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As Dramatic Homage - Crown (2012) e Symbolic (2022). Um recorte intertemporal

Por Marcelo R.
Postado em 07 de novembro de 2022

Rsenha originalmente publicada pelo autor em canal do site Medium

O lançamento do álbum full-length de estreia da banda carioca As Dramatic Homage, intitulado Crown, já soma uma década. Contando, à época, com duas demos (A Deep Inner Recital – 2001; e Atmosphere of Pain / Anthems of Hate – 2005) e um single (Ominous Force for Ascension – 2010) em sua discografia, a banda debutou, em grande estilo, em meados de 2012, com um material completo de músicas inéditas.

Em plena atividade criativa, e em sucessão ao álbum de estreia, Crown, o As Dramatic Homage lançou o EP Enlighten (2016) e os singles Consternation (2018) e Praxis (2020), esse último, ao início da eclosão da fase mais crítica da crise sanitária provocada pela pandemia da covid-19.

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Em período coincidente com o esvanecimento, ainda paulatino, da pandemia, os cariocas do As Dramatic Homage presentearam a sua base de fãs, nesse ano de 2022, com o lançamento de mais um single, intitulado Symbolic. Esse exímio material – registre-se, logo de partida – torna viva e concreta a assertiva, que sempre repito, de que o metal nacional abriga as bandas que ocupam os escalões das melhores do mundo. Voltarei a esse ponto, adiante.

Pretendo abordar, por intermédio desta resenha, especificamente o álbum Crown e o single Symbolic para, ao longo de breves palavras, sintetizar, através de um recorte intertemporal, uma comparação analítica da linha evolutiva da banda ao longo dos dez anos que separam esses dois lançamentos.

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O objetivo é arrojado. Atrevido, talvez. A mim, uma novidade. Lanço-me e exponho-me, porém, a esse desafio, como forma de tributar à banda a devida gratidão, em retribuição à música excelentemente entregue.

Regressando no tempo por aproximadamente uma década, Crown enxergou a luz do dia no mês de junho de 2012.

Categorizar é restringir. "Quem se define se limita", advertia Clarice Lispector. Presente essa ideia – premissa verdadeira em relação ao As Dramatic Homage –, pode-se afirmar, com segurança, que conceituar o estilo da banda – e de Crown – em fórmulas e gêneros preconcebidos é injustiçar a fertilidade musical contida em seu repertório. É estereotipar, estratificando em rótulos, inadvertidamente, amplitude musical que não comporta limites em catálogos apriorísticos e pré-definidos de gêneros.

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A contextualização acima sintetizada é, talvez, suficiente para conferir uma dimensão, em panorama geral, da fecundidade sonora esbanjada pelo As Dramatic Homage, tão logo as caixas de som começam a derramar a sua música. Demonstra, simultaneamente, a dificuldade de transmitir, por meio dos limites da linguagem escrita, a experiência e as sensações proporcionadas pela – e ao longo da – viagem musical expressada pelo conjunto.

Em Crown, os atributos e as qualidades acima especificadas – marcas notórias do conjunto – estão presentes. As influências multifacetárias da música apresentada em Crown – que, claramente, beberam na fonte de diversos estilos, como o black metal, o doom metal, o death metal, o progressive metal/rock e, na minha percepção, até mesmo em alguns elementos sutis de folk metal, mais precisamente na linha do Empyrium – estão equilibradamente dosadas, tudo de maneira coesa, conferindo sentido e direcionamento à sonoridade do conjunto, com objetivos bem definidos em termos estilísticos.

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Crown é inaugurado com a faixa Lessons, uma curta e bela canção instrumental executada ao som de teclado, envolta sob o manto de um clima atmosférico, levemente romântico, mas, concomitante e paradoxalmente, sombreada com algumas pinceladas – ainda que veladas sutis – de um clima apreensivo de suspense. Eis o poder da música, com sua aptidão para agitar diversas sensações e impressões – às vezes, inclusive opostas –, dentro da mesma camada sonora.

Sem aviso prévio – e após, até mesmo, desprevenir o ouvinte com a atmosférica canção antecessora –, o álbum segue com a excelente faixa Monumental. Com uma bateria em ritmo frenético e riffs de guitarra cortantes e viscerais, a faixa explode numa sonoridade que remete, diretamente, ao black metal dos anos 90, panorama reforçado pelo poderoso, forte, marcante e encorpado vocal rasgado de Alexandre Pontes, que confere completude à intensidade da canção, preenchendo-a totalmente e dando-lhe tonalidade em dimensões tétricas.

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Monumental, porém, não é uma faixa unidimensional. Ela avança. Evolui. É trabalhada e lapidada. O pluralismo musical é, como já registrado, elemento caracterizador do As Dramatic Homage.

Assim, aos seus aspectos mais intensos – quiçá agressivos –, Monumental é contrastada pela contrabalança da cadência e do feeling, com quebras de tempo e ritmo, com belos e limpos solos de guitarra e, ainda, com diversas passagens estruturadas com vocais limpos. E, nesses momentos, são notórias – ao menos em leitura e interpretação exclusivamente pessoais –, influências de música folk e prog (exploradas, de maneira mais ampla, no single Symbolic, conforme adiante analisado).

O álbum segue nessa toada ao longo das canções subsequentes – Awake to the Twilight e The Icon Omnipresent –, ambas com as mesmas características de inventividade e fertilidade musical.

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A faixa Journey Inside, uma das minhas favoritas do álbum (e do grupo), desenvolve-se numa admirável estrutura. Inicia-se de maneira serena, em atmosfera acústica e com foco e tônica no vocal limpo, repleto de feeling e, até mesmo, em tom introspectivo (provavelmente, não por outro motivo o título da canção é Journey Inside). A faixa é, então, sequenciada rumo a uma nova camada, com um sentimental solo de guitarra (preservando, porém, o mesmo clima serenado, ao fundo). Após, a repentina explosão sonora: uma passagem instrumental intensa, pesada, mas ainda climática, que entrega outro belo solo de guitarra, levando a música ao seu clímax, numa espécie de crescendo. Desacelerando, finalmente, regressa às suas origens, com seu tom ameno e tranquilizador – quase anestésico –, e alcança o desfecho, amainado, após sobressaltar o ouvinte nessa montanha-russa sonora.

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A letra da canção é, igualmente, ponto de destaque, contendo remissões filosóficas, além de profunda veia lírica tonalizada por conceitos abstratos e introspectivos. Eis um pequeno excerto:

"Welcome to this journey inside
Open your heart and mind to this journey inside
If you do not walk, forward, to new horizons
And fight for your dreams wide and see
The power of Sunrise".

Ao término de Journey Inside, o álbum segue com Redemption – com um clima tétrico e cadenciado –, Idyllic, From the Battle of Pain e The Age of Transition, essa última, uma faixa instrumental que remata o álbum de maneira soturna. Alternam-se, nela, passagens mais pesadas e intensas, ao início, e trechos mais obscuros, climáticos e sorumbáticos, ao final. Nesse tom – quase aterrador –, a despedida desse primoroso full-length.

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Esse é, em linhas gerais, o retrato de Crown, que desfila por faixas norteadas, sobretudo, pela inventividade e expansividade musical.

A alegoria à montanha-russa, já citada, não é exclusividade da canção Journey Inside. Permeia toda a audição, na verdade.

A viagem musical expressada em Crown pode ser representada, à semelhança de um passeio de montanha-russa, pelos vórtices de emoções agitados no ouvinte.

É dizer: pelos sobressaltos e impulsos sequenciados por desacelerações, às vezes paulatinas, às vezes abruptas, provocando sempre a sensação de mistério, apreensão e imprevisibilidade a respeito do que virá adiante.

Pelo peso, de um lado, e pelo contrabalanço, de outro, dosado com passagens climáticas e repletas de feeling.

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Pelos cuidados com a técnica na mesma medida de atenção dada ao sentimento e à atmosfera, características que compõem a aura e a estrutura orgânica do As Dramatic Homage.

Pela atenção com o direcionamento e pela preocupação com a coesão no equilíbrio da miríade de distintas influências, de modo a não causar à música efeito disruptivo ou desagregador (risco sempre existente na mescla de diversas influências, armadilha que, porém, não apunhalou o grupo).

Eis as impressões a respeito desse material, em síntese.

Deixo aqui, ao ensejo, o convite à imediata audição do álbum, cuja fertilidade é amplamente maior que o limite imposto por essas singelas e escassas palavras.

Esgotada a imersão em Crown, sequencio com um espaçado salto de uma década, ao tempo presente. Ao ano de 2022.

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Enriquecendo a discografia, nesse intervalo, com alguns outros lançamentos, o As Dramatic Homage trouxe à superfície – à luz do dia, após o obscurantismo do período da pandemia da covid-19 –, um novo material: o single intitulado Symbolic.

Traçando um recorte intertemporal ao longo de uma década de amadurecimento e experiência, é evidente, após audição atenta, comparativa e analítica de Symbolic, a notória linha evolutiva alçada, progressivamente, pelo conjunto, através dos anos.

Symbolic é composto por três canções – Insight, Passage e Symbolic –, que somam aproximadamente 7min20s. O tempo diminuto é próprio da natureza desse tipo lançamento: um single.

Embora segmentado em três canções, o material forma – em avaliação/impressão estritamente pessoal –, um todo unitário. Um complexo único, com interconexão entre canções, que não sofrem solução de continuidade. Ao contrário, formam um conjunto. Uma agregação indissociável – embora pluridimensional, em termos sonoros –, que resulta no conceito musical de Symbolic. Assim, o single não merece, tampouco deve, ser ouvido de forma segmentada, por partes, mas em sua inteireza, sequencialmente.

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Na essência e na sua natureza típica, os elementos do As Dramatic Homage, já abordados, estão presentes em Symbolic. Contudo, e convenhamos, essa afirmação diz pouco. Afinal, a característica primordial do conjunto é, justamente, a inventividade, a imprevisibilidade e a experimentação. Essas são as suas constantes. O único fator imutável em sua fórmula: a mutabilidade.

De todo modo, para traçar alguns pontos de distinção e de comparação – e, assim, para não me furtar ao objetivo autoproposto nessa resenha –, registro que, em Symbolic, houve notório e especial cuidado e atenção com os trabalhos vocais. Além da intercalação entre cantos rasgados e limpos – tornando a audição variada e dinâmica –, percebe-se que Alexandre Pontes evoluiu, notoriamente, suas habilidades nas passagens limpas. Sua técnica foi amplamente aprimorada e cirurgicamente lapidada, o que é imediatamente percebido logo nas primeiras linhas de voz nesse estilo.

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Alexandre Pontes revelou, nesses trechos (de vocal limpo), segurança e maturidade, com ótimas interpretações e impostações, além de um marcante timbre grave, coerente e bem enfeixado ao conceito lírico e musical da banda (voltado à introspecção e a temas mais obscuros e melancólicos).

As canções conservam, ao longo da audição, diversos excertos intensos e viscerais – alegoricamente cortantes –, a exemplo das primeiras notas de Passage. De todo modo, e claramente pela ampliação da capacidade vocal de Alexandre Pontes no desenvolvimento de vocais limpos, percebe-se prontamente, logo à primeira audição, que a banda explorou dimensões mais intrincadas, técnicas, climáticas e complexas em Symbolic.

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Aquilo que, em Crown, funcionava como intercalações e quebras de tempo – para dosagem de intensidade das canções – tornou-se regra (ou, ao menos, campo mais fértil e amplamente explorado) em Symbolic.

Na faixa introdutória – a instrumental Insight –, o tom é ameno e limpo, com um solo de guitarra sentimental e belo, perceptivelmente influenciado ao melhor estilo de prog rock, com clara remissão a nomes como Pink Floyd.

Aliás, os solos de guitarra – numerosos em quantidade e férteis em qualidade – são uma admirável constante no single, abrilhantando-o e enriquecendo-o.

Passage e Symbolic (faixa-título) vêm em sequência e, como afirmado, congregam os elementos típicos da musicalidade do As Dramatic Homage, mas, aqui, amplamente aprimorados por meio de diversas passagens atmosféricas e melancólicas, que, nesse single, se tornaram parte relevante da música do conjunto. Funcionam não apenas como contrapeso, mas como característica fundamental e marca significativamente relevante das canções, conforme já ressaltado.

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Symbolic, em suma, entrega ao ouvinte música técnica, bem produzida e madura.

A amplitude sonora alcançada pelo As Dramatic Homage, aprimorada pela evolução dos vocais limpos, abriu ensejo a que a banda explorasse – e "se demorasse/permitisse mais" – em passagens intrincadas e complexas, bem executadas em Crown, mas vastamente aperfeiçoadas em Symbolic, apogeu da banda até o momento.

Em interpretação exclusivamente pessoal, Symbolic apresenta, ao lado das menções já registradas, elementos que resgatam influências de In the Woods... (de alguma forma, Symbolic trouxe-me à lembrança o ótimo álbum Heart of the Ages, do citado conjunto norueguês), de Opeth (fase contemporânea) e, até mesmo, traços sutis de Anathema, especialmente do álbum Eternity.

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Há, ainda, influências de progressive rock, como Pink Floyd, já citado, e Camel.

A expectativa e a sensação de quero mais são evidentes ao término dessa curta, mas já memorável audição.

O As Dramatic Homage também apresenta, como ponto de destaque, grande sofisticação no conceito de suas letras, que abordam conceitos filosóficos e abstratos, tudo desenvolvido com refinamento lírico, quase poético.

As letras estão simbioticamente ligadas à atmosfera de sua música, colocando o ouvinte em estado de introspecção e reflexão, o que, por certo, representa objetivo buscado pelo As Dramatic Homage, considerando toda a sua estrutura musical.

Não titubeio ao afirmar, repetidamente, que o heavy metal nacional, em todas as suas subdivisões/vertentes, é o melhor do mundo (embora, por vezes, subestimado e subvalorizado). A banda As Dramatic Homage, com discografia lapidar, corporifica, tonifica e torna concreta essa assertiva, confirmando-a uma vez mais, dessa vez com o lançamento de Symbolic.

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Crown e Symbolic são altamente recomendáveis. Atribuo aos materiais citados, justamente pelas qualidades destacadas ao longo dessa resenha, nota 10.

Tracklist:

CROWN (2012):
Lessons;
Monumental;
Awake to the Twilight;
The Icon Omnipresent;
Journey Inside;
Redemption;
Idyllic;
From the Battle of Pain;
The Age of Transition.

SYMBOLIC (2022):

Insight;
Passage;
Symbolic.

Instagram:
https://www.instagram.com/asdramatichomage/

Bandcamp:
https://asdramatichomage.bandcamp.com/

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Sobre Marcelo R.

"Marcelo R. é natural de Itu. Da fama de sua cidade, herdou alguns exageros, como o gosto pela música e pela literatura. Ávido leitor e aficionado por uma imensa gama de subgêneros do rock, possui especial paixão pelo metal nacional, do qual é incansável apoiador. É colecionador de discos, já tendo completado algumas discografias, como a do Katatonia e a do Bruce Dickinson. Nas horas vagas, é um despretensioso escritor, aventurando-se especialmente em resenhas de livros e de música. Colabora com a página Rock Show, sediada no site Medium. É formado em Direito."
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