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Son House: deve haver algo especial na água do Mississippi

Por Márcio Ribeiro
Postado em 28 de outubro de 2002

Todo mundo conhece Robert Johnson. Sua vida é lendária, sua música é eterna, e a combinação das duas incitaram e influenciaram toda uma geração de músicos do blues branco inglês a partir da década de sessenta. Quero lhes contar a respeito de outro negro, bem menos falado. Ele passou a vida fugindo do blues e querendo abraçar a religiosidade do gospel. Sofrendo entre as duas extremidades, sua angústia lhe conferiu a melhor das vozes para gritar sua dor. Falo de Son House, o homem que foi a maior influência na música de Robert Johnson, como também de Muddy Waters.

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Deve haver algo de especial na água do rio Mississippi, por volta da altura do delta. No raio de pouco mais de 10 a 20 milhas, nasceram os maiores bluesmen da história. John Lee Hooker, Muddy Waters, Howlin' Wolf, são todos nomes de mestres do blues, todos nascidos dentro do mesmo raio de pouco mais de 20 milhas um do outro. Existem outros nomes de grandes mentores bem menos conhecidos que também são da área. Son House foi um destes, nascido em meio a uma plantação de algodão na região de Riverton, perto de Leon, Mississippi, a duas milhas de Clarksdale, a 'cidade grande' mais próxima.

Seu nome de batismo é Eddie James House Jr., segundo de três filhos do casal Eddie e Maggie House, nascido no dia 21 de março de 1902. A família constantemente se mudando, sempre de plantação em plantação, entre os estados de Mississippi e Louisiana. Aos sete anos, seus pais se separaram e sua mãe se mudou com os filhos para Tallulah, sul de Louisiana, perto de Vicksburg. Son House passa a trabalhar com algodão e estudar, conseguindo a rara proeza de se manter nos estudos até completar a oitava série. Durante este período ele se torna crente da religião Batista e fervoroso freqüentador da igreja. Aos quinze anos (1917) já pregava nas esquinas, sonhando em ser pastor. Sua imersão e devoção religiosa lhe deram a oportunidade de aprender a ler partitura de cânticos religiosos, graças à paciência e instrução de seu tio pastor. Em retrospecto, será este conhecimento que irá ajudá-lo a aprender a tocar o violão tão rapidamente.

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Paralelamente a sua vida religiosa em Louisiana, Son conseguiu manter boas relações com seu pai que ele vez por outra visitava no Mississippi durante férias escolares. Seu pai, tirava prazer tocando violão e tuba em uma banda montada com seus outros sete irmãos, apresentando um repertório de blues, waltz e 'música antiga'. Son House lembra nitidamente odiar aquele tipo de música e sempre procurou evitar músicos e seus hábitos beberrões.

Son House estava bastante infeliz com o trabalho manual de catar algodão e tentou fugir deste destino ao trabalhar em uma fazendo de gado, serviço que também não o agradou. Passou um período como engraxate, vangloriando-se por ter Louis Armstrong como um de seus clientes habituais. Durante a primeira metade da década de vinte, ele morou e trabalhou em diversos lugares pelos estados de Louisiana, Tennessee, Illinois e Missouri, voltando depois para Leon, onde passou a pregar para a Colored Methodist Episcopal Church.

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House se vê obrigado a voltar a trabalhar na plantação de algodão para se sustentar, o que o deprime e o leva a beber. Certa noite em um bar na cidade de Mattson, algumas poucas milhas de Clarksdale, o pastor já aos vinte e um anos de idade, assiste um músico local faturando uns trocados cantando suas lamúrias. O músico era Willie Wilson, um bluesman do sul de Mississippi pelo menos quinze anos mais velho que House. Wilson tocava usando uma garrafinha de remédio no dedo anular da mão esquerda. Foi a primeira vez que Son ouvia um violão tocado no estilo bottleneck. O som tirado por Wilson despertou finalmente seu interesse pelo violão.

Não muito depois deste interesse ser despertado, novamente em um bar, desta vez em Drew, umas boas quarenta milhas de Clarksdale, Son assiste outro blueseiro chamado Rubin Lacy fazendo uns trocados com seu canto. Conversam, e com a devida permissão, tenta tocar o violão pela primeira vez. Mal tocado, é sua voz que inspira as moscas da birosca a aplaudir e deixar algumas moedas pra trás. Son House, bêbado, canta com mais potência e convicção do que a maioria dos que estão acostumados a aparecer de passagem.

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Com seu aprendizado de ler pauta de cantos religiosos, Son House pode aprender rapidamente o violão, comprando um velho e quebrado, que Rubin Lacy ajudou a consertar e afinar para ele. Outro bluesmen com quem Son House ouviu e lhe influenciou se chama James McCoy. Seus dois blues, "My Black Mama" e "Preachin' the Blues", seriam retrabalhados por House que acabaria mudando a letra e transformando-as em suas. House percebe rapidamente que ele consegue se sustentar com muito menos trabalho cantando por trocados e, embora envergonhado, passa a viver desta maneira, cantando em piqueniques, danças e festas na região de Robinsville, perto de Leon, de 1922 até 1928.

House acaba casado com Carrie Martin e se associa ao Dr. McFallen's Medicine Show, em Ruleville, onde ele apresentava um repertório repleto de gospel e blues. São estes dois pólos, o divino representado pelo gospel e o profano representado pelo blues, o centro de seu dilema interno. O dinheiro porém era bom e é provável supor que ele ficaria por mais tempo no show medicinal, não fosse outro incidente mais sério de bebedeira em um bar. Estando novamente em Leon, Son House se mete em uma briga de bar que rapidamente se torna um tiroteio. Quando a fumaça abaixou, Son House havia baleado e morto seu oponente, sendo imediatamente preso. Considerado defesa própria, serviu apenas dois anos na penitenciária de Parchment Farm em Clarksdale.

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Ao deixar a cadeia em 1930, Son House já abandonara de vez todas as suas aspirações religiosas. Passou a viver como músico de blues andarilho, pegando carona escondido em trens cargueiros e buscando carona nas estradas, que acabaram levando-o até a cidade de Lula, ainda no Mississippi. Lá conheceu Charlie Patton, uma das maiores figuras do blues até aquele momento. Embora os dois homens tivessem temperamentos diferentes, o que geralmente levava a discussões que acabavam em brigas esquentadas, foi Patton que abriu as portas de Son House para a gravadora Paramount Records em Grafton, Wisconsin.

House gravou dez faixas, das quais até o momento, apenas quatro foram lançadas. São elas "My Black Mama (Part 1)," "Preachin' the Blues (Part 1 & 2)," e "Dry Spell Blues (Part 1)." O resto foi perdido, tendo a canção "Walkin' Blues" sido encontrada somente depois de sua morte. Ainda continuam desaparecidas as demais gravações desta histórica sessão. Que se saiba, elas são "My Black Mama (Part 2)," "Dry Spell Blues (Part 2)," "Clarksdale Moan", "Mississippi County Farm", e "What Do You Want Me To Do".

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Este material quando saiu, o fez no formato da época que eram discos de 12 polegadas em 78 rpm. Consta que esta remessa, pela falta de investimento, fora prensada com a pior e mais barata maquinaria disponível, de forma que mesmo novo, já se ouvia tudo com chiado. Ainda assim, estas gravações demonstram Son House completamente em controle sob seu violão, como também sua voz intimidadora, descrita por alguns como 'demoníaca', tamanha força e ressonância, certamente adquirida nos seus tempos em que pregava como pastor.

Embora vendendo pouco, foram essas gravações que atraíram Alan Lomax, representante da biblioteca do Congresso Americano a procurá-lo para gravar em 1941. Entre os dez anos que separam estes dois registros, Son House havia evoluído para sua melhor forma, circulando por Mississippi e Tennessee tocando com o amigo Willie Brown e seguido por um tempo pelo adolescente Robert Johnson. Quando Willie Brown gravou seu "Future Blues", Son House estava com ele ajudando no violão. Son também arrumara outra mulher, Evie McGown, com quem permaneceria casado pelo resto de sua vida, embora não tendo nenhum filho conhecido com ela.

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Os registros de Lomax são particularmente significativos porque, além do material solo que Son House gravou só de voz e violão, foi também organizada uma pequena banda de boteco. Algumas faixas chegam a durar seis minutos, tão à vontade a atmosfera e a música nestas segundas sessões realizadas em 1942 em Robinsville, Mississippi. Entre os membros desta banda estava novamente o amigo Willie Brown. Entre temas gravados estão "Levee Camp Blues", "Government Fleet Blues", "The Jinx Blues", "Camp Hollers", "Shetland Pony Blues" e "Fo' Clock Blues". No ano seguinte Son House sumiu do mapa. Após a morte do amigo Willie Brown, perdeu o gosto para a coisa. Concluiu que ninguém estava realmente interessado no blues e desistiu da carreira. Simplesmente abandonou o violão, se mudou com a mulher e recomeçou a vida fazendo outra coisa.

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Ele havia se mudado para a pequena cidade de Rochester no estado de Nova York, vivendo anonimamente. Foi somente em 1964 que foi encontrado por Dick Waterman, Nick Perls and Phil Spiro, um grupo de jovens pesquisadores e amantes do blues. Pela insistência deste grupo, garantindo que havia um novo público de jovens brancos interessado no blues e em particular nele, foi que Son House acabou persuadido a voltar a tocar e se apresentar. De fato, o interesse pelo blues havia crescido na Inglaterra desde o final da década de cinqüenta e após a invasão inglesa na cena musical americana em 1964, bandas como os Rolling Stones passaram a divulgar cada vez mais os trabalhos dos velhos mestres.

Son House havia ficado tanto tempo sem tocar que precisou ter uma primorosa ajuda de um jovem chamado Alan Wilson, para ensiná-lo a tocar novamente em seu estilo. Wilson gravou com Son House e alguns anos depois, seria um dos fundadores da banda de hard blues Canned Heat. House uma vez de volta à forma, passou a excursionar pelos bares universitários e festivais pelo país. Gostou da repentina popularidade, embora com emoções reservadas. Várias eram as perguntas sobre Robert Johnson e Charlie Patton. Son House ficou com a impressão de que para os jovens, estas pessoas não passavam de nomes exóticos encontrados em um selo de disco antigo, enquanto para ele, eram amigos de carne e osso já falecidos.

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Regravou vários de seus antigos sucessos de bar para o selo Blue Goose em Washington DC, ainda em 1964, e no ano seguinte em Nova York, para Columbia em 1965. Faixas como "Death Letter Blues," "Preachin' Blues" e "Grinnin' In Your Face", que embora tendo Son House passado seu auge, ainda deixam uma forte impressão no ouvinte. Sua carreira nunca esteve mais ativa do que na década de sessenta onde encontrou público ansioso por ouvir sua música em toda parte dos Estados Unidos e Canadá, onde se apresentou. Em 1967 visitou a Inglaterra e depois outras partes da Europa. Algumas de suas apresentações ao vivo foram gravadas e lançadas pelo selo Vanguard Records. Gravou outro disco pelo selo Roots Records em 1969 e em setenta participou do prestigiado Montreux Jazz Festival, na Suíça.

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Em 1971 sua saúde começou a declinar e suas excursões internacionais e pelo país cessaram praticamente por completo. Passou a morar na cidade de Búfalo no estado de Nova York onde permaneceu pelos próximos cinco anos. Son House foi diagnosticado primeiro com Alzheimer, o que afetou sua memória para lembrar as canções e como tocá-las. Ainda assim, encontrou forças para participar do Toronto Island Blues Festival de 1974, no Canadá. É sua última apresentação ao vivo conhecida. House se muda em 1976 para a cidade de Detroit onde verificou-se que ele havia também contraído Parkinson, suas mãos agora sacudindo tanto que ele teve que abandonar o violão de vez.

Son House foi inserido no Blues Foundation's Hall of Fame em 1980. Levado ao Harper Hospital em 1987 por causa de um câncer na laringe, o mestre Son House falece no hospital dia 19 de outubro de 1988.

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"The blues ain´t nutin’ but a low-down shakin’ chill.
If you never had ‘em children, I sure hope you never will."
Son House

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Sobre Márcio Ribeiro

Nascido no ano do rato. Era o inicio dos anos sessenta e quem tirou jovens como ele do eixo samba e bossa nova foi Roberto Carlos. O nosso Elvis levou o rock nacional à televisão abrindo as portas para um estilo musical estrangeiro em um país ufanista, prepotente e que acabaria tomado por um golpe militar. Com oito anos, já era maluco por Monkees, Beatles, Archies e temas de desenhos animados em geral. Hoje evita açúcar no seu rock embora clássicos sempre sejam clássicos.
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