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Música e Filosofia: Nine Inch Nails

Por Wallace Ricardo Magri
Postado em 02 de novembro de 2015

Esta abaixo é a letra da música "Right where it belongs", de autoria de Trent Reznor, idealizador da banda Nine Inch Nails, um dos baluartes do Rock Alternativo à moda norte-americana.

Right where it belongs
See the animal in his cage that you built
Are you sure what side you're on?
Better not look him too closely in the eye
Are you sure what side of the glass you are on?
See the safety of the life you have built
Everything where it belongs
Feel the hollowness inside of your heart
And it's all...
Right where it belongs

What if everything around you
Isn't quite as it seems?
What if all the world you think you know
Is an elaborate dream?
And if you look at your reflection
Is it all you want it to be?
What if you could look right through the cracks?
Would you find yourself...
Find yourself afraid to see?

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What if all the world's inside of your head
Just creations of your own?
Your devils and your gods
All the living and the dead
And you're really all alone?
You can live in this illusion
You can choose to believe
You keep looking but you can't find the woods
While you're hiding in the trees

What if everything around you
Isn't quite as it seems?
What if all the world you used to know
Is an elaborate dream?
And if you look at your reflection
Is it all you want to be?
What if you could look right through the cracks
Would you find yourself...
Find yourself afraid to see?

Se, por um lado, a Inglaterra sempre nos deu bons exemplos de progresso no campo musical popular, coube a Reznor, no início dos anos 90, organizar tudo o que havia ao seu redor e forjar aquilo que conhecemos como música Industrial.

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A essência deste estilo, de fato, advém da Europa, em especial do experimentalismo de Kraftwerk, David Bowie e das incursões eletrônicas de Joey Division, New Order aliadas à onda gótica de bandas como The Cure, Bauhaus, Sister of Mercy.

No entanto, com seu talento musical e dom artístico, Reznor conseguiu, como ninguém, sintetizar todas essas influências e, sincretizando tudo isso a experimentos com os recém-chegados produtos eletrônicos de produção musical (pro-tools e outros programas eletrônicos) e um pouco de revolta punk e metal, forjar um novo estilo.

Isso já havia ficado evidente com seu primeiro hit, "Head like a hole", tão sombria e pesada quanto qualquer petardo de uma banda tradicional de Metal. E, assim, o mundo da música pesada e alternativa a ele se rendeu.

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Além disso, sempre houve nas canções do NIN um quê de trilha sonora de filmes delirantes, em especial da lavra de David Lynch – não por outro motivo, Lynch usou canções de Reznor para seu filme mais caótico a datar – Lost Highway.

Assim, quando várias formas de arte se homologam e dialogam, temos a certeza de que um artista chegou a algum lugar relevante, o que é referendado quando grandes nomes como Lynch, Bowie, Johnny Cash, Gene Simmons, etc etc, renderam-se à genialidade de Reznor.

Como se não bastasse, o rapaz ainda possui uma invejável sensibilidade romântica e consegue transferir a suas canções o sofrimento de tais sentimentos como ninguém – vide "Something i can never have" e "hurt".

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E, ainda há relevância filosófica em suas letras. Quer seja o discurso de Adorno e a cultura de massas em "Head Like a Hole", anticristianismo ao longo de todo catálogo do artista, em especial em "Right where it belongs", Reznor traça seus pensamentos por meio de estrofes que remetem diretamente à filosofia existencialista e a busca do sujeito pelo seu dasein, ou seja, de seu ser-aí-no-mundo-com-os-outros, como se diria numa tradução ligeira do termo, presente na obra, sobretudo, de Martin Heidegger.

É muita cultura, não é? Nada que modistas que ouvem os top 5 das rádios possam compreender. Como diria Nietzsche, você é o que você consome... De todo modo, vamos à análise dessa canção e sua relação com o existencialismo.

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Uma das grandes questões filosóficas está na busca da essência das coisas, como, por exemplo, daquilo que é a essência do sujeito (ente, dasein). O homem e sua consciência moral, eis aí um tema presente nos estudos dos maiores filósofos que conhecemos, desde Sócrates, passando por Platão, Aristóteles, desembocando em Kant, Nietzsche, Mearlou-Ponty, Sartre, e por aí vai.

O existencialismo, basicamente, é essa corrente filosófica surgida dos avanços da Fenomenologia, de Husserl, em busca daquilo que é a essência do sujeito, quase como que recriando uma ontologia clássica – traduzida em ontologia fundamental por Heidegger em "Ser e Tempo", sua obra fundamental.

Como podemos explicar essa visão filosófica de modo simples? Bem, pense assim: vivemos nosso cotidiano absorvidos por aquilo que chamamos de mundanidade, ou seja, aquilo que a vida entre os outros nos impõe para sermos aceitos socialmente. Assim, cumprimos diversos papeis sociais – ora somo estudantes, ora somos advogados, professores, cônjuges, pais, filhos, etc, etc – sempre entretidos com aquilo que de nós se espera socialmente, enfim.

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Quanto mais nos entregamos às demandas da vida mundana, mais nos afastamos daquilo que é a nossa essência, como se fossemos nos afastando daquilo que, em primeiro lugar, seria nossa busca na vida.

Daí advém um dilema entre dois "eus": um entregue à mundanidade e suas coquistas e, o outro, seu ser-autêntico, que ficou preso em sua consciência moral, que está sempre a dizer – quando estamos sozinhos conosco mesmos – que você abandonou aquele quem realmente deveria ser.

E, nesse debate entre seu ser-cotidiano e o seu ser-da-consciência surge o conflito moral. O que fazer diante disso? Geralmente nos entregamos a alguma religião para nos aliviar tal peso, ou a psiquiatras, ou a bebidas e a uma vida hedonista em geral. Não é verdade?

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E, se negássemos esse tipo de suspensão de nossa consciência moral e fossemos, com efeito, de encontro a ela, o que descobriríamos? O óbvio: que somos seres em estado de abandono (derrilicção) que caminhamos sozinhos de encontro com a única coisa que é certa na vida: a morte.

Se chegássemos a essa revelação, certamente, faríamos tal qual Sócrates e outros filósofos fizeram e entregaríamos nossa vida ao autoconhecimento e a preparação para a morte. Mas, como isto é muito duro, caminhamos de carnaval a carnaval, de Copas do Mundo a Copas do Mundo para apagar a tristeza dessa revelação.

E, de repente, vem um Trent Reznor desse e joga tudo isso na nossa cara. Perceba o que a canção em análise revela é justamente este encontro entre o "eu-mundano" e o "eu-consciência":

See the animal in his cage that you built
Are you sure what side you're on?
Better not look him too closely in the eye
Are you sure what side of the glass you are on?
See the safety of the life you have built
Everything where it belongs
Feel the hollowness inside of your heart
And it's all...
Right where it belongs

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(veja o animal na jaula que você criou
Você tem certeza em que lado você está?
Melhor não olhá-lo muito perto nos olhos
você tem certeza eu qual lado do espelho você está?
Veja o conforto da vida que você criou
Tudo no devido lugar
Veja o vazio no seu coração
E está tudo...
exatamente onde deveria estar)

Nessa primeira estrofe, o autor, ao tratar do animal preso na jaula e, nós, fora dela, já antecipa a questão: quem está preso? Ao dizer que é melhor não olhá-lo nos olhos está a dizer que isto poderia nos fazer encontrar o que aprisionamos em nós mesmos; adiante, quando indaga se tem certeza de qual lado do espelho que você está e continua dizendo do mundo que criamos e aceitamos para nos sentirmos seguros, prepara as questões que virão na próxima estrofe:

What if everything around you
Isn't quite as it seems?
What if all the world you think you know
Is an elaborate dream?
And if you look at your reflection
Is it all you want it to be?
What if you could look right through the cracks?
Would you find yourself...
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(E se tudo ao seu redor
não é bem como parece?
O que seria se o mundo que você pensa que sabr
Fosse um sonho criado?
E se você olhasse seu reflexo
É tudo o que queria ser?
E se você pudesse olhar através das rachaduras? Você se acharia
Se acharia com medo de ver?)

Quem nunca se pegou no espelho se olhando e meio que se questionando? E, como diz Reznor, se você olhasse através das rachaduras, será que não sentiria medo? Medo de ver quem você se tornou tão distante daquele que você realmente é?

Mas, então, toca o celular, o interfone e o porteiro dizendo que a pizza chegou e você, por conveniência, volta à sua vida mundana, à sua cotidianidade, que te deixa tão seguro!

Curioso, às vezes nos esquecemos deste tipo de indagação. Note que o contato com as crianças nos faz lembrar que já fomos filósofos ao menos uma vez na vida: quando, justamente éramos crianças e, ainda, tínhamos coragem de indagar sobre a certeza daquilo que se nos coloca como óbvio.

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Ontem, estava com meu filho e ele me perguntou se eu já tive a impressão de que o "mundo real", na verdade, não existe, e que, aquilo que vivemos, na verdade, pode ser algo criado por nosso pensamento, uma ilusão!!???

Claro que minimizei essa conversa (afinal, ele tem apenas 11 anos e, na verdade, acho que não esperava de mim uma resposta pronta – isso ele já tem na escola...). E, não é isso justamente que Reznor está dizendo na estrofe reprisada abaixo?

What if all the world's inside of your head
Just creations of your own?
Your devils and your gods
All the living and the dead
And you're really all alone?
You can live in this illusion
You can choose to believe
You keep looking but you can't find the woods
While you're hiding in the trees

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(e se todo o mundo em sua cabeça
fossem criações de sua mente?
Seus demônios e seus deuses
todos os mortos e os vivos
e você está realmente sozinho?
Você pode viver essa ilusão
Você pode escolher acreditar
Você continua olhando mas você não pode achar os troncos
enquanto está se escondendo atrás das árvores)

Pois aí está. Você pode viver a ilusão dos hits de verão, do mercado de trabalho, da busca pela vitória, você pode escolher acreditar! E, assim, você escolhe não enxergar aquilo que está diante de seus olhos (You keep looking but can’t find the Woods/While you’re hiding in the tress), negar aquele momento de reflexão e consumir o que está mais próximo, como uma novela, uma festa open bar, ok. Afinal, essas ilusões escondem a verdade, aliviam a dor, aquilo que não precisamos encarar; se não olharmos nas rachaduras do espelho e depararmo-nos conosco mesmos lá, lutando por libertação e, entre as rachaduras do espelho, com medo de ver.

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E, assim, sem reflexão, mas contentes com nosso reflexo no espelho, viramos a cópia da cópia da cópia...outra música do NIN, que fica para outro ensaio.

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Sobre Wallace Ricardo Magri

Convertido ao rock desde 1983, quando o Kiss desembarcou no Brasil. Headbanger, que curte de Venom a Accept, de Ministry a The Darkness. Pesquisador do rock; religião que professa: Metal!
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