Alice Cooper: "DADA", uma verdadeira joia perdida
Resenha - DADA - Alice Cooper
Por Neimar Secco
Postado em 01 de junho de 2014
O que fazer, quando alguém que nasceu impregnado com o espírito do rock e da teatralidade, que já foi uma das maiores audiências do showbiz, lotando arenas ao redor do mundo, influenciando dezenas de bandas que viriam a seguir (incluindo Kiss, Motley Crue, Korn, entre tantas outras) se vê afogado no próprio alcoolismo, em crise no casamento e longe de toda a fama e dos holofotes com que tanto se acostumou em tempos ainda recentes?
Em 1983, Alice Cooper passava grande parte do seu tempo nos campos de golfe de Phoenix, dedicando-se ao seu maior prazer, sua terapia "antialcoólica", o que não garantia que, em casa, não tivesse sempre uma garrafa de scotch ao alcance das mãos.
Profissionalmente Alice estava em um momento delicado. A Warner já tinha dado o ultimato. Ele devia mais um álbum à gravadora, depois do qual estaria "liberado" para fazer o que quisesse, incluindo procurar outra gravadora para dar sequência à sua carreira.
DADA abre com a faixa título, cujo clima é dado pelo seu instrumental: apenas sintetizador e bateria eletrônica. A faixa representa uma sessão de psicoterapia em que Alice faz o papel do paciente que fala de seus sentimentos e lembranças de família e que, em seus delírios confunde o filho com uma suposta filha, que acabamos não tendo certeza se existe ou não. Ezrin interpreta o terapeuta. O título do álbum, aliás, é um trocadilho entre o movimento artístico dadaísmo, baseado em conceitos como a falta de um sentido lógico, e a palavra sem sentido atribuída à fala dos bebês. Salvador Dali também foi uma inspiração tanto na arte gráfica do álbum quanto em parte, nas letras das músicas.
A segunda faixa, "Enough’s Enough" é uma música autorreferente, já que trata de aspectos de sua relação com o pai, que na verdade não era tão conturbada quanto à contada na música. DADA poderia ser considerado o quarto (e solto) álbum de seu período de álbuns autobiográficos. A diferença aqui seria o fato de as histórias serem narradas em terceira pessoa, em contraste com os álbuns lançados de 1976 a 1978, além de focar aspectos mais profundamente emocionais que as histórias ‘pés-no-chão’ da trilogia citada. Há também momentos de humor como na impagável história do gay assediado por uma garota de 23 anos, sedenta de sexo e aventuras, enquanto ele fazia bico de papai noel em um shopping center.
A faixa em questão é "No Man’s Land":
"She sat down on my lap and said to me
‘I'm twenty three and I need someone"
(Ela se sentou no meu colo e me disse
‘Tenho 23 anos e preciso de alguém’)
(...)
"She didn't notice I was thin with a delicate chin
Nor the softness of my skin, nor the scent of my other personalities"
(Ela não notou que eu era magro com um queixo delicado
Nem a maciez da minha pele, nem o perfume das minhas outras personalidades"
Parece que se está falando de literatura, não é? Mas Alice Cooper também é isso: um grande contador de histórias.
"Former Lee Warmer" é uma grande sacada. O título da música é um trocadilho com "Formerly Warner", algo como "Antigamente Warner". Alguns versos dessa faixa são bastante irônicos. "In na upstairs room, under lock and key, it’s my brother Former Lee" ("Em um quarto do andar de cima, ‘trancado a sete chaves’, está meu irmão Former Lee". Uma provável referência ao modo como Alice se sentia tratado pela gravadora à época. O vocal remete a contos de terror, ao estilo de Edgar Alan Poe, ou Stephen King. Former Lee é considerado por alguns como um irmão mais novo de Steven, personagem central de WELCOME TO MY NIGHTMARE, de 1975. Alice nunca confirmou, mas também não nega a teoria. O que se deduz é que Former Lee é um garoto com problemas mentais, aparentemente autista.
"And after all these years I never heard him speak / I wonder what he thinks of me" (E após todos esses anos eu nunca o ouvi falar. O que será que ele pensa de mim?).
Aliás, Alice pouco fala desse trabalho, limitando-se a dizer que mal se recorda de tê-lo gravado, devido às falhas de memórias trazidas pelo alcoolismo nessa fase.
"Dyslexia", como o próprio título sugere, trata de uma certa confusão mental, de compreensão e brinca, novamente através de um trocadilho:
"Is this love or os dyslexia?" (Isso é amor ou é dislexia?)
"Scarlet and Sheba" retrata as fantasias de Alice e Dick Wagner sobre duas garçonetes irmãs que os atendiam em um restaurante de Toronto no período das gravações de DADA. A temática sadomasoquista e o arranjo com sonoridade ‘árabe’, na qual podemos imaginar vivamente o duelo entre duas odaliscas pelo amor de um homem são bastante envolventes. Elevado grau de teatralidade na interpretação dessa música e também na seguinte.
Em "I Love America" temos um caminhoneiro dando opiniões sobre vários itens da cultura, geografia, hábitos e gostos dos americanos. Mais uma vez Alice dá um show de teatralidade. Essa música certamente poderia ter gerado um vídeo clipe bem divertido à época. Eis alguns versos:
I watch the A-Team every Tuesday night (Eu assisto ao time A toda terça à noite)
I graduated, but I ain't to bright (Me formei, mas não sou tão brilhante)
I love Detroit 'cause I was born to fight (Amo Detroit porque nasci para lutar)
I love America (Eu amo a America)
I love the Tigers but I hate the Mets (Adoro os Tigers*, mas odeio os Mets* (*times de baseball)
"Fresh Blood" é a faixa ‘vampiresca’ do disco. Destacam-se o arranjo com som de metais e vocais femininos, duas características que não costumam constar nas músicas de Alice Cooper. Essa faixa relata justamente a busca de um vampiro por sua fonte de alimento em diversas ocasiões.
Fresh blood, a sanguinary feast (Sangue fresco, um banquete sanguinário)
Is all he's living for (É tudo por que ele vive)
And he craves it more and more (E ele suplica cada vez mais)
Old men, ladies of the night walking in the rain (Idosos, damas da noite caminhando na chuva)
If they walk alone are never seen again (Se caminham sozinhos, nunca mais são vistos)
A faixa de encerramento, "Pass The Gun Around" é o ponto (mais) alto desse ótimo disco. Uma espécie de "A Day In The Life", se pudéssemos, de alguma maneira, comparar DADA a Sgt. Pepper’s dos Beatles. O ponto em que o personagem principal decide acabar com todos os seus traumas e suas frustrações. Former Lee Warmer dá fim aos seus inimigos interiores "alimentado" e protegido pela sua ‘muleta’: a vodca. Essa faixa contém um dos melhores solos de Dick Wagner, inclusive em sua própria opinião. Alice literalmente assassina todos os seus demônios e se liberta para voos mais altos, que começariam, porém, só três anos depois, a partir de Constrictor de 1986. O pesadelo ainda retornaria aos palcos, com força total.
NOTAS:
Lançamento: 28/9/1983
Faixas
1. Da Da (Ezrin) [4:45]
2. Enough's Enough (Cooper, Wagner, Shaw, Ezrin) [4:19]
3. Former Lee Warmer (Cooper, Wagner, Ezrin) [4:07]
4. No Man's Land (Cooper, Wagner, Ezrin) [3:51]
5. Dyslexia (Cooper, Wagner, Shaw, Ezrin) [4:25]
6. Scarlet and Sheba (Cooper, Wagner,Ezrin) [5:18]
7. I Love America (Cooper, Wagner, Shaw, Ezrin) [3:50]
8. Fresh Blood (Cooper, Wagner, Ezrin) [5:54]
9. Pass The Gun Around (Cooper, Wagner) [5:46]
Musicians
Dick Wagner - Guitar, Bass, Vocals
Graham Shaw - OBX-8, Roland Jupiter, Vocals
Bob Ezrin - Fairlight, Keyboards, Drums, Percussion, Vocals
Richard Kolinka (of Telephone) - Drums on 3,6,9
John Anderson - Drums on 8
John Prakash - Bass on 8
Additional Vocals - Karen Hendricks, Lisa Dalbello
Sarah Ezrin (Bob Ezrin`s daughter)- Dada
Ficha Técnica:
Produced by Bob Ezrin
Executive Producer: Shep Gordon
Recorded at Phase One Studios, Toronto and ESP Studios, Buttonville
Arranged by Cooper, Wagner, Ezrin
Album Design: Pacific Eye and Ear
Front Cover Art: Glen McKenzie
Calligraphy: Ingrid Haenke
Back Cover Photography: William Sandidge
DADA, assim como seu antecessor ZIPPER CATCHES SKIN, não teve tour promocional e nenhuma de suas faixas jamais foram executadas ao vivo.
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