Cólera: "Acorde! Acorde! Acorde!" - O legado da maior banda punk do Brasil
Resenha - Acorde! Acorde! Acorde! - Cólera
Por Rodrigo Dias
Postado em 01 de agosto de 2021
"Acorde! Acorde! Acorde!" é o mais novo álbum da banda punk paulistana Cólera! É o nono trabalho de estúdio e o primeiro com Wendel Barros nos vocais, substituindo de forma primorosa e honrosa o lendário Redson Pozzi, falecido em 2011.
O Cólera teve início em 1979 e primariamente sua intenção era fazer rock’n’roll, mas por influência de toda a agitação que ocorria na época, naturalmente foi ganhando a identidade punk. Em 1982, gravou junto com os Inocentes e Olho Seco o disco Grito Suburbano, um marco para a produção fonográfica independente brasileira. O movimento punk paulistano por si só já é de grande importância para todo a história do rock brasileiro, através da sua atitude do "faça você mesmo!", ele estimulou o surgimento da maioria da bandas dos anos 80. O Cólera foi uma das primeiras bandas a fazer turnê fora do Brasil apresentando ao mundo a sonoridade do punk brasileiro. Em 2011 ela sofre o pior baque que uma banda pode sofrer com o falecimento precoce de Redson Pozzi, o front-man da banda. Renovada e prestes a completar 40 anos, hoje a banda segue a sua carreira com muita a força e energia, honrando a sua história e seu legado, se mantendo fiel ao discurso de suas letras, sempre carregadas de protesto, pacificação e apelo social. A formação atual da banda é composta por Pierre Pozzi na bateria e voz, Val Pinheiro no baixo e voz, Fábio Belluci na guitarra e Wendel Barros na voz principal.
Este novo disco, produzido entre 2014 e 2017 pelo selo EAEO Records e financiado coletivamente pelos fãs através de uma campanha de crowdfunding, é um marco na carreira banda. O álbum reúne 16 canções, sendo três faixas bônus com Redson nos vocais em uma gravação demo feita em 2009 (talvez essas três faixas sejam as últimas gravações de estúdio que ouviremos com Redson Pozzi). A sonoridade do disco carrega toda a identidade musical do Cólera que estamos acostumados, punk rock marcado com a bateria e baixo pontuais dando o ritmo, riffs pesados, solos bem trabalhados e as letras, como sempre, diretas e francas. Um destaque para o vocal de Wendel que não deve nada a voz de Redson, o timbre e a intensidade muito parecidos.
"Somos Cromossomos" abre o disco com a mensagem "Abra a porta, acenda a luz. Acorde pra acordar… Pra onde eu vou correndo, eu nem mesmo sei. Abre a porta e aumenta o som, bípedes pensantes querem comunicação..." faz um convite para refletirmos sobre o que estamos fazendo de nossas vidas nesse ritmo frenético do dia-a-dia que nos faz esquecer quem somos e porque aqui estamos, logo de cara já é um empurrão que nos tira da zona de conforto. "Festa no Rio" é o segundo som e narra a necessidade de uma festa punk em nosso cotidiano. Quem já participou de uma vai entender direitinho do que se trata. Na sequência vem "Capacetes Vermelhos", música que já vinha sendo trabalhada nos shows, a música carrega um certo saudosismo aos tempos de glória e ingenuidade adolescente.
"Décimo Terceiro" e "Creation" quarta e quinta músicas do álbum são claramente críticas ao capitalismo, a primeira fala sobre a ilusão da ostentação e consumismo "...Ostentando o que não pode ter. Impulsivos gastando sem perceber…" e a segunda sobre como o capitalismo pode ser cruel e abusivo com as pessoas "...Sempre tem alguém sugando alguém. Então inventa e tenta essa droga mudar!...". O disco segue com "Mil turbulências", metafórica e religiosa (ou anti-religiosa), o som traz um arranjo bem trabalhado de metais. "Supressão" fala sobre o enfrentamento à opressão, alienação e censura. "Ska-metal" o som bem trabalhado, junção de punk rock com ska, fala sobre preconceito, pluralidade e tolerância.
As próximas 5 faixas é uma pérola a parte de todo o disco, quiçá a toda carreira da banda, e deve ser encarada com muita atenção, principalmente com o momento sócio-político ao qual vivemos, se trata de uma ópera punk que pode ser muito inspiradora para dramaturgos e cineastas. A Ópera do Caos, idealizado pelo Redson que segue a mesma linha de uma ópera rock, podendo ser facilmente comparada com o emblemático álbum "The Wall" do Pink Floyd, (que mais tarde ganhou um filme e fez todo sentido), não por tratar de temas e gêneros iguais, mas por tratar de músicas independentes que seguem uma narrativa.
A Ópera do Caos é divida em cinco atos: "Mr. Gamble" é o primeiro ato, fala sobre um chefe de estado manipulador, sedento pelo poder que quer recrutar um exército dispostos a morrer por ele. "Mezza, Mezza" fala sobre um indivíduo que se redescobriu e se libertou. Aborda autoconhecimento e revelação. "Fá Dó Lá" é o terceiro ato, fala sobre a manipulação e alienação massiva, enquanto o sistema prepara o golpe, a mídia distrai os tolos, mas o homem liberto consegue enxergar e se desviar desses ataques. O climáx "O Caos", quarto ato, o caos já está instaurado, os libertos serão perseguidos e o tirano impõe de forma violenta a sua lei perante a população escravizada e refém do medo. "Hino", traz uma bela melodia, é a apoteose da obra, nos leva aos anos 60 em pleno golpe militar, repressão e direitos banidos, seguidos dos anos 70 que depois de anos sem liberdade surge a resistência, o punk e o rock’n’roll viram ferramenta contra a opressão, movimentos se fortalecem, enfraquecem o regime até que o derruba, "Em todos os pontos da cidade, manifesto, subversão. Ao chegar o amanhecer, estamos vivos e ao vivo, face a face com você…". Obviamente o Redson não escreveu essa ópera com a ciência da situação política que vivemos atualmente, mas ele viveu os anos 70 e foi uma pessoa muito bem informada, mas essa ópera punk faz uma alusão direta a nossa realidade atual.
O álbum fecha com o repeteco das três primeiras faixas mas com Redson nos vocais em uma gravação demo de 2009.
Essa nova fase do Cólera está sendo bem aceita pela maioria do público. Eles continuam com a pegada, sempre com muita energia e consciência, mantendo o legado do Redson ativo e presente. Viva a resistência, viva o punk. Viva o Cólera!
FONTE: O Puro Creme do Milho
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