Dinho Ouro Preto: cogumelos mágicos e síndrome de Peter Pan
Por Tales Avellar
Postado em 23 de novembro de 2021
Um dos raros casos de sucesso duradouro no rock brasileiro, o Capital Inicial segue na ativa e, nos últimos anos, vem fazendo entrevistas online que contam um pouco dos bastidores dessa história.
Dinho Ouro Preto relembra o começo da banda. Não tem muita lembrança do primeiro show do Capital, além de muito álcool, ansiedade e de escalar uma árvore atrás do palco antes do show. Todos garotos jovens, eles levavam muito a sério o lema punk do "faça você mesmo". As roupas deles seriam feitas por eles e não as das lojas, as músicas de que gostavam não seriam as que eram mandados gostar, e tudo seria lançado em fanzines independentes.
"Olha, era uma pretensão... que chega a ser ridícula. Realmente achávamos que estávamos contribuindo para derrubar o sistema."
O astro conta até sobre o uso inusitado de drogas na adolescência em Brasília. A cidade é uma pequena ilha de concreto no meio da vegetação selvagem do cerrado, e Dinho e os amigos, entediados, costumavam ir passar o dia no mato, a apenas um quilômetro de distância. Uma abundância de cogumelos silvestres crescia por toda parte, e os meninos logo descobriram que serviam para comer... e para outras coisas.
Passavam a tarde toda na "onda" de cogumelo e voltavam para casa ainda a tempo para o jantar, sem que os pais nunca percebessem nada diferente. Hoje, após uma longa e conturbada história com drogas, já tendo usado "de tudo, sólido, líquido", o cantor se mantém limpo, até de álcool, e diz ser do "sexo, endorfinas naturais e rock'n'roll".
Sobre um dos maiores sucessos do grupo, o mega hit "À sua maneira" é cantado até hoje em qualquer barzinho, mas o que muitos brasileiros não sabem é que se trata de um cover de "De música ligera", dos astros argentinos Soda Stereo. Outras versões da música já tinham sido feitas no Brasil sem tanto reconhecimento, como a dos Paralamas do Sucesso, mas Dinho decidiu fazer a sua própria tradução, querendo trazer visibilidade ao trabalho dos vizinhos hermanos. Após o álbum "Acústico Capital Inicial", que Dinho chama de "uma explosão nuclear em nossas vidas" e algo que inovaria sua forma de composição, a banda trabalhava no novo álbum, "Rosas e vinho tinto". O disco já estava pronto, quando o cantor decidiu incluir mais uma música. Naturalmente, ninguém da produção ficou muito animado com a ideia, e a música quase não entrou no álbum. Dinho conta que, inicialmente, tentou traduzir pelo significado, tentando manter-se o mais fiel possível à letra original, mas a dificuldade foi tanta que ele logo passou para outra abordagem. Fez uma tradução mais sonora, de acordo com as sílabas das rimas, e o resultado foi um sucesso estrondoso que surpreendeu até a própria banda, passando a fazer parte de seu legado mais marcante. É bastante para uma música de última hora.
Na época da escola, o cantor "não falava com quem não era roqueiro", até começar a ter contato com músicos de outros estilos em programas de TV depois de ganhar reconhecimento. Sobre as aparições na televisão em "programas bizarros", diz que o desafio é não mudar sua arte nem quem você é, e levar a verdade do rock a qualquer lugar, verdade que pode ser transposta para qualquer outro estilo.
Por continuar fazendo rock na idade adulta, em vez de estilos de música mais "maduros", Dinho já foi acusado de "síndrome de Peter Pan". Pela sua visão, os músicos brasileiros tendem a se afastar do rock à medida que envelhecem, dando preferência à MPB, por exemplo. "Cadê o Ozzy brasileiro? Cadê o Steven Tyler brasileiro? Eu gosto de rock. Não vou fazer outra coisa porque estou ficando mais velho. Eu escuto as mesmas coisas que escutava com 15 anos. Suponho que quem faz música erudita é assim também." Ele vê o rock brasileiro como muito conservador, e que falta um elemento mais sexual, "contundente", que seria um dos pontos mais fortes do rock, em figuras como Axl Rose, por exemplo. Fora os grupos antigos que ainda fazem sucesso, Dinho sente falta de alguém novo, um iconoclasta que cause uma onda de entusiasmo e "acenda o pavio" do rock de novo, citando o Nirvana como referência de reinvenção. Acredita que é a "calma antes da tempestade", "queimar para renascer", e que ainda veremos essa pessoa. Eu, por aqui, estou com os dedos cruzados.
Entrevista no canal UOL, 2017
Entrevista no canal do Capital Inicial, 2020
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