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Porque David Bowie criava personagens (e sempre os abandonava)?

Por André Garcia
Postado em 29 de abril de 2022

Chuck Berry foi um pioneiro por ter tocado sua guitarra de forma que estabeleceu as fundações do rock n roll. Mas ele também foi pioneiro em criar personagens em suas músicas, como o célebre Johnny B. Goode, o arquétipo do rockstar.

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No entanto, no começo dos anos 70, nomes como Alice Cooper e David Bowie levaram isso a outro nível não apenas criando personagens e cantando sobre eles, mas os vivendo na vida real.

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O Camaleão do Rock se tornou um astro na Inglaterra ao dar vida ao alienígena messiânico e hedonista Ziggy Stardust, o ícaro do rock. Desde então, ele criou vários outros personagens dos mais diversos, mas todos tendo o mesmo destino: serem abandonados por seu criador após alguns anos.

No dia 3 de junho de 1987, David Bowie deu uma entrevista para Joe Smith onde falou, entre outras coisas, sobre seu processo de criação — não apenas de músicas, mas também de diferentes versões de si mesmo.

"Escrever uma música para mim nunca soava sincero", revelou ele. "Eu não tinha problema em escrever algo para Iggy Pop, Lou Reed ou Mott the Hoople, eu conseguia entrar no mundo deles, no que eles queriam passar... mas eu achava extremamente difícil escrever para mim mesmo."

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Metamorfose ambulante

Bowie surgiu na reta final dos anos 60 fazendo um pop psicodélico, posteriormente passando para um folk hippie, mas não obteve sucesso. Afinal de contas, ele mesmo não se convencia da sinceridade do que estava fazendo. Mas tudo mudou quando ele experimentou ser outra pessoa. "Eu descobri que era bem fácil escrever para os personagens que eu criava. Era muito mais fácil, depois que criei Ziggy [Stardust], escrever músicas para ele. Mesmo ele sendo eu mesmo [risos]!"

Em 1972, David Bowie criou o extravagante e andrógino alienígena Ziggy Stardust, que passou a interpretar dentro e fora dos palcos. "Ziggy era [um personagem de desenho animado surreal]. Ele era metade ficção científica roqueira, metade teatro japonês. As roupas eram escandalosas e simplesmente ninguém tinha visto nada parecido antes."

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Ao ser perguntado se houve um momento em que as pessoas deixaram de levar a sua música a sério por conta do personagem, ele respondeu que "deixei Ziggy para trás a tempo de escapar disso. A maioria dos personagens do rock só podem existir por um curto período, e Ziggy rendeu apenas um ou dois álbuns até que eu não conseguisse mais escrever nada ao redor dele."

Após criar e abandonar tantos personagens, será que seu criador sente saudades deles? "A única coisa da qual sinto alguma nostalgia são vídeos antigos e shows de Ziggy Stardust", confessou. "Fora isso, eu sou frio em relação a eles, considero um trabalho encerrado."

Após o entrevistador observar que aquela é a atitude adotada pelos atores, o cantor prosseguiu: "Você tem que ser assim. Caso contrário, corre o risco de cair na armadilha de simular algo que não existe mais. Muita gente sofre com a ideia de ter que agradar ao público, de ter que ser querido. Quanto mais você cai nessa, mais difícil se torna a vida, porque o interesse do público é momentâneo. Isso acontece quando as coisas dão certo, mas depois você cai, vai saindo de moda. Eu não acho que deva ser isso o que as pessoas devem almejar."

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"O importante, no final das contas, é dizer: 'Eu adorei esse trabalho, já aquele outro trabalho foi ruim', e não avaliar o que foi popular e o que não foi", concluiu.

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Sobre André Garcia

Sou redator e tradutor freelancer e escritor, autor do livro de contos Liber IMP. Ouço rock desde pequeno, leio coisas sobre bandas desde sempre e escrevo sobre ela já tem anos. Cresci como fã de Iron Maiden e paladino do rock, mas já me tratei. Hoje sou fã de nomes como Beatles, David Bowie, The Cure, Kraftwerk e Velvet Underground, e de cenas como a Londres psicodélica, a Nova Iorque proto-punk e a Manchester pós-punk. Escrevo notas e notícias rápidas para o Whiplash.Net visando compartilhar conteúdo relevante sobre música e cultura pop.
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