aversão, num balanço dramático de melodias pop e barulhos lacerantes e agourentos. E numa conversa, ele não esconde pensamentos negativos. "O medo governou minha vida, se eu pensar sobre isso," ele diz. "Eu nem sei por que estou dizendo isso numa entrevista, mas eu sempre senti que não sou bom o suficiente, por alguma razão. Eu queria que não fosse o caso, mas quando estou fazendo o que quero, essa voz começa a falar."
Ele pergunta nas músicas do "The Slip," se ele é relevante. A música revive o passado do Nine Inch Nails, do hard rock para batidas dance, para baladas no piano e para instrumentais implacavelmente construídos. Ainda, no meio das batidas fortes da bateria e das guitarras distorcidas – o som da juventude irada – Trent considera seu lugar no presente. "Comece novamente como se não importasse mais/Eu não sei se importa," ele canta em "1,000,000." Sobre o Nine Inch Nails, Reznor diz "é uma coisa agressiva, honesta, nua, furiosa e feia. Eu não escuto ninguém fazendo nada parecido com isso no momento, que eu saiba. Talvez haja, mas não parece que é o tempero de hoje."
Como músico e fã, Trent Reznor é um roqueiro das antigas que é devotado ao disco como uma unidade criativa a ser saboreada e considerada como um todo. Mas ele também reinventou a si mesmo como um adepto da era digital. Diferente do Eagles e Radiohead, ele não leva anos para fazer os discos; ele reconheceu que enquanto ele cresceu tratando um disco como um romance, jovens ouvintes, fazendo downloads gratuitamente e colocando seus iPods no shuffle, mais provavelmente tratariam como uma revista.
Reznor deixa sua música viajar livremente na velocidade da internet, aumentando os conceitos do álbum em universos paralelos online. Ele é familiarizado com sites de compartilhar arquivos e blogs de música, incluindo aqueles que o aborrecem por fazer críticas insensatas ao Nine Inch Nails. Tocando ao vivo, seu laptop agora substitui pedais e efeitos. Ele mesmo posta online todas as faixas digitais dos discos do Nine Inch Nails para qualquer um remixar. "Eu acabei com eles," disse ele. "Por que não?"
O "Ghosts I-IV" surgiu de de idéias depois da turnê de 2007, que Reznor fez um disco "com muito pouca premeditação," diz ele. Ele lançou o álbum em março, o disponibilizando em vários formatos, de uma versão download pechincha de $5 para CD's e LP's padrão, até uma edição limitada de luxo de $300 com CD's, vinil, DVD's e arte. (As 2,500 cópias desse conjunto foram vendidas imediatamente, para um total bruto de $750,000 que agora vale $500 no eBay.)
"The Slip" foi feito em três semanas de horas de estúdio, depois de um mês de composição. Durante as sessões, ele enviou uma música, "Discipline," para estações de rock, que a colocaram no Top 10. A nova música, Trent reconheceu, confia mais frequentemente em reflexão do que em discos como "The Fragile" (1999), no qual todos os sons são assiduamente formados; ele disse que espera que seu próximo projeto leve mais "tempo editorial." Com "The Slip," contudo, ele terminou de gravar as músicas numa quarta-feira e completou as mixagens, masterização e gráficos para lançar o disco cinco dias depois. "Foi divertido," disse ele. "Você nunca poderia ter feito isso antes."
Para lançar "Ghosts I-IV" e "The Slip" online, Reznor descobriu que precisava de um software para distribuir arquivos digitais, reunir database e conectar facilmente com outras aplicações. Isso também será disponibilizado em breve gratuitamente. "Nós gastamos o dinheiro para fazer isso," disse. "Aproveitem."
Ficar independente "era um sentimento estranho," ele disse. " Era doce e amargo. Era a felicidade: 'Nós estávamos finalmente livres dessa burocracia. Ah, não, agora o que a gente vai fazer?'"
Os sons crescentes, ferozes e desoladores do Nine Inch Nails emergem de um estúdio do tamanho de uma sala de estar confortável. Tem cortinas brocadas da Borgonha em drapeados de veludo vermelho sobre paredes de madeira compensada: à prova de som com um toque Gótico. Sintetizadores análogos e teclados digitais um em cada canto, com guitarras presas no meio. Um console de gravação e auto-falantes ocupando uma parede inteira, ao lado um computador em cima de um gabinete de hard drives com bibliotecas de música e discos.
Desde que Reznor é proprietário do estúdio, os custos da gravação são na maior parte para pagamentos a engenheiros, artistas visuais e vários músicos convidados – mas não muitos, para mantê-lo auto-suficiente. A organização é central para a nova fase de Reznor como empresário autônomo. "Esse é o ponto de impacto," ele disse a um visitante.
Reznor não tem uma solução geral para como sustentar uma carreira de longa duração como músico de estúdio, muito menos começar uma, quando ouvintes baixam músicas de graça. " Está tudo lá fora," ele acrescentou. "Eu não concordo que deveria ser de graça, mas é de graça, e você pode tanto aceitar quanto enfiar sua cabeça na areia."
Ele sabe o que não quer fazer: fazer de sua música um acessório de marketing. "Atualmente, fazer somente boas músicas, ou excelentes músicas, não é o suficiente." disse Reznor. "Agora eu tenho que vender camisetas ou escolher qual associação cafetina é a menos fedida. Eu realmente não quero estar no lado de um ônibus ou num num anúncio da BlackBerry vendendo algum produto que é uma droga somente para poder lançar meu disco. Eu quero manter alguma dignidade e respeito-próprio no processo, se é que isso é possível hoje em dia."
Nine Inch Nails era uma banda de vendas multi-milhorárias nos anos 90 e tem permanentemente suprido os mais leais seguidores do rock, enchendo estádios nas turnês.
Ano passado, Reznor produziu e bancou um álbum para o poeta hip-hop de consciência social Saul Williams, "The Inevitable Rise and Liberation of Niggy Tardust." Quando as gravadoras não quiseram, Trent colocou online: grátis para os primeiros 100,000 que fizerem download como arquivos MP3 de boa qualidade ou $5 por arquivos com maior resolução. Ele pensou que os fãs pagariam de boa vontade para apoiar os músicos diretamente. Mas menos de 20 por cento o fez. "Eu acho que fui ingênuo."
Na época ele chamou o projeto de fracasso, mas reconsiderou. "O número de pessoas que pagaram pelo disco, em relação às pessoas que pagaram por esse último disco foi maior," ele diz. "Ele fez muito mais dinheiro com esse disco do que com o outro. Fez crescer o valor do seu nome provavelmente dez vezes mais. No fim do dia, contando os downloads gratuitos, foi provavelmente cinco ou seis ou sete vezes maior do que o montante vendido em seu último disco. Eu não sei como você pode olhar para aquilo como um fracasso."
Reznor deu partida para o autônomo digital. Ele gravou a maior parte das músicas do Nine Inch Nails virtualmente sozinho, como uma banda de estúdio. Sob seu contrato de gravação na Interscope, ele mantinha controle total, submetendo gravações prontas, trabalhos de arte, anúncios e vídeos para a gravadora. Seu último disco pela Interscope, "Year Zero", utilizou seu orçamento de$2 milhões para ir adiante, aumentando sua visão de um futuro de opressão para materiais elaboradamente unidos online e offline - para fãs encontrarem e decodificarem. Reznor tem trabalhado com Lawrence Bender, o parceiro de produção de longa data de Quentin Tarantino, para criar uma série para TV a cabo para contar toda a história.
Agora, Trent está mais imerso do que nunca, em todos os detalhes. Em alguns dias em Los Angeles no meio de maio, ele não somente ensaiou com sua mais recente banda, mas também delineou minuciosamente sua produção de palco.
Antes do primeiro ensaio com toda a banda no complexo de Burbank, ele teve uma conferência de uma hora com a Moment Factory, uma empresa de alta tecnologia em Montreal. Seu olhar para tecnologia continua colidindo com seu orçamento. "Eu não ganho nenhum dinheiro por que gastei na produção," ele diz. "Mas não posso perder dinheiro para fazer shows."
Com seu co-conspirador gráfico de longa data, Rob Sheridan, ao seu lado e um email na tela de seu laptop da Mac, Trent passou por um aguardado setlist, música por música, com a Moment Factory explicando onde três telas de vídeo gigantescas irão ficar e quais efeitos desorientadores ele quer dos programadores – como ser capaz de mover um frame de vídeo através de um músico que também mudou o som de sua guitarra. " O que estou tentando fazer é usar o palco como um instrumento interativo," comentou. "Estou no mundo da ficção científica agora."
Nine Inch Nails está no circuito de arena desde meado dos anos 90. Como o público de Reznor cresceu, também cresceram suas ambições e seu lado auto-destrutivo: alcolismo e vício em heroína. Ele passou por uma reabilitação em 1997, mas distanciou-se enquanto trabalhava no "The Fragile" durante dois anos. "'The Fragile' acabou comigo," disse ele.
Depois da turnê do "The Fragile," Reznor ficou em silêncio por cinco anos. Ele tem estado sóbrio desde 2001, mas não lançou outro álbum até "With Teeth" em 2005. Ele temeu que sem seus vícios, ele não seria mais criativo; também temia em tornar-se obsoleto. "Eu sei quantos anos eu tenho," ele diz. "Não estou tentando enganar ninguém."
Houve outra turbulência: disputas processuais com seu primeiro empresário, durante o qual ele percebeu que concordou sem pensar com comissões de 20 por cento de seu ganho total bruto e não o valor líquido. Em 2005, um juri o premiou com $2.85 milhões por perdas e danos. "With Teeth," que ele disse soar como"muito cauteloso" para ele agora, proporcionou um novo começo e vendeu meio milhão de cópias em meio ao mergulho das vendas de CD.
"Hoje em dia eu trabalho muito, eu acho, por que me faz me sentir bem," ele comenta. "Eu não sei como fazer isso num relacionamento. Eu não tenho uma família. Eu gostaria de ter uma. Eu só, de alguma forma, não consegui isso ainda. Mas eu sei que se eu trabalho, é provável que faça algo que tenha orgulho e isso me dê um sentido de mérito. Não por dinheiro ou fama – é, eu me sinto bem com isso. Então, como qualquer bom viciado, se eu encontrar algo que me faça bem, se me faz bem, talvez fazendo duas vezes mais, me sinta bem duas vezes mais, você sabe. ..."
Seu dia tinha apenas começado. Havia uma sessão de fotos, um ensaio com a banda, mais trabalho no palco. "Me faz parecer legal," disse ele se despedindo. Ele se conteve e riu.
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