Florbela Espanka: Transgressão e Poesia no EP Morte e Vida Suburbana
Resenha - Morte e Vida Suburbana - Florbela Espanka
Por J.P. Rocha
Postado em 04 de agosto de 2020
Karl Marx seria punk? Essa pergunta constitui um experimento mental interessante e adequado, mesmo que anacrônico, para entendermos a proposta do duo mineiro de Juiz de Fora, auto proclamado "cyber punk", Florbela Espanka., que no dia 29/07, lançou seu primeiro trabalho, o EP Morte e Vida Suburbana (2020, independente). Constituída pela síntese dialética entre os esforços criativos de Bruna Rodrigues (Vocal, Guitarra e Piano), e Bruno Balboa (Bateria, Guitarra), Florbela Espanka é uma banda que só pode ser descrita dentro desse universo, o do punk, o que aqui não é uma limitação, pois além desse universo ser vastíssimo, em verdade implica marcar uma posição, sendo, portanto, mais do que tudo, uma definição política.
Muitos certamente diriam que sim, Karl Marx seria punk, até porque o "filósofo da práxis" sempre foi um livre pensador, independente e engajado na causa dos despossuídos, sempre à margem da sociedade, como a própria palavra Punk, que antes de cair no imaginário coletivo e social, abriu caminho pelo significado originário, algo como "marginal", vinda da língua de Shakespeare e da Rainha Vitória, também dos piratas, e que só a partir de um movimento contracultural de contestação e revolta, passou a significar arte, ainda que uma arte violenta. A palavra Punk passou pois a encarnar esse espírito, algo como a ousadia e a atitude de se pensar e fazer as coisas por si mesmo, sendo que os membros da Florbela, podem ser incluídos no grupo dos que consideram Marx punk, mesmo que isso seja anacrônico, já que talvez seja punk, justamente por ser anacrônico. Eles também fazem as coisas por si mesmos. Ousam saber. Sendo assim, o que faz do trabalho da Florbela como banda ser mesmo punk, não é "apenas" sua música ser agressiva, ou seus conceitos serem filosóficos e políticos, mas também é claro, sua atitude ser sobretudo, independente e autônoma, encarnando ideias como feminismo e contestação.
É fato que o punk se tornou maior que suas origens. Aqui no Brasil, os Ratos de Porão lançaram o seu Crucificados Pelo Sistema, influência definitiva para Florbela, seja na forma, seja no conteúdo, "pois o FMI não está nem aí", tanto quanto o "general morte tem um porco na garganta", e as músicas são curtas e rápidas.
Na literatura o punk teve tanta influência, quanto foi influenciado, e de novo estamos falando tanto do movimento punk; universal abstrato, quanto do punk movimentado, até revisto; no concreto singular da Florbela Espanka feita projeto cultural: Burroughs certamente poderia ser considerado punk; um literato "beat" que se aventurou na ficção científica, gênero de onde veio o Cyberpunk, outra influência literária do punk no punk do cyber da Florbela, que se inclui pertencente ao gênero, de novo um anacronismo. Mas o motivo? O fato de nosso mundo ser o mundo descrito no romance inaugural de William Gibson, Neuromancer; o livro que começa justamente com a epígrafe deste texto, sendo a mesma de que certo modo é a do EP, cuja capa ilustra bem; (que é)"o céu acima do porto, tinha a cor de uma televisão fora do ar. Sintonizada num canal morto." O céu cinzento do capitalismo tardio e dependente que a Florbela lembra; esse é o nosso mundo, o mundo que é um mundo com alta tecnologia e baixa qualidade de vida.
Alta tecnologia (o suficiente) para produzir um EP de forma independente em casa, durante uma pandemia, mas com baixa qualidade de vida na incapacidade social de se resolver os problemas políticos básicos, vendo a estupidez que se espalha como uma doença contagiosa, dia após dia.
A resposta da Florbela para casar a delicadeza da literatura com a força do Punk, é uma agressividade poética. Na sonoridade, o duo vai fundo na estética Riot Girrrl alternativa e revisitada, buscando uma atualização, seja dos conceitos estético-musicais adotados, seja da filosofia da composição, da banda como conceito, e do conceito das composições em si, pois o próprio nome da banda como projeto, é um desses autênticos e propositais(mais alguns) anacronismos da linguagem experimental "punk", porque ao invés de "Espanca", como é o nome original da poetisa, eles grafam Espanka, com "K", para mostrar que essa é a conversão da poesia em português ao punk rock, ou a conversão do punk rock à poesia lusófona, que é aliás, o que eles fazem.
No EP, cujo título é uma releitura do livro belo, crítico e árido de João Cabral de Melo Neto, "Morte e Vida Severina", o duo colocou três faixas em menos de cinco minutos, onde com minimalismo e capacidade de síntese, realizaram uma colagem de elementos autorais capazes de pintar um quadro complexo. A primeira faixa é; 1 – General Morte – Uma crítica ácida e bruta ao capitalismo e sua face mais agressiva; a guerra. Sem considerar que não, as guerras não foram invenções do capitalismo, mas levando em consideração que como contingência histórica ele as administra muito bem, incluindo a violência policial do dia a dia, essa faixa é uma dura crítica a toda violência física e simbólica que a ordem capitalista administra para se manter; Por isso o General Morte ajuda a "ensinar os homens a sempre nunca dizer não". Questionar autoridade nunca; a música é uma necessária crítica ao funcionamento do Moinho Satânico que transforma gente em massa. De novo, o fato de a banda se definir como cyber punk, lembra que vivemos em uma sociedade de alta tecnologia, mas baixa qualidade de vida. Alta tecnologia para produzir mísseis balísticos e bombas nucleares que atravessam metade do planeta, mas não para impedir a guerra. Criar a internet, mas não resolver os problemas da violência no cotidiano.
Em pouco tempo transitamos para a segunda faixa. 2- Florbela Espanka, homônima ao Ep, onde a banda musicou um poema da sua homenageada poetisa portuguesa (A noite desce...), afinal eles lhe deviam, por isso realizaram o tributo, pagando muito bem, quase com hardcore. As influências da banda são visíveis nessas amostras, apesar da curta duração; Bikini Kill, Bulimia, Dominatrix, Kaos Klitoriano, Jucifer, sendo até experimentais o suficiente para alcançar algo realmente criativo como Daisy Chaimsaw, pois a próxima faixa, 3- Dandara dos Palmares, é uma faixa ambiente, suave, marcada pela criação de uma atmosfera envolvente como música de ruído, capaz de preencher o vazio com a densidade de um quarto escuro. O título traz para a música um conceito profundo, também doloroso, pois Dandara é uma personagem política em disputa da história Brasileira, certamente importante. A esposa de Zumbi, que era na verdade bem mais do que isso, serve de inspiração. Embora não possamos saber quase nada sobre ela, já que não há quase nenhum registro sobre sua pessoa, sabemos que foi uma mulher independente e forte, cuja vida mesmo como silêncio, repercute em muito significado, tanto quanto a música da Florbela em si, que não tem letra, mas ainda assim muito diz. Sabemos que Dandara escolheu a morte a voltar a condição de escravizada, fez jus a sua autenticidade como pessoa, humana, autêntica e livre, sendo por isso também punk. Encerra-se assim o itinerário pela experiência Morte e Vida Suburbana.
Conclui-se que com o "cyber punk" de Florbela Espanka e seu EP, temos um fragmento de beleza bruta; sensível e necessária, como só algumas formas raras de violência estética em determinadas épocas podem ser. Pela curta duração, mas pela capacidade sintética de dizer menos com mais e mais com menos, nota 8.
EP - Morte e Vida Suburbana (2020) – Florbela Espanka.
1 – General Morte
2 - Florbela Espanka
3 - Dandara dos Palmares
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