Iron Maiden: Um dia sem ódio em Fortaleza
Por Marcos Hiyoga
Postado em 05 de abril de 2016
"Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar".
Quando vamos parar de sentir tanto ódio? Quando iremos ouvir a dor do próximo sem interrompê-lo para dizer-lhe que a nossa é maior? Quando deixaremos de ser completamente "eu" para sermos um pouco "nós" ? Quando chegará o dia em que o respeito será nosso pensamento instantâneo? Quando descobriremos que a inveja nada mais é que uma vaidade induzida? Que a ultrapassagem proibida não nos faz mais homens que outrem?
24 de março de 2016, antes disso o nunca de ontem era o de sempre; mas, depois dessa data, o hoje não mais fará parte do nunca. Esse dia eternizou-se no coração de Fortaleza. Em plena crise, pela qual o país está passando, presenciamos um marco histórico: o dia em que estivemos presentes por uma mesma causa, que por mais que houvesse diversas tipologias reunidas, manifestamo-nos com um orgulho generalizado de consciência coletiva. Não é de política que estou falando, e, sim, do dia em que, por um momento, gritamos em uníssono o nome dela.
Antes de continuar, gostaria de voltar um pouco ao passado, especificamente ao ano de 1994. Um ano de marcações históricas, cujas sensações foram assombrosamente distintas; tempo em que a alegria e a tristeza permaneceram de mãos dadas. * Coração no bico da chuteira, raça no peito e um grito entalado na garganta. Bebeto e Romário ajudam o Brasil a dar à luz o tão sonhado filho chamado Tetra. Sai que é sua,Tafareeeel! * Senna voou, e não aterrissou mais... Bandeira preta (de luto) nas pistas, a Fórmula 1 perdeu a graça. * Gritos enfurecidos, riffs sujos e marcantes, genialidade única eram características que faziam O cara do Nirvana aparecer, e, ao mesmo tempo, se esconder atrás de um personagem. Cobain exagerou na anestesia para aguentar este mundo, portanto, não esperem pelo bis. * O trapalhão que adorava uma lapádis de cânis entornou sua ultima dose. Cacíldis, Mussum, nem esperou a saideira!? * Guerra Galáctica: cavaleiros disputam a armadura de ouro de sagitário. "Temos que salvar Atena! Só temos doze horas para atravessar o santuário e chegar à sala do mestre." Uma linda e sangrenta saga de lealdade cósmica e amizade infinita. * A música perdeu o Tom, desafinando o coração de quem ama MPB. * Um real, um dólar, será que nosso dinheiro deixará de ser esmola? Nossa economia parece que vai deslanchar. * Foi ano de apertar start para fazer macacada com Donkey Kong no Super Nitendo; ano em que Forest correu pra cara...; ano de Hakuna Matata (deixe o seu passado para trás e esqueça seus problemas). * "__ Não odeia isso? __ O quê? __ Silêncios desconfortáveis. Por que temos que falar de idiotices para nos sentirmos bem? __ Não sei. __ É uma boa pergunta. É assim que sabe que encontrou alguém especial. Quando pode calar a boca um minuto e sentir-se à vontade em silêncio." (PULP FICTION). * Nelson Mandela, autor da frase que inicia esse texto, símbolo da luta por liberdade, 27 anos na prisão, disseminador da filosofia Ubuntu na luta contra o Apartheid, se torna o primeiro presidente negro da África do Sul. Que ano é esse!
No mesmo ano, um esguio rapazinho de 14 anos (cheio de metas, sonhos, medos, expectativas) vivia abarcando o mundo com as pernas e se frustrando. Sentia aquele redemoinho de impressões pelos quais qualquer "girino" nessa fase passa. "Pobre púbere, é a dor crescente", pensa o destino.
[Seu grande amor está sendo gerado neste momento]
A vida é recheada de "aparentementes" e "emboramentes", e, naquela época, aparentemente, ele estava engajado, por muito reforço familiar, em um promissor futuro mesclado a Forças Armadas e esportes. Tudo ia funcionando no automático, quando, eis que, do nada, o acaso enviou-lhe algo: sedutoras notas musicais. Um sinal que o fez parar. Uma sensação estranha, esquisita. Ele estava na casa de um amigo, foi pedir um cartucho do Master System, Asterix, emprestado. Na medida em que a voz da música penetrava em sua cabeça, um bum, um pah era sentido no corpo! Então, sentiu um estalo. Enquanto os amigos conversavam, a composição o fisgava. Num determinado momento, pôs a mão no peito para sentir o coração acelerado, arregalou os olhos e falou: o que é essa música? Alguém lhe respondeu. Ficou deslumbrado, extasiado. Esqueceu-se do cartucho, e pediu ao amigo o vinil da banda por uns dias. Foi naquele exato momento que se abriu um novo caminho, um insight condutor de uma nova vida para aquele garoto.
Depois de muita reflexão, as pessoas acabam descobrindo que na vida há vários divisores de águas. Momentos cruciais de mudança. Que o passado está sempre presente, que o presente pode ser do passado. Que estar presente no dia 24 de março de 2016, foi o maior presente que poderíamos receber. Arena Castelão, eu sou aquele moleque, ele sou eu. Somos um só: 26 mil pessoas, o segundo maior público do Brasil. Lágrimas de muitas histórias, sorrisos de infinitas lembranças, euforia de todas as cores, empolgação abraçada sem se importar com doutrinas. O dia para sermos apenas nós. Meu quinto show do Iron Maiden, a banda que mudou minha vida, foi inimaginável. Vê-los aqui em Fortaleza, cidade onde nasci, teve outro contexto, um peso gigantesco, outra conquista. E, assim como no passado, as águas foram divididas. Foi uma noite honrosa, digna de admiração, que mostrou às pessoas da nossa terrinha um mundo diferente do estereótipo roqueiro-drogado-vagabundo-do cão. Um cenário teatral, uma performance impecável. Um público que serviu de exemplo para quaisquer tribos. 26 mil mundos que se uniram sob uma emoção incontrolável. Uma torcida uniformizada diferente, que torce, acima de tudo, pela paz. Um dia sem ódio, um dia de reencontrar amigos, de sorrir, de abraçar, de gritar em harmonia. Os fãs do Maiden entoaram um coro retumbante que saiu do estádio e ecoou sobre Fortaleza. Mostrou que a coragem dos organizadores pode lhes render não só lucro como respeito mútuo. A banda mexeu com o hábito da nossa cidade. No dia anterior, o Ed Force 1 pousara no Pinto Martins, uma aterrissagem mais que perfeita – orgulho. Um show para ficar na memória, uma noite que fez o mais forte dos barbudões se desmanchar feito bebê – alma lavada. Senhores do Iron Maiden, vocês merecem todo o respeito de todos. Inesquecível. Obrigado a todos, foi tudo incrivelmente lindo.
Por um mundo com mais dias assim...
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