Kiss: Talvez um dos álbuns mais injustiçados da banda
Resenha - Carnival of Souls: The Final Sessions - Kiss
Por Daniel Junior
Postado em 08 de março de 2016
Nota: 8
O ano era 1997. O Kiss havia lançado seu primeiro disco 23 anos atrás. Já era uma banda realizada em termos de fama e milhões de dólares. As confusões inerentes a todas as grandes bandas de rock já havia passado pela história do grupo. Seus dois outros integrantes fundadores já haviam caído fora da formação original; Peter Criss e Ace Frehley continuariam a serem ovacionados pelos fãs que curtiam o Kiss mais voltado para o hard rock de meados dos anos 70. Quando a banda estava se esvaindo em vaidades pessoais, começaram a se perder sobre o estilo musical que deveriam visitar. Como se fossem iniciantes, começaram a mergulhar em tentativas até então impensáveis para a pegada da banda. "Dinasty" (1979) apostou em uma sonoridade disco na era disco. "Unmasked" (1980) se não era totalmente na mesma levada que o disco anterior, trouxe o pop mais latente às composições do grupo. Já sem Criss comandando a bateria (ele aparece na capa apenas por questões contratuais), o álbum teria pouca atenção do público. A banda parecia um casamento mentiroso: em frangalhos, vendia uma imagem de força, mas interiormente não tinha a mesma força do início da relação. Nos clipes promocionais teríamos a estreia de Eric Carr, fato positivo aquela altura onde o relacionamento entre os "quatro cavaleiros a serviço de satã" (como tentavam traduzir KISS para alguns indoutos) estava rolando pelo esgoto. Especialmente com Ace, quase um peixe fora da água nos rumos que a banda queria tomar.
Em 1981 lançariam o incompreendido "Music From The Elder" que teve até contribuição de Lou Reed. Reza a lenda (e é informação de algumas biografias) de que a banda desejava provar aos críticos que era capaz de compor músicas com outro peso e valor. Hoje cult, "Music From The Elder" passou a ser um divisor de águas na carreira da banda. Porque em seguida viria lançar o disco mais pesado de sua carreira: "Creatures of The Night" (1982) conferiu ao grupo nova-iorquino o peso do metal em canções como "War Machine" e "I Love It Loud", "Lick It Up" (1983) manteve o som pesado nas alturas… Seria um disco histórico, não pelas canções, mas por revelar quem eram os senhores por trás das máscaras. Foi o primeiro (e único) com Vinnie Vincent na capa e entre seus integrantes.
A partir de "Animalize" (1984), a banda também traria canções pesadas como "Burn Bitch Burn" e "Heavens On Fire", com Gene Simmons em uma fase vocal que iria piorar com o tempo. Nos discos seguintes "Asylum" (1985), "Crazy Nights" (1987) e "Hot In The Shade" (1989), a banda flertaria com o hard farofa, bem vigente na década de 80, especialmente em seu final. Destaque para balada "Forever", do álbum "Hot In The Shade", que invadiria as rádios brasileiras (e até foi trilha de novela), lugar pouco frequentado pela banda.
Em 1992, a banda já com Eric Singer no lugar de Eric Carr – vítima de câncer e morto em 1991- e Bruce Kullick consolidando um lugar que sempre pareceu seu (há registros de que o guitarrista já teria tocado em outros álbuns do Kiss antes mesmo da sua entrada oficial); o músico que fora oficializado na banda a partir do álbum "Asylum", formava ao lado de Gene Simmons e Paul Stanley uma das formações mais bem sucedidas da banda depois da formação clássica. O disco "Revenge" colocaria a banda causando alvoroço na mídia por adotar um som mais pesado e contemporâneo. A faixa de abertura ("Unholy") era o cartão postal do álbum que colocava o Kiss mais evidente do que anos anteriores.
… Mas foi em 1997 que a banda foi "obrigada" a lançar um álbum que seria diferente de toda a sua carreira discográfica até os dias de hoje. "Carnival of Souls -Final Sessions" na verdade era o compilado de canções que a banda compunha e que já aparecia em bootlegs e cassetes dos fãs mais fervorosos. Cientes de que algumas canções haviam vazado – em uma época onde a internet dava seus primeiros passos – a banda optou em lançar oficialmente um disco que até sua capa parece ser improvisada. No entanto, "Carnival of Souls – Final Sessions" é uma surpresa agradável para um público que não estava acostumado a ouvir o Kiss soando diferente de si mesmo.
O lançamento foi feito em meio ao retorno da formação original. Em 1996 o Kiss gravou o "Kiss Unplugged" (Mtv), que realizava o sonho dos fãs "da antiga" de verem seus herois reunidos mais uma vez. A reunião aconteceu trazendo Peter Criss e Ace Frehley, trouxe a banda com suas canções em formato inédito e ainda se tornou uma das mais épicas festas do rock daquele ano. Essa reunião seria responsável pelo "retorno da mágica" (como diria Ace a bordo do cargueiro onde a banda anunciou seu retorno) da formação original.
Foi neste cenário, que o álbum que abre com "Hate", que o Kiss fez uma espécie de despedida para aqueles que curtiam a formação com Bruce Kullick na guitarra solo e Eric Singer na bateria. Segundo alguns especialistas, influenciado pelo som sujo produzido pelas bandas de grunge como Alice In Chains e Soundgarden, Gene e Paul trabalharam em canções com uma nova estética musical. "Hate" traz um raivoso Gene Simmons vomitando a canção . Que se repare o baixo (mais pesado do que nunca), onde seu músico, invoca "santos e pecadores" além de "mártires e salvadores". Uma canção extremamente pesada da boa discografia da banda. Uma ótima porta de entrada.
"Rain" tem também a sujeira proposta pela banda. Além de um Paul Stanley em tremenda forma. Um riff lindo e grave, só interrompido pelos belíssimos agudos do Starchild, conforme eu disse, em fase esplendorosa. Nem o solo desta canção tem muito a ver com o "jeito Kiss de se fazer solos", optando mais pelo ruído e barulho para dar significado à canção. Além de canções impressionantes, a mixagem de "Carnival of Souls – The Final Sessions" ainda tem um brilho que não voltaria a se repetir nas produções da banda. Talvez tenha ocorrido em "Psycho Circus", mas a confecção deste álbum é tão controversa que vale um texto próprio.
"Master & Slave" também tem uma ótima frase de guitarra, que recebe a interceptação do baixo de Gene, muito mais pesado e redondo do que em outras ocasiões. Demon está afiado neste álbum. Singer está seco, mas preciso, tirando um pouco das firulas que marcam as performances do músico. Outra excelente canção. Vale também um grande destaque para Bruce Kullick que resolveu exorcizar todos os seus demônios fazendo solos interessantíssimos, até então desconhecidos dos fãs da banda, que o viam, ora repetindo solos de Ace, Vinni Vincent ou Mark St. John (músico que gravou ‘Animalize’), ora tocando o repertório farofa de meados dos anos 80.
"Childhood´s End" é uma grande canção. O curioso é que além de Bruce como parceiro na canção, Tommy Thayer é o co-compositor da canção. Ele que seria o substituto de Ace Frehley na banda, após a sua segunda passagem. "Childhood´s End" traz uma ótima performance de Gene e um refrão pegajoso "And you were always my friend from Childhood’s End, It was forever and ever, Did you understand, It’s Childhood’s End, But never, the dream is over". Um dos pontos altos do álbum.
Em "I Will Be There" temos a banda tentando repetir seu dom para baladas. Esta canção recebe um arranjo sofisticado de cordas, mas não está entre as melhores já compostas pelo Kiss. Temos o coração e a lindíssima voz de Paul Stanley em seus versos, mas se a ideia era fazer uma balada como "I Still Love You", não deu tanto certo assim.
O que podemos falar da swing de "Jungle", uma das melhores faixas não só do álbum como de toda a discografia contemporânea da banda. O riff de baixo, em seguida acrescida pelas guitarras, está entre os melhores trabalhos feitos pela banda. Dizem até que as quatro cordas nesta faixa teria sido tocada por Bruce Kullick, o que não seria surpresa, uma vez que a "troca" de instrumentos entre seus integrantes nunca foi novidade desde a década de 70.
"In My Head" é uma composição assinada por Gene com Jaime St. James (integrante da banda Black N´Blue juntamente com Tommy Thayer) e o compositor Scott Van Zen. Zen é músico profissional e já havia trabalhado com a banda também em "Revenge" na canção "Spit". Particularmente não apresentaria este álbum por esta canção, mas ela traz o espírito "pessimista" que ronda o disco. Com muita simplicidade e peso, ela se leva até o final, mas sem muitas surpresas.
"It Never Goes Away" tem um clima Black Sabbath, com uma frase de guitarra sobreposta sobre outras. É como se (Tony) Iommi tivesse composto o riff principal da canção. Paul Stanley está contido e melancólico, como não é de costume ouvi-lo. Uma canção lenta, lembrando de fato, não só a banda inglesa, como os duetos conhecidos do Alice In Chains. Basta a canção se desenrolar, que Paul volta com seus agudos afinados, sem espaço para rouquidão.
"Seduction of the Innocent" é mais uma parceria de Gene com Scott Van Zen em um riff arábico, diferente das canções compostas pelo baixista. É impressionante como o israelense é um bom intérprete. A canção traz uma massa percursiva inédita para o repertório da banda. As primeiras linhas melódicas lembram a canção "Within You Without You" de George Harrison para o álbum "Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band".
"I Confess" começa por um bom naipe de cellos. Os vocais de Gene parecem ter sido gravados da voz guia, já que apresentam um ar menos usual para captação do som. A canção é o resultado da parceria de Gene com o músico de rock cristão Ken Tamplin. Definitivamente uma canção que poderia figurar em qualquer álbum do músico, mas diferente de todos os conceitos desenhados pelo Kiss até então. Uma canção excelente com versos como "You Confess, You can’t help yourself, This living lie that you can’t go on, You’re possessed, You can’t fool yourself, You’re the crime and you can’t go on". O arranjo lembra muito o resultado final da canção "Journey of 1,000 Years", do álbum "Psycho Circus".
"In The Mirror" traz mais uma vez a bateria seca de Eric Singer, só que quase em primeiro plano, conduzindo a boa canção do álbum. Mais um ótimo solo de Bruce Kullick (também co-autor da canção) e um arranjo cru e direto, ganhando a interpretação sempre bem encorpada de Paul Stanley. O disco se aproxima do fim e aqui está nítida a escolha por um Lado B.
O álbum fecha com "I Walk Alone" cantada por Bruce Kullick, no disco que seria sua despedida da banda. A faixa é uma parceria do músico com seu "patrão" Gene e tem mesmo aquela "pegada" das canções do baixista, que também são caracterizadas por repetirem o pronome "ME" em quase todos os versos.
Se você escutar "Carnival of Souls: The Final Sessions" como um trabalho apresentado por outra banda, pode se surpreender positivamente, mas se você escutá-lo como uma mais um disco do Kiss, pode se surpreender mais ainda pela qualidade do álbum e pela força de suas canções. Certamente está entre um dos melhores álbuns da banda e talvez um dos mais injustiçados.
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