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Woodstock: livro escrito pelo idealizador é uma viagem no tempo e nos bastidores

Por Mário Pescada
Postado em 19 de agosto de 2021

Qualquer pessoa que conheça um mínimo de música em algum momento da vida já ouvir falar do festival de Woodstock e dos seus "três dias de paz e música". Mesmo passados mais de 50 anos de sua realização, ele continua, e deve continuar sendo, a maior referência de todos os tempos quando se fala de festival musical - não à toa.

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Existe no mercado dezenas de livros, documentários, textos, etc. sobre o festival, mas o diferencial de "A Estrada Para Woodstock" (2019), livro lançado no Brasil pela Editora Belas Letras, é um detalhe que faz muita diferença em relação a tudo que já foi lançado antes: ele simplesmente foi escrito pelo idealizador e produtor-executivo do festival, Michael Lang. O bem sacado título é uma dupla analogia ao caminho trilhado pelo autor do sonho até a conclusão do evento e da estrada em si que levava ao local, congestionada por carros abandonados e jovens que marchavam rumo ao evento.

Antes de chegar ao evento em si, Michael faz uma introdução de como foi de proprietário de uma loja de bugigangas para consumo de maconha para produtor do Miami Pop Festival (1968), com JIMI HENDRIX, CHUCK BERRY, BLUE CHEER, FRANK ZAPPA e outros (ali ele teve uma prévia do que seria fazer um festival sob o mau humor do tempo) até os seus anos em Nova Iorque, incluindo sua vivência na cena mais alternativa da cidade, na região do East Village, onde teria intenso contato com artistas, músicos, escritores, etc. e toda cultura hippie da época.

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Mas, para o sonho de Michael dar certo, de ter um festival a céu aberto, onde as pessoas pudessem acampar, ouvir música, interagirem entre si e compartilharem momentos, eram preciso pessoas dispostas a dedicarem muito trabalho e dinheiro. É aí que surgem Artie Kornfeld, além dos investidores John Roberts e Joel Rosenman - esse é o quarteto responsável por Woodstock.

Da ideia do festival até sua realização foram poucos meses, o que nos deixa com a sensação de que as coisas foram sendo feitas mais na base do improviso do que do planejamento - deve-se ter em mente que estamos em 1969, técnicas de planejamento e gerenciamento de projetos estavam engatinhando. E como o festival acabou dando certo então? A medida que você vai lendo o livro e mergulhando nos bastidores, você só pode crer que houve muita sorte e cooperação entre bandas, público e voluntários. Claro que roubadas não faltaram: a população de Wallkill, lugar que era para ter sido o evento, rejeitou a ideia do festival colocando uma série de empecilhos no caminho da produção - isso com o festival já fechando artistas e sendo divulgado. Faltavam poucos meses para o festival e não havia um local definido!

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A descrição da descoberta do então local, uma enorme bacia verde vista da estrada depois de uma visita frutada a outo local, chega a empolgar. Com a sensação de que aquele era o local, faltava fechar com o dono das terras, é aí que aparece a quinta e decisiva peça: Max Yagusr, um fazendeiro que tinha uma cabeça bem aberta, longe dos preconceitos comuns da época contra hippies e que acreditou em Michael desde o começo (tido por muitos como um habilidoso e carismático negociador).

Daí em diante o livro vai contando os erros e acertos da produção (mais erros, diga-se) e como que a pequena Woodstock, um lugarejo com pouco mais de 3 mil habitantes, seria imortalizada - ok, o festival foi em Bethel, a setenta quilômetros a sudoeste da cidade de Woodstock, mas convenhamos, o nome Woodstock é mais charmoso e marcante.

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Lendo os problemas narrados por Michael, se você não soubesse o desfecho do evento, juraria que aquilo não ia dar certo: polícia pulando fora de fazer a segurança local na véspera, pessoal da cozinha extorquindo os produtores e ameaçando irem embora (imagine 500 mil pessoas com fome e sede), palco com risco eminente de choque elétrico e de deslizamento por conta da chuva torrencial, bad trips em massa (teve um tal de ácido marrom que circulou ali que nem o pessoal do GRATEFUL DEAD encararia), etc. Tudo conspirava contra, mas era destino, o festival iria ocorrer, aos trancos, barrancos e até descrença da própria equipe, mas iria.

Michael deixa claro que houve sim preocupação e muito trabalho com uma infraestrutura digna para receber tanta gente (seguranças desarmados, postos médicos, banheiros químicos, estacionamento, barracas de lanches, etc.), só que as coisas tomaram uma dimensão tão grande que era impossível ter controle de tudo. Só para se ter uma ideia dos números, um dia antes do primeiro show já haviam 60 mil pessoas acampadas, estima-se que 1 milhão de pessoas tentou chegar ao local já na sexta, mas acabou voltando para trás, foram 5 mil atendimentos médicos. Quanto ao público, nunca se saberá ao certo, já que dezenas de milhares de pessoas entraram no evento sem pagar, por isso as estimativas vão de 500 a 700 mil pessoas.

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Durante os capítulos, há fotos incríveis, relatos de pessoas envolvidas na produção e de alguns músicos que, sabe-se lá como depois de tanta droga, conseguem se lembrar de alguma coisa, como SANTANA. Aliás, nesse quesito, Woodstock também foi um festival: ácido, álcool, THC, mescalina, peiote, cogumelo, maconha, haxixe, cocaína...

Falando dos músicos, Woodstock revelou muitos, consolidou outros e até sobreviveu ao estrelismo de alguns (alô, PETE TOWNSHEND). As negociações frustradas com JOHNNY CASH, THE DOORS, SIMON AND GARFUNKEL, BOB DYLAN, IRON BUTTERFLY e até mesmo JOHN LENNON, cuja entrada nos EUA foi negada, também foram lembradas.

Fora os bastidores que cercaram a realização do evento, há ainda uma cobertura dos shows, de uma forma mais geral, ressalta-se. Os mais marcantes, como o antológico de JIMI HENDRIX, fechando o evento às 8:30 da manhã de segunda-feira para reles 40 mil semi-zumbis (porque a essa altura o psicológico estava em outra dimensão) é de emocionar - e sentir uma baita inveja.

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Ao final, Woodstock não trouxe tanta alegria assim a Michael - pelo menos financeiramente. O que pouca gente sabe e que é revelado no livro, é que ele e Artie acabram levando uma baita rasteira contratual de John e Joel, recebendo cada um apenas US$ 31.750 dólares e forçados a cederem seus direitos legais sobre o evento e nome Woodstock. Para se ter uma ideia, só o filme sobre o festival, faturou em 10 anos, US$ 50 milhões...

Michael seguiu pelo show business, agenciando alguns artistas e produzindo eventos, como o desastroso festival de Altmon, aquele promovido pelos ROLLING STONES cuja segurança foi dada aos motociclistas do Hell Angels (saldo: um morto e dezenas de pessoas espancadas). Anos depois, reconciliado com John e Joel (pa$$ou o tempo), se envolveu na produção do Woodstock 1994 (METALLICA, GREEN DAY, RED HOT CHILLI PEPPERS, SHERYL CROW, CYPRESS HILL, AEROSMITH, alguns oriundos de 1969, etc.) e ainda no caótico Woodstock 1999 (OFFSPRING, KORN, LIMP BIZKIT, RAGE AGAINST THE MACHINE, MEGADETH, artistas de rap/hip hop, etc.) cujo saldo passou longe de paz e amor: preços abusivos, brigas, confronto com a polícia, prisões, roubos, estupro, etc.

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O livro é muito interessante, capaz de transportar a gente de volta a 1969 e sentir um pouco do tanto que esse festival foi capaz de mudar, não só na música, mas também a cultura, política e sociedade nas décadas seguintes, graças aqueles milhares de jovens sonhadores por um mundo melhor para todos. Claro, nem todos levaram o espírito adiante, mas quantos não tiveram suas vidas mudadas e acabaram mudando o mundo a sua volta para a melhor?

A versão resenhada foi a lançada em 2019, que incluía bóton, marcador de página com uma face colorida similar a capa e na outra uma foto ao vivo, pôster 45 x 30 cm com a icônica pomba branca pousada sobre o braço de uma guitarra e a frase "O espírito nunca vai morrer" e mais três cartões postais muito legais, com fotos das performances de SLY AND THE FAMILY STONE, THE WHO e dele, JIMI HENDRIX - trabalho digno de elogias para Giovanna Cianelli, responsável pelo projeto gráfico. Dica: achando essa versão, compre!

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O livro pode ser encomendado no site da Editora Belas Letras ou em livrarias.

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Sobre Mário Pescada

Mineiro, leitor compulsivo, ouvinte de todas as vertentes do rock - do blues ao grindcore. Valoriza mais a honestidade e entrega em cima do palco do que a técnica. Guarda os flyers dos shows que vai como se fossem relíquias.
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