Black Widow: Temática oculta e satanista no começo dos 70's
Resenha - Demons of the Night Gather To See Black Widow Live - Black Widow
Por Ronaldo Celoto
Postado em 02 de dezembro de 2013
O monumental poema "Inferno", constante na trilogia do monumental livro "A Divina Comédia", de DANTE ALIGHIERI, talvez seja a mais importante de todas as sagas já descritas em todos os tempos na literatura, quando se faz referência a SATAN, BELZEBU, BELIAL, ASTAROTH, SAMAEL, e, tantos outros nomes das profundezas abissais. A beleza das palavras ali descritas é tão infinita, que influenciou, durante séculos, a imaginação de cineastas, escritores, historiadores, e, a partir dos desenhos concebidos por GUSTAVE DORÉ para a edição posterior, nunca mais a visão do inferno passou despercebida aos olhos de todos os mortais. Mas uma pergunta ainda estava por ser respondida, e, ela viria através da música: quem disse que as canções tocadas no inferno tem que obrigatoriamente ser vociferadas, ininteligíveis, ruidosas e amargas?
Nascido na mesma época do BLACK SABBATH e do COVEN, o BLACK WIDOW talvez seja a banda mais injustiçada de todas as três. Eu não disse a melhor, mas sim, a mais injustiçada. Oriundos da cidade inglesa de Leicester, eles acabaram por ser engolidos pela musicalidade mais pesada e mais aceita pela crítica local, que buscava uma resposta para o então rock progressivo que dominava as mentes, e, para muitos confundia os mais interessados por sonoridades diretas, rasgadas, mais fáceis de ser compreendidas. Fãs que estiverem lendo isto que escrevo irão certamente pensar que estou chamando a banda de BUTLER, IOMMI, OZZY e WARD de fácil ou acessível, mas não estou. E é importante dizer, antes de prosseguir, que a questão aqui não é diminuir o BLACK SABBATH, pois eles são uma das maiores e mais influentes (senão a mais influente) de toda a história. Tenho discos em várias formas de edição deles, e, não mediria esforços para ter mais e mais edições, se tivesse condições financeiras de adquiri-los, a cada surpresa que um colecionador oferece. Mas a questão é aqui, frise-se, é ressaltar o talento e a musicalidade de seu concorrente.
O disco de estréia, simplesmente intitulado "Sacrifice", trazia canções fantásticas e extremamente bem musicadas, com direito a violões, celo, flautas, tambores, órgãos, e, letras sobre rituais satânicos, bruxaria, magia negra, conjurações e sacrifícios. A capa, uma pintura mística recheada de alusões a demônios, era uma distorção do próprio inferno de DANTE, porém, muito apropriada para a época, conforme se vê na foto a seguir.
Voltando às letras, tínhamos "Come To The Sabbat" e a evocação ao demônio ASTAROTH, e, a certeza em forma de convite, para que homens e mulheres dirijam-se ao ritual sabático, de modo que centenas de eras transformem-se, em apenas uma hora, afinal...Satanás está lá, à espera das oferendas. E a sonoridade desta canção é iniciada por tambores em compasso lento, vozes que acompanham e marcam o ritmo, e, que depois ganham certa aceleração até o desfecho semi-progressivo das flautas, órgãos e o grito de toda a banda (de forma alegre, como se revelassem em uma missa negra a alegria de oferecer suas almas ao desconhecido) em homenagem ao personagem supracitado. Há também "In Ancient Days", uma canção totalmente mística e atmosférica, pois tem a suavidade dos saxofones, os violões acústicos, e palavras épicas, que recontam os dias antigos do Egito à Babilônia, passando pelos Etruscos e a jornada através do vale da Lua, até que o vocalista KIP TREVOR evoque (sim, evoque) nos refrões: "Deep Underground where no light dared to come, beneath my pyramid; I stood in Hell, a mortal man, between Belial and Satan; And still before my audience entranced with stark cold fear; I cured or struck with sickness, death, or made Insane my foes; (...) I conjure thee".
Não pensem os mais radicais e fanáticos por ver LINDA BLAIR virar a cabeça em "O Exorcista", que estaremos ouvindo algo similar ao EMPEROR ou BENEMOTH, diante destas letras. A voz de TREVOR é muitíssimo similar a de ROBERT PLANT, e, o som, embora pareça engraçado dizer isto, poderia ser definido como uma espécie de "Satanic JETHRO TULL", com elementos de jazz perfeitamente encaixados. Ora bolas, quem disse que o inferno não pode ser azul? Quem disse que Lúcifer não fora, um dia, um belo anjo (segundo a mitologia cristã) cercado de musicalidade, realeza e alegria? Se o inferno para os que se autodenominam metaleiros sempre deverá ser escuro e maldito, é preciso certamente entender que, na música, ele pode ser retratado sob diversos prismas e ideias. Nunca é demais lembrar que PLATÃO, em sua célebre alegoria sobre o homem que encontrava-se perdido e via-se obrigado a encarar o mundo como que a olhar para a parede escura de uma caverna, de repente teve a iniciativa de virar o seu rosto e procurar a luz. E, nem por isso, a sua visão foi melhor traduzida em flores ou fadas, após este feito. Ele apenas pode sair de onde estava, e, dar um primeiro passo a um mundo até então, diferente. A alusão ao BLACK WIDOW é mais ou menos esta. É preciso não ser radical, para adentrar no clima estranho e absolutamente dantesco de sua competência musical.
Posso dizer que ouvi-los é como assistir àqueles filmes antigos de terror feitos pela HAMMER ou por estúdios semelhantes, que costumavam ser parte de uma série de terror que passava na televisão nos anos 70 e 80, conhecida pelo público brasileiro como "Casa do Terror". Os nomes eram estes mesmos: "A Casa da Noite Eterna", "Uma Filha Para o Diabo", "Spectro", "Asmodeu, o Príncipe da Perdição", "O Solar das Almas Perdidas", entre outros.
Bom, depois de "Sacrifice" eles lançaram o segundo álbum, de muito boa sonoridade, intitulado "Black Widow", e, posteriormente, o então último álbum da primeira fase (pois eles voltaram em 2011 com "Sleeping With Demons", lançado pela Mystic Records), chamado simplesmente de "III". E, infelizmente, logo no momento em que fariam a sua grande aparição na América, o famoso assassinato de SHARON TATE, cometido pelos lunáticos da família de CHARLES MASON, e, as referências à magia negra e ao satanismo contidas no assassinato, além das declarações feitas por ALEX SANDERS, bruxo negro inglês que na época dizia ter adotado os músicos da banda e ensinado aos mesmos todos os rituais, feitiços e alusões ocultas, fizeram os produtores recuarem, e, em seu lugar, ninguém menos do que o próprio BLACK SABBATH foi convidado. E a sorte de ambos, graças a esta mudança, todos já conhecem.
Mas, histórias à parte, vamos então, a este fantástico concerto exibido pela televisão alemã, que ficou desconhecido por toda a história, até que as fitas originais fossem devidamente resgatadas e lançadas em CD/DVD pela Mystic Records (hoje, esta edição está esgotada). Abrindo com a já maravilhosa "In Ancient Days", traz uma abertura inexistente na versão de estúdio, onde, por cerca de cinco minutos, diante do órgão alucinógeno de ZOOT TAYLOR, assistimos a uma célebre conjuração de CLIVE JONES (sax/flauta), vestido com um manto negro apropriado, e, em meio a um círculo traçado no palco, louva vozes para a figura feminina de ASTAROTH, como podemos ver no vídeo abaixo, que traz quase dez minutos da música, infelizmente cortados na edição do youtube.
Dando sequência à noite de rituais, "Way To Power" mantém o peso progressivo do final da primeira canção, seguindo-se emendada em vozes, bateria, teclados e um belo trabalho de guitarra de JIM GANNON.
A trilogia inicial fecha com uma canção mais do que apropriada: "Come To The Sabbat". Nela, todas as vertentes e diferentes sonoridades descritas no início deste texto são perfeitamente recriadas, trazendo um clima sombrio e jamais visto até então, em qualquer emissora de televisão. Bela canção, que traz o melhor que é possível esperar, em termos de apologia satânica, se assim puder definir. Ouvi-la e visualiza-la neste espetáculo faz um fã mais caloroso sentir-se em uma convenção de bruxos, literalmente. Imagine a voz de ROBERT PLANT a recriar toda esta história, e, atrás, a sonoridade de IAN ANDERSON e sue trupe. Pois, é mais ou menos isto mesmo que se pode visualizar.
Aliás, vale destacar que a capa do single desta música foi proibida, e, os motivos podem ser vistos a seguir.
"Conjuration", a quarta faixa, apresenta um discurso inspiradíssimo do bruxo ALEX SANDERS, fundador da Tradição Alexandrina da Wicca, antes que uma bela mulher, aparentemente simbolizando a possessão total por um dos demônios conjurados, exiba-se em meio à banda, e, carregue a canção em movimentos sensualíssimos, continuados com a música seguinte, "Seduction" e a fantástica "Attack of the Demon", que destilam lisergia sexualmente diabólica diante das câmeras, com ótimos recursos de bateria de CLIVE BOX e do baixo de GEOFF GRIFFITH, preparando a banda para um desfecho fenomenal em termos visuais, para uma apresentação que, imagine, fora transmitida em horário nobre, para pais, mães e crianças. E assim foi concebido o petardo final, chamado de "Sacrifice", em meio a rituais, onde CLIVE JONES espeta uma espada no corpo de uma mulher deitada totalmente nua sobre o palco (sim, é isto mesmo), e, meio a truques e louvações, a música nasce com uma sonoridade típica de canções como "For a Thousand Mothers", do JETHRO TULL, mas com mais peso, além de uma soturnidade climática e o corpo nu da mesma mulher, que de repente, ressurge no palco, a dançar todas as suas curvas envolta em um manto transparente, simbolizando a natividade final: a ressurreição de ASTAROTH, como a banda já anunciara no início do concerto, diante da evocação feita. São quinze minutos de um final apoteótico, fantasmagórico, genialmente sublime. Tão sublime que o concerto, em seguida, foi proibido de ser lançado no mercado musical.
E assim foi-se uma noite de encantos, feitiços, evocações e encarnações, protagonizadas por uma banda que poderia hoje ter milhões de súditos, não pela sonoridade ser melhor do que a de seu "rival" (BLACK SABBATH), pois isto jamais ocorreria, mas por ter coragem e ter mergulhado em um mundo sobrenatural muito mais profético e oculto, que faria com que as bandas que hoje pintam suas caras de branco e fazem maquiagens associadas ao Black Metal, parecerem um cãozinho da raça shin-tzu enraivecido, e, o BLACK WIDOW, ao contrário, independente da sonoridade próxima ao progressivo, jamais passaria despercebido em meio até mesmo aos fãs mais radicais das temáticas ocultas/satânicas.
Enfim, eis um pequeno aparte na história da música. Quem tiver o privilégio de adquirir este CD/DVD, terá um pedaço de uma banda que ousou ir mais além do que qualquer músico permitiu-se. E não precisou queimar igrejas para garantir o seu lugar na eternidade do além-túmulo.
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