Scorpions - Lovedrive (1979): O história até o álbum que mudou os alemães de patamar
Por Yuri Apolônio
Postado em 04 de março de 2025
Pra os mais puristas, a melhor fase dos alemães do Scorpions é durante os anos 70, com Uli Jon Roth na guitarra. Na verdade, não discordo que o período tenha alguns pontos bem interessantes, mas o fato é que o sucesso mundial e a grana só começaram aparecer a partir do "Lovedrive", o sexto disco da banda e seguinte à saída do virtuoso guitarrista.
Alguns podem até dizer que o Scorpions já tinha um certo nome, o que é verdade, mas não fosse pelo enorme sucesso iniciado com o "Lovedrive" e com os álbuns seguintes, lançados ao longo dos anos 80, a banda seria hoje em dia somente mais um grupo underground, conhecida por aquele tipo minoritário de público que gosta de se aprofundar nos seus estilos preferidos.

Mas, pra ser sincero, é uma pena que esse período do Scorpions passe tão abaixo do radar, em especial o último álbum desse período com Uli Jon Roth, o Taken By Force, que é incrivelmente bom. Dos quatro demais álbuns da discografia inicial dos alemães, todos têm ali uma ou duas boas canções, mas todo o restante sendo um tanto irregular.
Então, vamos voltar um pouco no tempo para entender como uma banda, quase de krautrock lá no início dos anos 70, entrou os anos 80 fazendo um som que atingiu ambos: o ouvinte regular de rádio e os fãs de rock pesado.
Lovedrive: o álbum que elevou o Scorpions de patamar em 1979", publicado no canal do YouTube "No Rastro do Som". Se você prefere a versão narrada e com imagens, o player do vídeo encontra-se ao final deste texto.


A fundação, o primeiro álbum e o "roubo" do guitarrista
O Scorpions foi fundado em 1965 pelo guitarrista Rudolf Schenker, que não conseguiu muita coisa até o ano de 1970, ocasião da entrada do vocalista Klaus Meine, e do irmão mais jovem de Rudolf, Michael Schenker. É partir desse período que a banda começa de fato a compor suas próprias canções, já em inglês, uma vez que não queriam ser conhecidos somente nos países de língua alemã.

Em 1972, o Scorpions lança seu disco de estréia, o "Lonesome Crow", que eu sinceramente, nunca peguei para ficar ouvindo até ter uma opinião. O que eu posso dizer é que não é um desastre. Hoje, tem gente que considera uma obra cult, em especial pela influencia do krautrock, esse estilo "cósmico", "espacial", com longas improvisações e texturas, que surgiu justamente na cena da alemã daquele período.
Na primeira turnê, que incluia apresentações somente na Alemanha, a banda tem a oportunidade de abrir shows para o UFO. Ocorre que o guitarrista da banda inglesa acabou esquecendo seu passaporte, e, para evitar com que os shows fossem cancelados, eles pedem para que o guitarrista do Scorpions, Michael Schenker, irmão mais jovem de Rudolf, o substitua. O UFO fica tão impressionado com as habilidades do guitarrista solo, e querendo se livrar do membro atual, resolveram contratar Michael e levá-lo embora da Alemanha.

O Recomeço com Uli Jon Roth, a fusão com a Dawn Road e o "Fly to the Rainbow"
Para substituí-lo, o Scorpions recorre a um conhecido, Uli Jon Roth, um músico com fortes influências em Jimi Hendrix e na música clássica, reconhecido como um dos melhores guitarristas de sua geração. Mas logo que termina a turnê, com um disco lançado, pouca repercussão e sem contrato com gravadora, a banda acaba.
Mas Rudolf Schenker gosta tanto de tocar com Jon Roth que se junta à banda dele, a Dawn Road. E como a Dawn Road precisava de um vocalista, eles trazem quem? Klaus Meine. Nesse momento, mesmo com mais membros da Dawn Road do que do Scorpions, o novo grupo opta pelo segundo nome, visto que este, ao menos, já possuia uma obra no catálogo.

Com a fusão, quem passa a fazer parte do Scorpions é o baixista Francis Buchholz, que participaria de todas as obras do grupo até o inícios dos anos 90.
O Scorpions reboot fecha com uma nova gravadora e lança em 1974 o "Fly to the Rainbow", com uma proposta bem diferente do primeiro disco e uma clara evolução. A canção de abertura, "Speedy's Coming", é a única de fato hard rock desse lançamento, e provavelmente a melhor. As seguintes, tem uma pegada até mais progressiva – com menos psicodelia que a obra anterior –, embora ainda influenciada por ela.
A melhor recepção permitiu à banda uma tour ainda maior pela Alemanha e ainda incluiu rápidas passagens por países como França, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo.

A evolução com o In Trance e a polêmica capa do Virgin Killer
A evolução do Scorpions segue com seu terceiro disco, o "In Trance". É nele que se inicia a longa parceria com o produtor Dieter Dierks, com quem a banda trabalharia durante boa parte de sua fase áurea.
Vendo o potencial do grupo, Dierks luta com a gravadora para que a banda obtenha mais divulgação internacional, o que rende frutos já com o "In Trance", em especial no Japão.
A canção título é espetacular. "Dark Lady", é boa, pena que é Uli John Roth que canta a maior parte. É bem mais pesado que o anterior, mas no geral, o que falta aqui é ainda um pouco de coerência.
A turnê do "In Trance" mantém a banda na Europa, mas desta vez com mais de 130 shows, incluindo duas passagens pelo Reino Unido, passagens por países nórdicos e a abertura de shows para os americanos do Kiss.

O "Virgin Killer", de 76, a meu ver, está no mesmo nível musical do anterior. Mas é com o álbum que o Scorpions aparece pela primeira vez aparece na lista de discos mais vendidos de uma potência econômica. No caso, no Japão.
Dessa obra, destaco a faixa de abertura, "Pictured Life", mas o que mais chamou atenção para o "Virgin Killer", na época, foi a sua capa, que mostra uma menina de 10 anos praticamente nua, tendo como cobertura somente um pequeno efeito de vidro quebrado em sua genital. A situação fez com que o disco fosse vendido dentro de um pacote preto ou mesmo com uma capa alternativa em diversos países.
Taken by Force: O clássico que fechou a era Uli Jon Roth no Scorpions
O auge do período pré-sucesso do Scorpions é sem dúvida a última obra dessa época, o "Taken by Force", de 1977, quinto lançamento da banda.

De todos até aqui, este é o único que considero divertido ouvir do início ao fim. Há duas canções excepcionais aqui: a belíssima "We'll Burn the Sky", e "The Sails of Charon", cujo trabalho de guitarra faz a gente entender porque algumas pessoas comparam o estilo de Uli John Roth com Hendrix. Outras faixas que destaco são: "Your Light", "He’s a Woman - She’s a Man" e a tocante "Born to Touch Your Feelings".
A bolacha garantiu um sucesso ainda maior no Japão,o que levou a banda a visitar o país pela primeira vez. E para retribuir o carinho dos fãs japoneses, o Scorpions lança o seu 1º disco ao vivo, o "Tokyo Tapes", em 1978.
O guitarrista alega que o Scorpions vinha se tornando comercial demais e forma sua própria banda, a Electric Sun, que, pra quem tem paciência para aguentar os vocais ruins dele (risos) pode encontrar grandes trabalhos de guitarra.

Ao Scorpions, agora sem o talentoso guitarrista, coube ir atrás de outro músico para a vaga.
Matthias Jabs e o início de uma nova era
De acordo com Francis Buchholz, a banda queria um guitarrista inglês ou americano, mas ele sugeriu o Matthias Jabs, alemão, o qual o baixista havia ensinado matemática na época da escola.
Segundo Jabs, o Scorpions o convidou para fazer uma jam session, sem citar que se tratava na verdade de uma audição, muito menos que a banda havia passado três dias em Londres testando músicos, o que acabou o ajudando a não ficar tão nervoso para a ocasião.
Quando Mathias Jabs se junta ao Scorpions, em junho de 1978, eles se encontravam em meio ao processo de criação do "Lovedrive", que, desta vez, contaria como compositores centrais Rudolf Schenker e Klaus Meine. Até então, os álbuns do Scorpions possuíam uma divisão bem clara nas composições, com parte das canções sendo composta pela dupla e outra parte por Joh Roth.

Agora com um novo guitarrista, antes do lançamento novo disco, o Scorpions opta por realizar três shows, o primeiro deles, a estréia de Mattias Jabs ocorre durante o Summertime Open Air Festival, na Alemanha, em frente de cerca de 55 mil pessoas.
A voltas e as tretas com Michael Schenker
As sessões de gravação para o "Lovedrive" têm início no mês de setembro de 78, e logo que isso ocorre, Michael Schenker se demite do UFO e retorna a Alemanha. Sem coragem de demitirem o recém contratado Matthias Jabs, o Scorpions aceita o retorno do irmão mais jovem de Rudolf e grava o Lovedrive com três guitarristas, situação inusitada, ao menos para época.
Klaus Meine comentaria anos mais tarde que inicialmente a chegada de Michael pareceu uma feliz reunião de família, havia uma criatividade incrível por parte do guitarrista, mas que logo suas constantes saídas e entradas dificultaram a gravação. Segundo Meine, o problema era o "grande ego" Michael Schenker, que não queria trabalhar em equipe, mas do seu jeito.

Fato é que essa discussão sobre a participação de Michael Schenker no "Lovedrive" é tema de bastante controvérsia até os dias de hoje.
O próprio Michael viria a público em 2018 para dizer muito do que a banda divulgava sobre sua participação eram falsas, se referindo em especial a um documentário sobre o disco que a banda lançou junto de uma edição de aniversário do Lovedrive, em 2015.
Ainda de acordo com o Michael, seu irmão o enganou a atribuiu a si mesmo uma canção que ele havia escrito, se referindo à instrumental "Coast to Coast", 4ª faixa do Lovedrive.
O baterista Herman Rarebell deu razão à Michael, que segundo ele havia composto não somente "Coast to Coast", mas também "Holiday", a qual Michael afirma ter escrito a introdução. Cabe citar que o baterista, na época dessa entrevista, participava de um projeto com Michael Schenker.

O que não muda o fato de que, ao final, Michael Schenker não recebeu os créditos por nenhuma canção do "Lovedrive", embora tenha recebido uma nota de agradecimento no disco por ter colaborado em três faixas.
Com ou sem treta, o Lovedrive é um sucesso
O "Lovedrive", de 1979, sexto álbum do Scorpions, é a obra que marca ponto de virada na carreira da banda, além de determinar o início da reconhecida "fase clássica" do grupo. Pela primeira vez, eles teriam um álbum listado entre os mais vendidos nos Estados Unidos, no Reino Unido, em seu país natal e outros de língua alemã.
A crítica, na época, em sua maioria, elogiou a obra. A Melody Maker expressou que, apesar de já estarem no mercado há vários anos, o Scorpions finalmente apresentava um álbum lhes permitia alcançar o sucesso comercial que mereciam. Outro periódico observou que apesar dos trabalhos anteriores do grupo serem bons, nenhum era tão bom quanto Lovedrive, que se tratava de "um álbum de hard rock bem feito, com nuances de heavy metal".

A conturbada turnê com Michael Schenker e a "promoção" de Matthias Jabs
Com uma turnê agendada, o Scorpions dispensa Matthias Jabs e mantém Michael Schenker como guitarrista solo. Provavelmente tendo em vista o reconhecimento que o músico possuia após anos com o UFO, e, claro, pelo fato de ser irmão de um dos chefes da casa.
O problema é Michael Schenker, apesar de talentoso, possuia um problema considerável quanto ao consumo excessivo de álcool, o que fazia ele simplesmente sumir, inclusive antes dos shows.
Como substituto pontual, não havia ninguém mais preparado que Matthias Jabs. Ocorre que depois de algumas apresentações, todas marcadas de última hora, Jabs se cansa do papel de tampão e diz para para a banda não ligar novamente.

Por sorte, o Scorpions também já estava de saco cheio da falta de compromisso de Michael. Desta vez, ele havia partido com sua moto e para a Espanha poucas horas antes de um show em Lyon, o que faz com que eles promovam Matthias Jabs a guitarrista titular, cargo que ele ocupa até os dias de hoje.
A turnê do Lovedrive, além de incluir shows em casas maiores que antes, marca a primeira passagem do Scorpions pela América, abrindo shows para artistas como Ted Nugent, AC/DC, Aerosmith e Rainbow.
O "Lovedrive" é só o começo
Nos anos seguintes ao "Lovedrive", o Scorpions segue em curva bastante ascendente, com os discos "Animal Magnetism", de 1980, "Blackout", de dois anos depois; e o auge, em 1984, com o "Love at First Sting".

Ao longo de seus mais de 50 anos de carreira e 19 discos de estúdio, estima-se que o Scorpions tenha vendido mais de 100 milhões de discos, o que a torna a banda alemã de rock de maior sucesso comercial de todos os tempos.

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