Quando Sepultura e Titãs usaram as mesmas raízes brasileiras para criar arte
Por Bruce William
Postado em 18 de fevereiro de 2023
Em 1985, o rock no Brasil estava em plena efervescência. A MPB ainda dominava a cena musical, mas os artistas de rock começavam a ganhar espaço. Bandas como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso e Ultraje a Rigor estavam em ascensão, trazendo uma nova sonoridade e atitude ao cenário musical brasileiro. Além disso, o Rock in Rio, realizado no ano anterior, marcou um momento importante para o rock no Brasil, trazendo grandes nomes internacionais do gênero e consolidando o evento como um dos maiores festivais de música do mundo.
E uma das bandas que estava tentando seu lugar ao sol era os Titãs, que neste ano já contavam com dois álbuns em seu currículo: "Titãs" de 1984 e "Televisão" de 1985, que colocaram de fato a banda em destaque no cenário brasileiro. Mas a imagem que eles conseguiram com estes dois trabalhos foi de ser uma banda new wave, quase pop. A virada de mesa viria com seu terceiro disco, "Cabeça Dinossauro", lançado em junho de 1986.
O álbum foi um marco na carreira do Titãs, consolidando a banda como um dos principais nomes do rock nacional. "Cabeça Dinossauro" apresentava uma sonoridade mais pesada e experimental, com letras que abordavam temas políticos e sociais, e que influenciaram toda uma geração de músicos brasileiros. As faixas "Polícia", "Estado Violência" e "AA UU" se tornaram hinos de resistência para muitos jovens que lutavam contra a ditadura militar e suas consequências.
E no vídeo onde fala sobre "Bichos Escrotos" e "Cabeça Dinossauro", o jornalista e historiador do rock nacional Júlio Ettore conta que esta última nasceu dentro de um ônibus quando eles estavam viajando de um show para o outro na turnê do "Televisão", e em seguida mostra trechos do livro "A vida até parece uma festa - a história dos Titãs", de Hérica Marmo e Luiz André Alzer:
"Sentado ao fundo, Paulo Miklos dedilhava no violão uma melodia qualquer para tentar espantar uma ressaca monstruosa que o impedia de pregar os olhos. Acabou acordando o Branco Mello, que sentado no banco da frente despertou gritando:
- 'Cabeça dinossauro!'
Paulo gostou e logo os dois já estavam encaixando a frase na melodia.
- 'Barriga de elefante'
Arriscou Paulo tentando crescer a letra. 'Não, meu!' Vamos ficar na pré-história - rechaçou Branco, traduzindo o novo verso para o universo da sua viagem musical:
- 'Pança de mamute'. Aí ficou na pré-história:
'Cabeça, cabeça, cabeça dinossauro! Pança de mamute! Pança de mamute!'
Repetindo sem parar as duas frases, a dupla conseguiu acordar o resto do grupo. Eis que surge Arnaldo Antunes da parte da frente do ônibus:
- 'Espírito de porco! Espírito de porco!
Em questão de segundos, todo o ônibus estava cantando e gargalhando com a mais nova composição dos Titãs que, imaginavam eles, não teria futuro além daquela estrada".
Mas conforme explica o Júlio, apesar de ser uma brincadeira, Nando Reis sugeriu que eles transformassem aquilo numa melodia. E tempos depois, quando estavam debatendo o conceito do disco "Cabeça dinossauro", ela não somente foi escolhida como a primeira música mas também como o nome do álbum, já que o título dela era o que melhor representava a ideia do trabalho. "Ela tem um instrumental que em termos rítmicos ele chama bastante atenção, a história da batida e tal, é bem diferente. Eles fizeram uma adaptação de um ritual indígena da região do Xingu. O Paulo tinha um disco com várias gravações de rituais indígenas, e um deles era tocado bem nesse ritmo aí, inclusive tá creditado no disco é o 'Cerimonial para afugentar os maus espíritos'", conta Júlio.
A tragédia indígena que provocou a aproximação do Sepultura com as nossas raízes
"Tive a ideia pra 'Kaiowas' quando um amigo me mostrou alguns artigos e fotografias sobre a tribo Kaiowá, que preferiu cometer suicídio em massa em vez de permitir que o governo tomasse as suas terras", conta Max Cavalera em sua autobiografia "My Bloody Roots". "Foi uma história muito triste: a tribo inteira morreu. Eu disse a Andreas que deveríamos gravar uma faixa instrumental em homenagem a eles. Iggor criou uma levada de bateria usando ritmos brasileiros, Andreas e eu tocamos violões, e Paulo, um baixo acústico. Ficou excelente quando a tocamos no estúdio de ensaio".
"Kaiowas" saiu no álbum de 1993 do Sepultura, "Chaos A.D.". Antes dele, a banda já havia lançado quatro álbuns de estúdio e desenvolvido uma sonoridade que mesclava agressividade, técnica e experimentação, com influências de thrash e death metal. Mas foi a partir deste trabalho que o Sepultura realmente incorporou elementos de música brasileira e de outras culturas, que seriam ainda mais aprofundados no próximo trabalho.
"Desde a música 'Kaiowas', em 'Chaos A.D.', em 1993, eu vinha me perguntando se seria possível entrar na selva e conhecer os índios. Eles possuem uma história riquíssima e nenhuma banda de rock tinha tentado fazer algo parecido antes. Mas seria uma empreitada perigosa: eles matam os brancos e estão sempre em guerra com os fazendeiros da região", conta Max no livro. "O conceito por trás de 'Roots' veio de um filme. Um dia, eu estava bebendo vinho em casa e fiquei meio chapado, mas não muito, me sentindo bem pra caramba. Assisti a um filme underground chamado 'Brincando nos campos do Senhor', desconhecido para muitas pessoas. É um filme excelente, com John Lithgow e Tom Waits. Na história, dois mercenários americanos ficam presos na Amazônia. Um deles é um guerreiro de sangue Sioux. Eles vão até lá e o governo brasileiro quer que os índios voltem para a floresta, porque estão ocupando muitas terras, então eles aceitam uma proposta para lançar algumas bombas e assustar os indígenas.(...) Por alguma razão, a parte do filme em que Tom Berenger se lança de pára quedas me deu a ideia para 'Roots'. Por causa daquilo, pensei: 'Vamos lá gravar um disco com a tribo. Seremos a primeira banda a fazer isso'".
Lançado em 1996, "Roots" se tornou um marco na história do metal e do Sepultura, inclusive é o disco mais vendido da banda, já tendo ultrapassado dois milhões de cópias vendidas, e ele apresenta fortes influências de música brasileira, tendo como característica principal o uso intenso de percussão tribal. "É um trabalho que traz características que começaram a ser formadas já no 'Arise', quando fizemos a turnê fora do Brasil e foi onde percebemos que poderíamos usar um pouco mais da influência da nossa própria música nos sons - algo que a gente ignorava, até aquele momento", conta Andreas Kisser em uma entrevista de 2016. "Essa turnê que passou pelo mundo todo, Austrália, Europa, América do Sul, foi uma abertura geral das influência e percebemos que poderíamos incorporar elementos únicos do Brasil, como a percussão, por exemplo. Já no disco 'Chaos A.D'. isso apareceu bastante na faixa 'Kaiowas' que tem uma forte influência da música brasileira, da região Nordeste e sertaneja. A explosão desse processo veio com o 'Roots' em que focamos nas nossas próprias raízes, africanas, dos escravos e, também, indígenas".
Dez anos separam "Cabeça Dinossauro" do "Roots". O primeiro, influenciado pelo movimento punk, pela música industrial e pelo rock pesado e apresentando letras que abordam temas como política, violência e o caos urbano. O segundo, inspirado em ritmos e instrumentos indígenas brasileiros e apresentando uma abordagem mais experimental em relação aos álbuns anteriores da banda, com letras abordando questões sociais e políticas, bem como as raízes culturais do Brasil. Ambos os álbuns são considerados obras de arte por sua abordagem criativa e inovadora, bem como por sua relevância cultural. Eles representam momentos importantes na história da música brasileira, mostrando como artistas locais podem se inspirar em diferentes gêneros musicais e tradições culturais para criar algo único e significativo.
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