Bigorna TV: "Metal é audiência garantida, com certeza!"
Por Paulo Finatto Jr.
Postado em 26 de novembro de 2010
Não há dúvidas de que o metal se tornou popular no mundo inteiro nos anos oitenta. O estilo, que esteve à beira da falência na década seguinte em razão do sucesso do grunge, voltou a compor as preferências dos adolescentes quando a internet consolidou a popularização de uma série de bandas a partir dos anos 2000.
No entanto, o estilo nunca perdeu a sua força no meio underground. Em nosso país, bandas surgiram – e certamente continuam surgindo – mesmo sem o apoio da grande mídia. Na contramão desse processo, veículos independentes nasceram com a proposta de incentivar e divulgar o gênero pesado e independente. Nunca a música contou com um suporte tão específico.
Da internet para a televisão foi um pequeno passo. Enquanto que no centro do país o Stay Heavy se consolidou como a grande atração da música pesada, no sul o Bigorna TV surgiu três anos atrás. O programa, que é veiculado por uma emissora comunitária de Porto Alegre, vem surpreendendo pela ousadia e pelo empreendedorismo. O Whiplash! conversou com o idealizador do programa, Augusto Peres, que contou mais sobre a história do Bigorna e sobre as ações paralelas do programa.
Whiplash!: Como e quando surgiu a ideia de criar o programa Bigorna TV?
Augusto Peres: Chegamos à POATV, um canal comunitário de Porto Alegre, com um projeto sem a menor relação com música. Nós descobrimos que teríamos direito a um programa de 57 ou dois programas de 27 minutos. Ficamos num impasse, pois nosso projeto inicial era para um programa de meia-hora. Estávamos com espaço para mais um programa, com liberdade total para escolher o tema.
Whiplash!: E por que um programa que mostra o underground gaúcho?
Augusto Peres: Não sou nenhum especialista em metal, mas passei minha adolescência no underground. Eu tentei ser músico, tive uma banda, cresci ouvindo Iron Maiden. Enfim, desde o início eu sabia que seria um projeto extremamente prazeroso. Convidei um amigo para apresentar o programa, fiz minha primeira cobertura de um festival, criei material para a estréia. Uma semana antes, o apresentador havia arranjado um segundo emprego, o que complicaria a sua permanência no projeto. Compreensível, pois a verba de produção era zero. Fui obrigado a meter a cara na frente da câmera. No primeiro mês no ar, um "especialista em metal" me procurou e disse que o programa não duraria seis meses. O Bigorna está no ar ininterruptamente há quase três anos!
Whiplash!: Como é a rotina de trabalho? De que forma os eventos que o Bigorna costuma cobrir alteram o dia a dia?
Augusto Peres: A rotina de trabalho até hoje dependeu em grande parte da sorte. Já cobrimos shows e festivais com mais frequência, porém é complicado pela falta de recursos. Muitas vezes o programa não paga nem mesmo as próprias contas. Nós utilizamos equipamento de gravação profissional – que custa caro. Não dá para colocar na mochila e ir para a parada de ônibus no final da madrugada. Enfim, nosso foco é mostrar as bandas brasileiras. Nas poucas vezes que cobrimos shows internacionais, fizemos questão de nos concentrar no público, mostrar a cara dos headbangers, abrir o espaço para toda e qualquer manifestação, sem censura.
Whiplash!: E quanto ao trabalho de edição e finalização?
Augusto Peres: Eu faço praticamente tudo quanto à parte técnica. Quando existe a cobertura de algum evento, conto com o apoio de dois amigos que se revezam, na medida do possível, para o programa a existir: Felipe De Marchi e Moisés Alves, da banda IMPETUS MALIGNUM, heroicamente responsável pela produção dos clipes da própria banda. Com o material bruto em mãos, gravo sozinho a abertura, edito tudo e levo o material para a POATV que coloca no ar.
Whiplash!: Além do Bigorna TV, existem outros poucos programas destinados ao heavy metal na televisão. Entre esses, o Fúria MTV, por exemplo, não existe mais há anos. A televisão é um meio em que o metal pode voltar a crescer?
Augusto Peres: É natural que o Bigorna seja comparado ao Fúria MTV, por não existirem muitas referências, embora eu ache quase uma covardia. O Fúria era um produto da MTV, uma rede de TV internacional, e contava com o apoio das gravadoras que forneciam clipes, notícias e tudo mais. Nada contra, que bom que existiu, eu adorava, mas a nossa realidade é outra. O Bigorna é totalmente independente, muitas vezes tiramos dinheiro do bolso para mantê-lo no ar, por amor ao metal, trabalhamos praticamente sem patrocínios. Quanto à relação metal e televisão, já está provado que o público do metal é um nicho de mercado fantástico. Os grandes patrocinadores ainda não enxergaram esse nicho de mercado ou são covardes – mas prefiro acreditar que eles ainda não enxergaram. Eu tenho certeza que metal na TV é audiência garantida.
Whiplash!: O mercado da internet é um bom espaço para que produções independentes possam ganhar o reconhecimento de maneira mais fácil e imediata. Vocês planejam investir nesse segmento?
Augusto Peres: Até pouco tempo tínhamos um site que, por condições técnicas, não era atualizado com frequência, assim como nossos canais no Youtube e no Myspace. Estamos elaborando um projeto para internet totalmente renovado que será divulgado na hora certa.
Whiplash!: Como é a relação de vocês com as bandas? É uma preocupação do nosso underground gravar videoclipes e aparecer na televisão ou ainda é um mercado bastante caro para as bandas independentes?
Augusto Peres: Nossa relação com as bandas é a melhor possível, somos sempre muito bem acolhidos por elas. Existe uma minoria que ainda acha que televisão e internet são coisas de burguês, e quem é verdadeiro não deve se entregar para a mídia. Mas a esmagadora maioria tem a intenção de ter seu clipe produzido e veiculado. Contratar uma produtora custa caro, por isso temos duas diretrizes: o Bigorna produz clipes gratuitamente para as bandas, na medida do possível; e não existe, de forma alguma, cobrança de jabá. Por outro lado, o que atrapalha é a tecnologia mal usada. Infelizmente, muitos se contentam em colocar no Youtube um vídeo de ensaio com áudio ruim, ou o trecho de um show mal iluminado. Eu acho que deveriam repensar o assunto.
Whiplash!: Embora seja transmitido por um canal comunitário, o Bigorna TV tem um bom retorno e uma resposta interessante por parte do público?
Augusto Peres: O problema de estar em um canal comunitário é que a concessão é apenas para um canal de TV a cabo. É irônico, pois um canal comunitário deveria servir à comunidade e ter sinal aberto e disponível. Isso lamentavelmente limita a visibilidade do programa, mas não é um mal tão grande, pois sei de muita gente que se reúne na casa de alguém no final das tardes de sábado ou domingo para assistir o Bigorna.
Whiplash!: Existe uma estrutura fornecida pela POATV ao Bigorna? Como é a relação de vocês com a emissora?
Augusto Peres: Na POATV, todos os programas são independentes. O que a emissora consegue manter é a qualidade de transmissão, que melhorou muito nos últimos meses. Fora isso, a emissora não tem como fornecer recursos para os produtores. Dentro da POATV impera o dogma do respeito à diversidade. São transmitidos programas de variedades, de entrevistas, programas culturais, filosóficos, esportivos, de culinária, programas cristãos... e o Bigorna! Alguns pastores já pediram que as chamadas diárias do Bigorna não fossem colocadas junto aos seus programas. Porém, o auge foi quando me contaram que se referiram a mim como o "Anti-Cristo da POATV" por eu passar clipes de black metal (risos). Falando sério, a maioria esmagadora das pessoas ligadas ao POATV são pessoas muito sérias e inteligentes, que reconhecem que o Bigorna representa uma parte significativa da comunidade. Só tenho a agradecer a atual coordenação e ao conselho do canal.
Whiplash!: Como você vê o cenário de metal, tanto no Rio Grande do Sul como no restante do Brasil?
Augusto Peres: No Rio Grande do Sul, a coisa está fervendo e já faz tempo. Há muito que as bandas não esperam que as coisas aconteçam do nada, aqui as bandas se falam, se organizam, se ajudam, montam seus próprios festivais, fazem acontecer. A palavra de ordem é "tocar"! Quanto ao resto do Brasil, é complicado opinar, não tenho viajado. Eu sei que existe um público grande, comenta-se por aqui que Santa Catarina e o nordeste têm um histórico de grandes festivais. No decorrer do programa, entrevistei algumas pessoas de São Paulo impressionadas com a união e a organização das bandas gaúchas.
Whiplash!: Quais são os projetos do Bigorna TV para o futuro? Existe a possibilidade de o programa sofrer alguma modificação na sua estrutura ou até mesmo investir em outros segmentos?
Augusto Peres: Eu acredito que consolidar o Bigorna Festival é a nossa próxima meta. Se tudo correr como esperamos, o programa terá um ganho de qualidade significativo. As mudanças na estrutura acontecerão naturalmente, depende mais do público do que de nós. Por exemplo: a idéia inicial era que o programa mostrasse do rock ao metal mais extremo, mas o publico e as bandas de metal se uniram ao programa de uma forma tão legal que não tivemos como fugir disso. Nos primeiros meses, a idéia era não entrevistar as bandas de forma direta, e sim usar um formato de documentário para criar um arquivo histórico. Depois cedi ao clamor geral, peguei o microfone e comecei a entrevistar todo mundo que passa perto da câmera. Está dando certo, a naturalidade e os palavrões do público trouxeram um humor inesperado e positivo.
Whiplash!: Como surgiu a ideia de realizar esse festival [nota: realizado no último dia 19 de novembro]? A intenção é transformar ele em um evento tradicional de Porto Alegre?
Augusto Peres: Um festival com o nome Bigorna se tornou há muito uma obrigação. Dos locais possíveis, nenhum no nosso entender oferecia condições adequadas para realizar nossos planos. Por sorte, há pouco tempo reabriu em Porto Alegre o Eclipse Studio Bar, dos amigos da Máfia Produções. Eles proporcionam algo único na cidade: o áudio da casa é digital, o som nunca fica embolado. E mais: eles têm a possibilidade de gravar os shows com qualidade numa parceria com a AudioFarm. Além disso, fechamos uma parceria importantíssima dentro da própria POATV, com o programa Rock Gaúcho na TV, que nos possibilitará filmar os shows de quatro ângulos diferentes. Tudo isso editado e com o áudio perfeito dará inicio a uma série de DVDs para as bandas.
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Augusto Peres: Não precisa ser músico, não precisa saber o nome de todas as músicas, tampouco os álbuns e as bandas. Apenas ir aos shows, abrir a mente para novos sons e novas bandas locais – se divertir com o que é nosso – já faz a maior diferença.
Para assistir:
Bigorna TV – sábados às 19h30
POATV (canal 6 – NET/Porto Alegre) ou pelo site http://www.poatv.org
http://www.youtube.com/bigornatv
http://www.myspace.com/bigornatv
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