Grandaddy
Postado em 06 de abril de 2006
Biografia originalmente publicada no site Dying Days
Por Francisco Mares de Souza
A Califórnia é um dos grandes centros do rock americano e mundial. As grandes cidades de lá, como San Francisco, Los Angeles e San Diego, nos deram bandas que vão dos ídolos dos anos 60 Beach Boys aos ícones alternativos do Jane's Addiction, passando por vários estilos e vertentes da música pop. Mas longe das ensolaradas praias existe uma Califórnia distante dos cartões postais, como os grandes desertos e a zona rural. E é dessa Califórnia esquecida que vem o Grandaddy, mais precisamente da modesta cidade de Modesto, uma pequena cidade agricola há uns 100 km de San Francisco.
Viver em uma pacata cidade rural próxima das capitais da cultura globalizada de hoje é uma influência que não pode ser descartada ao explicar o som do Grandaddy. As letras , principalmente de The Sophtwere Slump, explicitam esse conflito entre a vida do campo e a vida moderna, misturando as bucólicas paisagens de Modesto com toda a neurose da vida de San Francisco e Los Angeles. A parte musical é um capítulo a parte: escapam de qualquer rótulo, apesar de serem constantemente chamados de "lo-fi" ou "alternative country". A verdade é que a banda bebe de muitas fontes, juntando a caipirice do Whiskeytown com os experimentalismos do Flaming Lips, sem descartar a insanidade garageira de Pixies e Mudhoney em muitas faixas. Isso fica bem claro ao ouvir os discos da banda, onde o Grandaddy passeia por estilos variados sem nunca deixar de imprimir sua marca.
Jason Lytle, principal compositor e vocalista da banda, era um skatista profissional antes de formar a banda. Em 1992, largou o esporte e decidiu dedicar-se à música. Chamou dois amigos seus, Kevin Garcia e Aaron Burtch, e formou o Grandaddy. Durante seus primeiros anos, a banda passou um bom tempo em estúdio gravando e aprimorando suas primeiras composições e fazendo alguns shows em pequenos bares da pequena cidade de Modesto. Jim Fairchild e Tim Dryden já eram amigos dos outros membros da banda, e até apareciam de vez em quando nos ensaios e gravações da banda.
Apenas em 1994 a banda lança seu primeiro registro, chamado Complex Party Come-Along Theories. Gravado nas casas de Kevin e Jason e produzido e lançado pela banda, apresenta 13 músicas escritas durante esses 2 anos. Vendeu algo em torno de 200 cópias, e não saiu das fronteiras de Modesto. Por ser gravado de forma caseira e rústica, com apenas uma guitarra, um baixo, um violão e uma bateria, apresenta uma sonoridade mais lo-fi, lembrando em muitos momentos bandas como o Guided By Voices. Apesar disso, a mistura de folk, psicodelia e vários outros elementos que posteriormente se tornaria a característica principal da banda está presente nesse disco, e é visível em faixas como Taster e Kim You Bore Me To Death. 2 singles são retirados desse álbum, sendo os primeiros lançamentos da banda por algum selo. São eles Could This Be Love, que segundo Lytle é sua única música sobre seu passado como skatista, e Taster/Nebraska.
Em 1995, os amigos da banda Jim Fairchild e Tim Dreyden se tornam membros oficiais da banda, depois de muitas participações em ensaios. Juntos com o resto da banda, gravam algumas canções que, junto com algumas já lançadas em seu disco anterior, formam o EP A Preety Mess By This One Band, que é lançado em abril de 96. É gravado também o disco Don't Sock The Tryer, mas este nunca chegou a ser lançado, apesar de algumas de suas faixas terem sido incluídas em lançamentos posteriores da banda.
Após 5 anos reclusos em Modesto, o Grandaddy finalmente consegue um contrato com uma gravadora, a Will Records. Em 97, gravam no mesmo esquema caseiro de sempre o disco Under The Western Freeway, produzido por Jason Lytle e lançado pela Will Records em outubro do mesmo ano. A evolução do grupo é notável; os arranjos estavam mais detalhados, os teclados passaram a ter uma importância fundamental nos arranjos, excelentes melodias foram criadas e a sonoridade deixou de ser suja e amadora, ganhando contornos bem trabalhados. Um excelente disco, sem sombras de dúvida.
O disco acabou, de certa forma, lançando a banda no meio alternativo mundial. O CD é lançado primeiro na Europa, e a banda passa o ano de 98 excursionando pelo velho continente, chegando a tocar ao lado dos badalados Super Furry Animals. Um EP é lançado apenas no Reino Unido, chamado Machines Are Not She, que apresenta faixas gravadas durante as seções de Under The Western Freeway e Don't Sock The Tryer. Após um certo tempo, o disco é lançado nos Estados Unidos também.
Apesar de tudo isso, a banda permanecia em um certo anonimato. As vendas não estavam sendo muito boas nem na Europa nem em sua terra natal, e a falta de um bom single parecia ser a resposta. Everything Beautiful Is Far Away e Laughing Stock, os dois primeiros singles de Under The Western Freeway, são excelentes músicas, mas não têm o fator pop que uma música de trabalho precisa, e por isso não chamaram muita atenção nem do público nem da crítica. A solução parecia ser o lançamento de um terceiro single, com uma faixa com maiores possibilidades de atingir a crítica e o público. Esse single era Summer Here Kids, quarta faixa da estréia "oficial" do Grandaddy.
Logo de cara, Summer Here Kids é nomeado Single Of The Week, pela NME. Com essa exposição, a banda consegue aumentar seu público, a crítica demonstra interesse e, como conseqüência, as vendas sobem. Estava criado um hype sobre o Grandaddy, pela primeira vez eles recebiam a devida atenção da mídia e do público. No mesmo ano, é lançado, ainda, mais um single, AM 180.
Com esse sucesso, a banda resolveu passar um maior tempo na estrada, o que acabou deixando a banda exausta e desunida. Ao terminar a turnê, os membros decidem tirar férias antes de começar a mexer com o novo material. Segundo Lytle, "não gostaríamos que nosso próximo disco soasse como um disco de alguém de saco cheio das turnês". Outra coisa que aborrecia os Grandaddys era o rótulo que lhes era imposto: lo-fi, sem mais definições. Fairchild, em uma entrevista recente, disse que a banda está "cheia desse rótulo", mas afirma também que tanto ele quanto Lytle e o resto da banda não querem ter seus discos produzidos por terceiros.
Depois de um merecido descanso, a banda volta a Modesto para produzir seu segundo disco comercial, The Sophtware Slump. Dessa vez a banda decidiu partir para um trabalho mais elaborado, usando novos timbres, arranjos mais densos e complexos e, pela primeira vez, um conceito. O disco é baseado nos conflitos do homem após todos os avanços da tecnologia, principalmente no fato de que o homem perdeu todas as suas relações afetivas, passando a ser um ser solitário, infeliz e rodeado por máquinas que apenas pioram toda essa sensação de isolamento. É criado até um personagem, Jed, o Humanóide, um robô alcoólatra que decide se matar após ser rejeitado por seus criadores. Segundo Lytle, "Jed nos ajudou e muito a trabalhar nesse disco, as coisas ficaram muito mais fáceis quando ele tomou seu lugar em nossos corações".
Durante esse período foi lançada uma coletânea com músicas dos EPs Machines Are Not She e A Preety Mess By This One Band, e de Complex Party Come-Along Theories, chamada The Broken Down Comforter Collection. Foi lançado também o EP Signal To Snow Radio, com músicas que foram gravadas antes de um certo ponto das sessões de Sophtware Slump, mas que não seriam incluídas no disco principal por fugirem de seu conceito.
Em maio de 2000 é lançado The Sophtware Slump na Europa, e em junho no resto do mundo, incluindo o Brasil. Um disco que beira a perfeição, usando o interessante conceito dos dilemas do homem moderno de forma original, muitas vezes até inusitada, como na já citada história de Jed, contada sob dois pontos de vistas em Jed The Humanoid e Jed's Other Poem (Beautiful Ground). Jason Lytle e o guitarrista/engenheiro de som Jim Fairchild evoluíram muito em suas técnicas de produção, alcançando belíssimos timbres e fazendo belos arranjos misturando a sonoridade futurista/retrô dos teclados com violões, guitarras e, principalmente, as excelentes e melancólicas melodias de Lytle. Apesar de sua tristeza e de seu desconforto em relação ao mundo, as letras transpiram esperança no homem e nos sonhos, o que é visível em diversas passagens do disco.
The Sophtware Slump acaba sendo um sucesso. Puxado pelo excelente single The Crystal Lake, a banda atinge as paradas pela primeira vez e consegue uma excelente vendagem. A banda acaba sendo destaque de diversas publicações, e o disco aparece em praticamente todas as publicações na lista de melhores do ano de 2000, junto com clássicos do calibre de Kid A, do Radiohead. Outros dois singles são retirados do álbum: a pérola pop Hewlett's Daughter e a inusitada He's Dumb, He's Simple, He's The Pilot, um épico de quase 9 minutos, um tamanho absurdo para uma música de trabalho.
A banda passa o resto do ano e também o ano seguinte na estrada, dividindo o palco com artistas como Elliot Smith. Em outubro, a banda faz um disco especial para essa turnê, chamado The Windfall Varietal, incluindo diversos lados-B, faixas de trabalhos anteriores e uma versão ao vivo da excelente Wretched Songs, música de The Broken Down Comforter Collection. Em 2001, a banda vem ao Brasil, e divide o palco com Belle & Sebastian e Sigur Rós em uma das noites do Free Jazz.
Em 2001, a banda lança algumas faixas nos projetos It's A Cool Cool Christmas, disco beneficente que remete seus lucros a sem-tetos, e Colonel Jeffrey Pumpernickel, estranho disco conceitual com a participação de Stephen Malkmus e Guided By Voices, entre outros. Outro lançamento bem divulgado foi Revolution, cover dos Beatles lançada na trilha sonora do filme I Am Sam. Essa música tem uma história curiosa: a banda decidiu gravá-la para um comercial francês, mas ela acabou não sendo selecionada. Por acaso, a V2, gravadora da banda e da trilha sonora, achou essa música e decidiu colocá-la no disco, junto com versões de Nick Cave, Eddie Vedder e muitos outros para várias canções do quarteto de Liverpool. É lançado também o EP Through a Frosty Plate Glass, com alguns lados-B da banda.
Em 2002, o Grandaddy volta ao estúdio para trabalhar em seu terceiro álbum, Sumday. Com esse disco, a banda queria se desvincular definitivamente do rótulo de lo-fi, mas sem abdicar da produção. Após meses quebrando a cabeça para achar novos timbres, montando os arranjos e trabalhando em cima das melodias, a banda descobre que tem música suficiente para preencher um álbum duplo. Esse rumor é espalhado pela imprensa, mas eles voltam atrás e decidem fechar em doze faixas.
E 3 anos após o lançamento de The Sophtware Slump, em junho de 2003 é lançado o fruto desse período em estúdio, Sumday. É um disco simplesmente maravilhoso, com uma banda mais madura apresentando grandes canções com arranjos brilhantes, melodias notáveis e uma forte influência de tudo o que eles haviam feito até então. Sem dúvida, um dos melhores discos do ano.
Apesar de não ter o mesmo hype do lançamento anterior, tanto Sumday quanto Now It's On, o primeiro single, recebem boas críticas e vendem bem. O segundo single será lançado em agosto, e a música principal é a alegre El Caminos In The West, outra grande canção dessa grande banda.
Os garotos que brincavam com instrumentos e melodias no interior da Califórnia se tornaram uma das maiores bandas da atualidade. Lançaram 3 discos marcantes, viajaram por vários lugares do mundo, ganharam reconhecimento da mídia e do público, mas mesmo assim continuam sendo rapazes do interior, que sempre voltam a Modesto para visitar a mãe ou gravar um disco. Que continuem sempre assim, é impressionante como os ares do campo fazem bem à criatividade de Jason Lytle.
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