Morbid Angel: uma pancada para aliviar a dor
Resenha - Kingdoms Disdained - Morbid Angel
Por Francisco Silva Júnior
Postado em 01 de fevereiro de 2018
Nota: 8
Em 2017, várias bandas tradicionais de death metal lançaram bons álbuns: CANNIBAL CORPSE, OBITUARY, SUFFOCATION, IMMOLATION, EXHUMED, INCANTATION, etc. Para ficar ainda melhor, no apagar das luzes de 2017, tivemos o lançamento do novo álbum da lendária banda MORBID ANGEL, que mostrou não estar para brincadeira. Daqui a pouco explico melhor...
Durante toda a sua história, a banda MORBID ANGEL vem carregando um peso considerável em suas costas: seus primeiros álbuns são clássicos incontestáveis do death metal mundial. Obras fenomenais, inovadoras e consequentemente muito influentes. E isso é um problema? De fato, não. Há bandas que lançam muitos álbuns e ainda assim permanecem irrelevantes. Mas o "problema" surge a cada notícia de que um álbum de músicas inéditas será lançado. Sempre é gerada uma grande expectativa, inevitavelmente. Os fãs, apaixonados pela fase clássica da banda, mesmo que inconscientemente, sempre ficam na expectativa por um álbum extraordinário, como "Altars of Madness" (1989) ou "Covenant" (1993). O que acontece depois que o novo álbum é lançado? Mesmo que ele seja bom, como a expectativa era muito alta, haverá algum tipo de frustração e frases do tipo "a banda acabou quando David Vincent saiu pela primeira vez".
O álbum anterior da banda, "Illud Divinum Insanus", lançado em 2011, foi esperado com uma expectativa descomunal. Afinal, estava de volta o vocalista da era de ouro da banda: David Vincent. Ele foi o vocalista/baixista da banda nos quatro primeiros álbuns, que são justamente os principais da banda. Mas infelizmente o álbum "I" trouxe uma proposta inovadora demais para os fãs radicais do MORBID ANGEL. A banda sempre tentou fazer algo diferente em seu som. Basta ouvir "Domination" (1995) para perceber a adição de elementos não tradicionais do death metal. Mas o fato é que "Illud" agradou poucas pessoas, na verdade. Ele trouxe influências industriais e eletrônicas em doses cavalares. É um álbum muito esquisito, também em termos de produção. Segundo o líder e guitarrista da banda, Trey Azagthoth, em entrevistas recentes, já deu para perceber que aquelas ideias estranhas vieram da cabeça de Vincent. Mas Trey tem culpa de ter aceitado e gravado mesmo assim, ora! Apesar dessa mancha na discografia da banda, Vincent é um músico talentosíssimo e está na história do death metal. Só não dá para negar que ele hoje é um músico com ideias bem diferentes, de fato. É só procurar alguns de seus últimos projetos. Alguns fãs radicais inclusive implicam com seu visual atual: cabelo, barba, roupas, etc.
Então, depois de jogar um banho de água geladíssima em seus fãs, com "Ilud", o MORBID ANGEL fez muitos shows pelo mundo, ganhou uma boa grana, mas chegou o momento de David Vincent sair novamente da banda, alegando "diferenças musicais". Explicação bem previsível. E aí tudo se esfria em torno de novos trabalhos da banda...
Mas em 2017, volta o vocalista/baixista Steve Tucker para iniciar um novo ciclo da banda. A banda faz uma turnê pelos Estados Unidos e anuncia um novo álbum, "Kingdoms Disdained". Dentre todos os álbuns, esse pode ter sido o que gerou uma expectativa menor nos fãs. Culpa da própria banda: lançaram um álbum fraco e nada a ver com sua história, seu vocalista clássico deixa seu posto novamente e a banda leva 6 anos para lançar material novo. Dá para se animar desse jeito?
Mas "Kingdoms Disdained" é um bom álbum! Não é um clássico, não supera os primeiros álbuns, blá, blá, blá... Mas vamos combinar que é um alívio perceber que o mestre Trey foi para o estúdio com vontade de fazer tudo diferente do álbum anterior: o som está propositalmente mais sujo, a música é death metal bruto como os fãs gostam e Steve Tucker voltou para dizer que é uma figura importante na história da banda.
O disco se inicia com duas tijoladas: "Piles of Little Arms" e "D.E.A.D.". Na primeira, Steve Tucker parece um cão feroz. Uma das melhores do álbum. Aqui já percebemos a volta da afinação mais grave das guitarras, o talento do monstruoso novo baterista Scott Fuller (ANNIHILATED) e a brutalidade natural de Tucker. Música simples, curta, direta e brutal, como deve ser. Na segunda, temos uma aula de técnica por parte de Fuller. A música, apesar de curta, é constituída por várias partes distintas, alternando momentos com bateria veloz e mais cadenciada. O vocal de Tucker mais uma vez é animalesco e deixa a música com brutalidade nas alturas. Outra música que é destaque do álbum.
Na sequência temos "Garden of Disdain", que começa avassaladora, mas diminui o ritmo durante os versos e se mantém cadenciada até o final. Talvez tenhamos aqui uma das melhores letras do álbum, mérito do monstro Tucker, mas confesso que achei essa música um pouco repetitiva e sem grande destaque em relação às outras.
As músicas seguintes são "The Righteous Voice" e "Architect and Iconoclast". Duas músicas dinâmicas com desempenho monstruoso de Tucker e, agora sim, solos de guitarra do mestre Trey. Duas músicas aprovadas que mantém o bom nível do álbum.
"Paradigms Warped" foi a primeira música a ser apresentada ao público, em shows feitos após o retorno de Tucker. Música comum, básica. A mais fraca do álbum.
"The Pillars Crumbling" tem uma introdução matadora e várias mudanças de andamento ao longo dos seus cinco minutos. Aqui temos mais um aula de altíssimo nível do baterista Scott Fuller. O cara é um monstro e com certeza o maior destaque do álbum. Trey finaliza a música à vontade na guitarra.
"For No Master" é mais uma tijolada. Tem uma introdução violenta e é cantada com toda a agressividade natural de Tucker. Música pesadíssima, mas com o refrão, digamos, mais "acessível" do álbum. É uma boa música, que deve estar presente em vários shows da turnê.
Na sequência temos a música que mais destoa do restante do álbum: "Declaring New Law (Secret Hell)". Música sombria, onde Tucker canta boa parte "sussurrando". É uma música mais lenta e com estrutura simples. Aqui temos um solo de guitarra que é a única participação no álbum do novo guitarrista da banda, Dan Vadim Von. Trey gravou todo o restante das guitarras do álbum.
A seguir temos a ótima e brutal "From the Hand of Kings", com mais um desempenho impecável de Scott Fuller. O álbum se encerra com "The Fall of Idols", que é mais uma música com introdução matadora, cantada com a raiva de Tucker no nível máximo e com Trey bem mais à vontade para experimentar no solo que encaminha o final da música.
Depois de ouvir "Kingdoms Disdained" na íntegra, concluo que o maior destaque seja o baterista Scott Fuller, que apresenta uma abordagem extremamente técnica. Acho que não é o caso de compará-lo com o genial Pete Sandoval, que gravou todos os clássicos da banda. São bateristas diferentes. Mas o fato é que o MORBID ANGEL teve sempre ótimos bateristas.
Outro ponto a se destacar é que a genialidade de Trey Azagthoth não fica tão evidente como em outros álbuns. Não há nada de extraordinário no trabalho de guitarras. Seu talento e forma única de tocar são incríveis, mas dessa vez aparecem de forma tímida. Os solos de guitarra, por exemplo, são bem restritos e discretos. Parece que o álbum acabou ficando pesado demais para ter solos. Sabe quando um time de futebol perde um clássico de goleada e aí no jogo seguinte o técnico adota uma estratégia pragmática, suficiente para vencer, sem se preocupar em jogar bonito? Parece que esse foi o objetivo de Trey: gravar um álbum brutal, sem grandes experimentações ou inovações, para apagar a imagem do álbum anterior. E não há músicas instrumentais ou vinhetas! Gostem os fãs ou não, o objetivo parece ter sido mostrar para o mundo que o velho MORBID ANGEL ainda está firme e forte. Deu uma cochilada, mas já acordou novamente. Inclusive a capa do álbum também mostra isso, sem querer ou não.
Apesar do pragmatismo do mestre Trey, "Kingdoms Disdained" é um álbum bom e equilibrado, que supera de longe os dois anteriores, "Heretic" (2003) e "Illud Divinum Insanus" (2011). Para alguns, o novo álbum supera os álbuns "Formulas Fatal to the Flesh" (1998) e "Gateways to Annihilation" (2000) também. Para outros, ainda não ou não há qualquer chance. Eu diria que supera sim, mas por muito pouco. Ou seja, acho que o novo é o álbum é o melhor do MORBID ANGEL com Steve Tucker nos vocais. É um álbum consistente de death metal, sem nenhuma música espetacular, mas cheio de composições construídas com técnica acima da média e agressividade mais legítima que nos últimos álbuns.
[an error occurred while processing this directive]Finalizo aqui, caro leitor, com alguns conselhos. Se você acha que o MORBID ANGEL acabou após "Coventant" ou "Domination", o novo álbum vai manter sua opinião intacta. Se você não é tão radical, digo que vale a pena conferir e até apreciar "Kingdoms Disdained", mas provavelmente você vai precisar ouvi-lo várias vezes. Uma só não é suficiente, pois a produção de Erik Rutan (HATE ETERNAL), ex-guitarrista da banda, não é de fácil assimilação. Nas primeiras audições, não gostei muito. Parecia repetitivo e sem grandes destaques, além de não aceitar uma produção intencionalmente "crua". Mas depois de algumas audições mais pacientes, passei a gostar bastante. Então, se você ouviu apenas uma vez e desistiu, faça como eu: tente novamente algumas vezes. "Kingdoms Disdained" está entre os melhores álbuns de metal de 2017? Não acho que chega a tanto. Mas supera os dois últimos álbuns, sem qualquer dúvida, e deixa a certeza de que o MORBID ANGEL está mais vivo que nunca.
Website:
http://www.morbidangel.com
Origem: Estados Unidos
Lançamento: 01 de dezembro de 2017
Selo: Silver Lining Music / Hellion Records
Gênero: Death Metal
Formação:
Scott Fuller - Bateria
Dan Vadim Von - guitarra solo (música 9)
Trey Azagthoth - guitarras
Steve Tucker - vocal/baixo
Tracklist:
1. Piles of Little Arms
2. D.E.A.D.
3. Garden of Disdain
4. The Righteous Voice
5. Architect and Iconoclast
6. Paradigms Warped
7. The Pillars Crumbling
8. For No Master
9. Declaring New Law (Secret Hell)
10. From the Hand of Kings
11. The Fall of Idols
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