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Marcelo Nova: "Na música brasileira existem belas bundas!"

Por André Molina
Postado em 22 de dezembro de 2010

O músico Marcelo Nova é um arquivo vivo do rock brasileiro. Ele saiu da Bahia no início da década de 80 com a banda Camisa de Vênus para esbanjar rebeldia por todo o Brasil, sem se preocupar com a censura e com o mercado fonográfico. Sem o apoio da mídia, o Camisa chegou a vender mais de 100 mil cópias de um único LP. Vale destacar que o trabalho teve todas as faixas censuradas. Sem tocar no rádio e sem aparecer na televisão, a banda conseguiu uma legião de fãs. A estrada foi o principal combustível do Camisa de Vênus. No decorrer da década, Marcelo fez história. Sem aderir a modismos, gravou trabalhos solos e estabeleceu uma breve e histórica parceria com Raul Seixas. Da união surgiu o LP "Panela do Diabo", último registro em vida de Raul.

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Em uma longa entrevista antes de subir ao palco do bar Pravda, em Curitiba, em dezembro de 2010, Marcelo desmitificou o rock nacional e falou sobre diversos assuntos com o Whiplash. Confira.

Qual a sua avaliação do rock brasileiro atual?

Não acho absolutamente nada a respeito do rock brasileiro. Parei de me preocupar com estas coisas. Querer saber qual é a última novidade, o que é contemporâneo. O que é bom vai ficar. Eu posso responder esta pergunta daqui dez anos. Se estas bandas que estão surgindo agora vão ter alguma relevância. Se vão construir um estilo próprio. Nem eu ou você precisamos gostar. Se algumas tiverem personalidade já é algo para levar em consideração.

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O rock brasileiro teve o seu amadurecimento na década de 80. O que aconteceu com o estilo?

Quem não estava nos anos 80 acha que a década foi uma maravilha. Toda essa onda aconteceu porque era apenas a moda. Não tinha nada a ver com originalidade, qualidade. Foi como viraram moda sertanejo, pagode e axé. Eu ligava em uma estação de rádio estava tocando a gente, ligava em outra também. Estávamos tocando em três estações ao mesmo tempo. Era o tempo todo só rock porque as gravadoras investiam e pagavam para que nós tocássemos. Não existe nenhuma diferença para hoje. Era a onda mercadológica da época. É assim que funciona no Brasil. Os meninos do Restart tocam porque existe um investimento maciço neles. A garotada quer ouvir gente da mesma faixa etária. Eles não querem ouvir um velho como eu. Eles precisam de alguém da geração deles, que seja o porta-voz. Sempre existiu Menudo. Back Street Boys, Dominó. Não sei por que vocês sempre se surpreendem.

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Como o Camisa de Vênus conseguiu projeção nacional, sendo que é uma banda da Bahia - o estado do Axé?

Nunca pensei em ser aceito. Quando comecei minha carreira eu queria esculhambar a Bahia. Como baiano que sou me sentia deslocado com o que ouvia a respeito da terra em que nasci. Eu não estava vivendo naquela terra paradisíaca, ensolarada, mágica, próspera, alegre, espetacular. Como os baluartes não diziam nada, a minha intenção era chamar a atenção para isso, mas nunca pensei que poderia utilizar está postura para construir carreira. Quando fui para o Rio de Jeneiro tocar no Circo Voador, que era o local onde todas as bandas da época tocavam, percebi que o Brasil era uma grande Bahia.

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O Camisa sempre adotou uma postura subversiva e encontrou dificuldades para obter projeção. Foi mais difícil para o grupo, sendo que as demais bandas tinham mais suporte da mídia?

Não havia nenhum tipo de investimento. Nós tocávamos e criamos uma reputação em algumas cidades, mas o sucesso só surgiu quando resolveram investir no Camisa de Vênus. O que era inofensivo passou a ser ousado. O que era proibitivo passou a ser rebelde. Mudam-se as palavras, mas a situação é a mesma. Em função da moda as coisas começaram a acontecer. Antes tocávamos em casas para mil e passamos a se apresentar para 10 mil. Evidentemente que houve um investimento para as músicas tocarem no rádio e para as bandas aparecerem em programas de televisão. Veja se existe alguém independente tocando no Faustão. Ninguém é sensacional. É uma falsa ilusão.

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Após lançar alguns trabalhos solos você estabeleceu uma boa parceria com Raul Seixas. Sendo um fã do Raul como foi ter a oportunidade de trabalhar com ele e lançar um grande disco? Na época, Raul não passava por uma boa fase.

Na verdade Raul nunca precisou da ajuda de ninguém. O que houve entre a gente foi uma grande amizade e depois um respeito mútuo. Quando surgiu a oportunidade de fazer um trabalho juntos fomos convidados por Andre Midani, que na época era o diretor geral da Warner, para fazer um disco de dois artistas que estavam fazendo uma turnê e acabaram compondo algumas músicas. O resultado desta parceria está no disco "Panela do Diabo". Ali está o registro do que fizemos juntos.

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Se Raul Seixas não tivesse morrido, a parceria poderia ter gerado mais trabalhos?

Na verdade não. Ele faleceu em agosto de 1989 e tínhamos planejado trabalhar juntos até dezembro. Depois ele seguiria o caminho dele e eu o meu. Não éramos uma dupla sertaneja. Não havia nenhum plano de estabelecer carreira com o projeto. Foi um trabalho paralelo de ambos os artistas.

Para você, qual é o grande disco do Raul Seixas?

Raul tem grandes discos, mas um dia eu disse a ele: "Raulzito meu disco favorito é o Novo Aeon". Ele disse "é o meu também" e não falamos nunca mais sobre isso.

Sobre a censura. Você sentiu dificuldade de estabelecer sua carreira?

As pessoas reclamam muito desta história, mas na verdade a censura era muito branda. Não havia este espírito policialesco. Isso foi vendido por artistas que tiveram uma ou duas músicas proibidas e quiseram fazer disso uma logomarca. Nunca me interessei. Eu tive algumas músicas proibidas e daí? Quando eles resolveram proibir o disco "Viva", o trabalho tinha 40 mil cópias vendidas, depois da proibição passou para 180 mil. Por outro lado foi bom. Graças a esta censura eu vendi disco. Têm artistas que fazem a carreira com o discurso de que foram massacrados, proibidos. Graças a Censura Federal eu ganhei disco de ouro. Já vendi disco de ouro, de platina e de couro, quando não vendi merda nenhuma.

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Você fez algum disco que não atingiu o resultado esperado?

Nunca me preocupei com isso. Sou um sujeito egoísta. Eu faço música para mim. Quando gosto das músicas gravo um disco e lanço. Sou um cara de sorte porque têm milhares de pessoas que gostam também.

A respeito da internet, da prática de baixar música. Você acha que a nova maneira de consumir a música interfere no jeito de fazer rock ‘n roll?

É uma outra época. O meu filho tem 18 anos e evidente que ele baixa canções. Tem 10 mil discos arquivados. Por outro lado ele ouve Jimi Hendrix, Led Zeppelin. A maneira de ouvir é diferente. Antes tinha o vinil, você olhava a capa queria saber quem era o produtor. Sabia a ordem das faixas. Hoje eles baixam tudo. Muita gente me pergunta se eu me importo que baixem minhas músicas. Eu não me importo. Eles estão me ouvindo tocar. Eu parei de tocar em rádio em 2003. Foi a última vez que tive uma gravadora. De 2003 para cá faço trabalhos completamente independentes. Se garotos baixam minhas músicas é porque não escutam no rádio.

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Na década de 90 você contou com a participação de Eric Burdon (The Animals) no disco do Camisa de Vênus "Quem é você?". Como foi trabalhar ao lado dele?

O trabalho foi além. Após a gravação da versão de "Don't Let Me Be Misunderstood" para o disco, ele gravou duas composições minhas no álbum solo dele "My Secret Life" de 2004: "Coração Satânico" (Devil’s Slide) e "Garota da Motocicleta" (Motorcycle Girl) e uma composição em conjunto chamada "Black and White World". Infelizmente pouco se comentou no Brasil deste grande disco, mas está na internet para ser baixado.

Qual sua avaliação sobre a atual música brasileira?

Na música brasileira existem belas bundas. O problema é que elas vêm com trilha sonora. O vocabulário diminuiu. Ninguém mais usa sujeito, verbo e predicado.

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Sobre André Molina

André Molina é jornalista, economista e começou a ouvir heavy metal ainda quando era criança. Tem 30 anos de idade e Rock 'n' Roll é sua religião.
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