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Woodstock (Pete Fornatale)

Por Carlos Lopes
Fonte: O Martelo
Postado em 08 de outubro de 2009

Pete Fornatale, o autor do livro Woodstock, redator e consultor de diversos programas de rádio e TV falou pela primeira vez sobre o festival na época do mesmo, 20 minutos após a sua estreia profissional em uma rádio no ano de 1969. Mal sabia ele, que 4 décadas depois, ainda estaria falando sobre o evento com cerca de 400 mil pessoas, para o qual não havia preparação, nem para o mundo nem para os produtores do mesmo.

"A música e o bem estar de vocês são muito mais importantes do que o dólar."
John Morris (gerente de produção do festival de Woodstock, claro após ver que não tinha mais jeito).

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"Dizem que estamos buscando o significado da vida. Não acho que seja isso. Buscamos a própria experiência de estarmos vivos, para que nossas experiências de vida no plano puramente físico tenham ressonâncias profundas em nosso eu e em nossa realidade, para que sintamos de verdade o êxtase de estarmos vivos."
Joseph Campbell (filósofo gente boa).

"Onde estariam os hippies sem a caridade dos quadrados que os alimentam? Onde estariam sem os médicos para salvar suas vidas, sem os automóveis que os levaram ao festival, sem a cerveja, sem todas as conquistas da civilização tecnológica que denunciam? Deixados à própria sorte, eles literalmente não souberem nem como se proteger da chuva."
Ayn Rand (romancista, dramaturga e filósofa russa racionalista criadora do Objetivismo)

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"... Para os que estiveram lá foi uma verdadeira pocilga, cheia de pessoas infantis e ingênuas. Na Inglaterra temos uma palavra para elas: twits (pré-adolescentes)."
Pete Townshend, guitarrista do The Who, que se retratou dessa observação algumas décadas depois.

"Isso aqui não é grande coisa porque os Beatles e Bob Dylan não estão aqui."
Abbie Hoffman , ativista político, cheio de LSD e falando no microfone, antes da apresentação do The Who às 4 da manhã.

"... O que estou fazendo nessa lama fedorenta, me sentindo um trapo e ouvindo bandas que gosto com um som horrível?"
Jim Marion (espectador).

"Se você tivesse que ir ao banheiro em Woodstock, provavelmente seria melhor ir no mato, só que não havia mato nenhum. Era terrível, porque aqueles banheiros químicos não davam vazão. Se você conseguisse chegar perto de um deles, os olhos enchiam de lágrimas e a garganta se fechava. Foi o cheiro mais horrendo que já senti na vida."
Harriet Schwartz (testemunha)

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Fornatale confessa como é difícil mensurar as dicotomias da Feira de Arte e Música de Woodstock, um festival levado a cabo na fazenda de Max Yasgur em Bethel, Nova Iorque em um fim de semana em 1969. O ano anterior havia deixado a América na pendura ideológica, com os assassinatos de Martin Luther King e Robert Kennedy. A coisa tava feia, mesmo. Esse encontro de gente nova em um surto de anarquia socialista, sem qualquer estrutura, e disposta a acreditar em algo maior do que todos eles, fez com que muitos realmente acreditassem que todo sonho é possível, de que todo final de semana pode se tornar um ano inteiro de festa, de que a música pode derrotar todo o mal que grassa lá fora. Esses mitos permanecem até os dias de hoje, alimentados pela indústria do entretenimento ou por quem se interesse mais. Essas mitificações ainda serão pertinentes? Tenho cá minhas dúvidas.

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Cada página deste livro não te faz acreditar em sonhos impossíveis, mas constata que o que tinha para dar errado, por uma conjunção de astros e estrelas, acabou dando certo, pelo menos em um inesquecível final de semana para o ocidente, e quiçá para o mundo.

Woodstock marcou, do seu jeito, uma das grandes idealizações dos nossos tempos, a de que havia a chance de mudar para melhor, que o mundo poderia acompanhar o ideal da flor e do amor em um crescendo de contracultura positivista. Mas apesar da beleza do feito, o mundo não mudou, ele só viu o fenômeno e prosseguiu como era antes no quartel de Abrantes. Mentir e acreditar na flor dá no mesmo. São frases de efeito. Talvez as pessoas fossem mais ingênuas, provavelmente eram. Escolhemos sair bonitos na foto. Humano, meramente humano.

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Fornatale cita o "Efeito Rashomon" para melhor tecer uma dita compreensão do fenômeno. E o que é isso? É a obra-prima do cineasta japonês Akira Kurosawa de 1950, na qual 4 testemunhas do mesmo crime o descrevem subjetivamente de 4 maneiras diferentes. O autor somou centenas de depoimentos e entrevistas com as pessoas que participaram e acompanharam os 3 dias mais mágicos da cultura pop ocidental, sem tecer comentários contra ou a favor, apenas listando as idéias para a devida somatização na cabeça do leitor. E o "Efeito Rashomon" deu as caras.

O livro é dividido em três dias, exatamente os mesmos do festival, e cada capítulo corresponde aos 32 shows ocorridos nos três dias do evento.

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Apesar de nunca ter simpatizado muito com o filme e com o disco em formato LP (confesso), o livro é um primor de desconstruir o que havia sido construído. Na época, por falta de informação e interesse, não me passou pela cabeça que houve um grupo de artistas que nem apareceu no filme, apesar de terem se apresentado. E aí entra a magia e a desgraça do cinema: a edição. Esses cortes, escravos de interesses pessoais ou da busca por clareza, salvaram e destruiram carreiras. Quem sabia que o Mountain (era o quarto show deles), Johnny Winter; Blood, Sweat and Tears e o Creedence Clearwater Revival haviam tocado ? Talvez o exemplo mais notório seja a participação de Arlo Guthrie, filho de Woody, ídolo de Bob Dylan, que apesar da boa música ficou marcado por parecer no filme com cara e jeito de drogado e por fazer comentários pouco inteligentes, "meio que" representativos de toda a comunidade hippie. Ele personificou a alienção do hippie, que tanto pode ser encarada como é, ou como uma força de contestação contra a sociedade pré-estabelecida.

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Por falar em Dylan, como se sabe, ele não foi a Woodstock, apesar de estar por perto, mas a cantora Joan Baez atravessou o país para lá se apresentar. Quem lhe parece mais chapado, digo culpado?

Richie Havens foi o primeiro artista a tocar na tarde de sexta, porque a banda escalada, Sweetwater estava presa no engarrafamento. Ele chegou a resistir ("Eu não queria ser trucidado por um bilhão de pessoas"), mas cedeu e às 17h07 escreveu a sua história. O homem, a alma e uma viola.

"Duas horas e meia, duas horas e 45 minutos mais tarde, quando eu saía pela oitava vez, disseram: "Ainda não tem ninguém, volte". Pela sétima vez. Não sabia mais o que cantar, tudo o que eu tinha já se esgotara, dái veio a inspiração. Olhei para a platéia e não conseguia ver o fim dela porque, como se vê no filme, é gente até onde se consegue enxergar.(...) Aí comecei a tocar umas notas procurando alguma coisa e a palavra saiu: Freedom" e aí é claro, "Motherless Child". Depois apareceu a parte de uma canção que eu costumava cantar com 15 anos e foi assim que juntei tudo."

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Seguiu-se uma fila de artistas, que cantaram até a manhã de segunda-feira, quando Jimi Hendrix, diante de 30 mil heróicos resistentes, entrou para a história ao dedilhar na guitarra sua versão para o hino americano, The Star-Spangled Banner, até hoje um dos eventos mais comentados de Woodstock. Fila essa, formada por um então desconhecido Carlos Santana, cujo álbum de estreia seria lançado uma semana depois, mas cuja performance, sobretudo em Soul Sacrifice, o projetou como uma estrela internacional.

E o festival, visto hoje como filme e lido como livro, valeu pela sempre maravilhosa Janis Joplin, (mesmo com o novo grupo Kozmic Blues Band) cujos gritos primais (sua marca indelével) em "Try" (Just a Little Bit Harder) ainda ecoam em todos os fãs de música neste e no outro mundo, como bem explicou a jornalista Myra Friedman: "Sua voz era meio tom acima, como dó sustenido contra si bemol. Tinha essa qualidade que fazia todas aquelas outras cantoras de rock não soarem como ela." Curiosamente ela quase não entrou no filme, como confirma Dale Bell: "Chegamos a ter, algum material editado que não sentimos firmeza porque era embaraçoso para os artistas como Janis Joplin e Jerry Garcia do Dead. Suas performaces não eram de boa qualidade, ou talvez houvesse qualidade demais, sei lá."

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Outros shows memoráveis foram os do The Who (apesar de estarem cansados e famintos) com o sol nascendo em "See me, Feel Me"; do Sly and The Family Stone (nesse show, Sly foi excelente, mas pessoalmente era um tremendo vacilão, nada a ver com o público que se encantou com ele) às 3:30 da madrugada (o show estava previsto para as 22h) que levantou os ânimos de uma plateia exausta e molhada pela chuva; Joe Cocker (claro); Crosby, Stills and Nash e o mestre dos mestres, Jimi Hendrix (cujas primeiras palavras foram "putaquipariu" assim que viu a plateia, lá do palco), em um show marcada para a história, mas irregular.

Enfim, esse livro é pura emoção.

Woodstock - Pete Fornatale – 318 páginas – Agir

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Sobre Carlos Lopes

Carlos Lopes é jornalista, músico, produtor e escritor. No início dos anos 80, ele fundou uma das bandas de metal mais populares do Brasil, a Dorsal Atlântica, onde era guitarrista, compositor e vocalista. Foi a primeira banda da América do Sul a fundir punk e metal. Entre 1981 e 2001, gravou oito discos com a Dorsal, sendo o último produzido na Inglaterra. Em 2005 regravou o primeiro álbum da Dorsal (Antes do Fim), que foi eleito pelos leitores da revista Rock Brigade como um dos melhores trabalhos da temporada. Há seis anos comanda duas bandas de rock, a Mustang e a Usina Le Blond, cada uma já com três CDs de estudio. Como jornalista e escritor, colaborou desde cedo com desenhos e textos para várias publicações e fanzines. Formou-se em Jornalismo na Faculdade da Cidade no Rio de Janeiro.
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