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Moonspell - Entrevista exclusiva com o vocalista Fernando Ribeiro.

Postado em 17 de março de 2000

A banda portuguesa Moonspell lançou recentemente o disco 'The Butterfly Effect' sucessor de 'Sin/Pecado' que já vinha cheio de controvérsias pelo uso de elementos eletrônicos em sua sonoridade. Nesta entrevista, o vocalista Fernando Ribeiro fala um pouco dessa mudança e a reação dos fãs, sobre o metal atual, o novo disco, religião e diversos outros assuntos.

Por André Toral e Fabrício Boppre

Whiplash! / The Butterfly Effect possui alguns momentos eletrônicos que relembra seu antecessor: "Sin/Pecado", porém, existem melodias que lembram o início da carreira. Seria uma mistura do que o Moonspell quer continuar fazendo com o que já o fez antes?

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Fernando Ribeiro / Não exatamente, mas como se trata de um quarto álbum existiu uma tendência natural para capturar aquilo que consideramos, pessoalmente, como a essência sonora e estética de Moonspell e adaptá-la a uma certa contemporaniedade que "os Moonspell" procuram sempre incluir na sua música.

Whiplash! / Que entendimento o fã pode extrair das mensagens contidas em canções de The Butterfly Effect?

F.R. / Diversos, pois trata-se de uma álbum dialéctico que origina, em diferentes fases, diferentes percepções e perturbações. No entanto, o grande assunto do álbum é o desconforto, a todos os níveis humanos, e os métodos de escapismo, as fronteiras diluídas entre normalidade e loucura completa. Mas há sempre espaço, maior ou menor, para a pessoa inscrever a sua participação, se assim o entender.

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Whiplash! / O nome "The Butterfly Effect" é inspirado naquela teoria da física que diz que em meios complexos e desordenados mesmo eventos pequenos e insignificantes podem acarretar desastres ou ao menos acontecimentos significantes?

F.R. / Exatamente. Foi uma teoria, aplicada á meteorologia primeiro e consequentemente alargada, interdisciplinarmente, a outros ramos científicos e até sociais. O seu criador foi Edward Lorenz, um cientista norte-americano. A interpretação que demos é somente outra das diversas no decorrer dos anos, pois achamos que o efeito borboleta é uma metáfora genial para a vida e para o ser humano, também ele com pretensões de Absoluto mas muito mais dominado pelo Insignificante.

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Whiplash! / Que expectativas existem para o novo álbum, em relação ao que a banda fez anteriormente?

F.R. / Em termos de público é sempre imprevisível pois odiamos jogar pelo seguro como a maioria das bandas contemporâneas dentro do Metal. Em termos pessoais é outro passo em direção à originalidade, qualidade e irreverência que procuramos conferir à nossa participação no universo do dark metal.

Whiplash! / Traçando um paralelo, que análise você faz do Moonspell, desde o início de carreira?

F.R. / Penso que uma análise bastante equilibrada já que Moonspell se tornou uma grande parte da minha vida e da minha necessidade de escapismo e criação. Como tal não posso arrepender-me de absolutamente nada dos dissabores ou sabores que esta banda me proporcionou até hoje.

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Whiplash! / Na carreira do Moonspell, 'Irreligious' foi um álbum que trazia alguma sonoridade de 'Wolfheart', porém, mais moderno e com novas incorporações ao som. Em 'Sin/Pecado', a banda veio totalmente reformulada sonoramente. Que álbum você considera o grande divisor de águas?

F.R. / Talvez o Sin, pois, muito para além do estético, foi um álbum que nos permitiu adquirir uma maior personalidade e recorrer a tendências inovadoras dentro do darkmetal, que serão o futuro próximo de muitas bandas e pessoas que a princípio desdenharam de nós. Foi este o divisor de águas pois separou quem estava interessado no conceito dinâmico de Moonspell, daqueles que procuravam controlar ou sugerir a nossa produção.

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Whiplash! / 'Sin/Pecado' atraiu muitas críticas negativas, por parte de fãs. Você pensa que os fãs estão certos ou errados por preferirem o Moonspell de 1994 e 95?

F.R. / Existem diversas formas de responder a isto. Vou enunciar algumas: Primeiro, os fãs adoram bandas novas, o prazer do espanto e da descoberta, e isso só acontece, na maior parte dos casos, com os primeiros discos. Depois encetam o processo crítico que de vez em quando se justifica, e, outras vezes, é apenas uma necessidade de preencher o que é esperado dele. Segundo, a música é um conjunto de emoções, e, por vezes, as pessoas não se identificam com a forma ou com o conteúdo destas, o que é perfeitamente natural, e aconteceu sempre na nossa carreira. Terceiro, porque o Metal vive um dos seus períodos mais insípidos, em que jogar pelo seguro e dar às pessoas o que elas procuram é a forma mais adequada de satisfazer ambições que são muito diferentes das nossas. Por último as pessoas precisam de digerir e descobrir um disco de Moonspell, que não é um disco fácil acerca de dragões e elfos, mas com um alcance psicológico maior e que necessita de maior maturação. Hoje em dia, não sei se pelo valor afirmado do disco, ou por o passado estar na moda, as pessoas já vêm o Sin como um excelente disco e pedem-nos que toquemos faixas deste nos nossos concertos ao vivo…

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Whiplash! / Para você, o que seria mais triste? Perder antigos fãs tradicionais, em virtude de um novo som praticado, ou ganhar novos fãs que pouco ou nada se interessariam pelo passado do Moonspell?

F.R. / O que me entristece é o cansaço. A facilidade com que as pessoas se entregam ao passado e à superficialidade do metal atual. Os dois fenômenos da pergunta acontecem com Moonspell mas a nossa resposta é apenas manteremo-nos no caminho que vamos, progressivamente, construindo. O resto é secundário. Citando Oscar Wilde, do Retrato de Dorian Grey, "A diversidade de opinião sobre uma obra de arte revela que a obra é nova, complexa e vital. Quando os críticos divergem, o artista está em consonância consigo próprio." Eu acredito nisto, se outros não, porque hei de eu comprometer-me com eles ?

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Whiplash! / Influências eletrônicas são bastante populares hoje em dia. Muitos consideram isso perigoso, uma vez que é muito fácil a banda se perder ao fazer uso de sonoridades desse tipo. Em sua opinião, quais bandas, além do Moonspell, conseguiram se sair bem ao incorporar essas tendências?

F.R. / Não muitas para ser honesto, pois a filosofia destas é o usar e não o COMO usar. A tecnologia, para além de um excelente auxílio técnico, pode ser bastante criativa. Para além de bandas como RamF.R.tein, NIN, Nitzer Ebb, Nefilim,Tool, Ministry que são nossas influências nesse campo não vejo nada de novo, utilizando tecnologia neste estilo que seja válido. Talvez só Samael e coisas como FLA, Fear Factory e algumas bandas EBM, mas muito poucas.

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Whiplash! / Em 1998, foi lançado o álbum Daemonarch: Hermeticum. Nele, estão os mesmos músicos do Moonspell, praticando um black metal de início de carreira. Isso quer dizer que a banda não retornará puramente a suas raízes, a não ser em projetos paralelos?

F.R. / Não são os mesmos de Moonspell, nem Daemonarch pratica um black metal iniciático. Daemonarch é um projeto meu, em que me reuni de pessoas que considerei úteis para transportar a minha visão. Já deve ser sub-entendido que nós não temos essa obsessão, purista e modista, pelas raízes. Para nós elas são vitais, mas também o são os frutos, de que nunca ninguém fala.

Whiplash! / Ao longo da carreira da banda, existem algumas músicas que tem citações em idioma português. Sin/Pecado, havia sido batizado tanto em nosso idioma quanto em inglês. Isso ocorre para divulgar a nacionalidade do Moonspell, aos seus fãs e outros países?

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F.R. / Não só isso, mas também a quase totalidade dos nossos assuntos estéticos, e essencialmente alguma das suas manifestações, são afetadas pelo nosso modo de estar e de pensar, que por sua vez é influenciado por coordenadas geográficas. Este é, substancialmente, diferente dos outros povos e referenciais que contatamos através das nossas inúmeras viagens. Os primeiros discos eram sobretudo vocacionados para essa marcação de território, mas agora encontramos um melhor equilíbrio entre as nossas vocações nacionais e universais.

Whiplash! / Aqui no Brasil, existem pouquíssimas bandas de metal utilizando o idioma português para suas músicas. Para você, quais são as vantagens e/ou desvantagens do uso de nossa língua para bandas underground?

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F.R. / Pelo menos no nosso caso, usei a língua lusa por uma questão de expressão somente, porque os referenciais eram tão fortes que tinham de ser manifestados em português. Nunca pensei nas vantagens e desvantagens. No entanto, uma das desvantagens, é o fato da banda ser vista através daquela imagem "agência de viagens" ou turista, coisa que eu pessoalmente detesto. No lado bom, há sempre um toque de exotismo e de passagem intercultural que acaba por ser agradável.

Whiplash! / O seu vocal é um dos destaques e diferencial do Moonspell. Que cuidados você usa para manter sua voz em forma?

F.R. / Freqüentei aulas de canto em períodos espaçados, durante dois anos, primeiro clássico e depois com a Madame Brigit Zacher, mais na área do jazz, swing, etc. e aprendi técnicas de respiração e movimentos, que, hoje em dia, me são indispensáveis. No lado logístico, chá com mel, muita água, abdominais e movimento diafragmático e acima de tudo não pensar muito no desgaste e aceitar a voz com naturalidade e feeling.

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Whiplash! / O Moonspell sempre teve ótimas letras em suas músicas; onde, em algumas, apresentam idéias que divergem de princípios religiosos. Em aspectos de religiosidade, que opiniões você defende sobre o assunto?

F.R. / Muito sumariamente, a religião é um mecanismo de projetar o Homem na figura de Deus, que foi criado pelo primeiro, e que por vicissitudes de poder e do fluxo histórico, foi ultrapassado pelos seus próprios métodos e criações. Hoje em dia a religiosidade cristã é um clube social moribundo, onde pessoas exercitam poderes e obsessões à custa de credulidade, que em nada pode ser comparada à Fé religiosa. Sou um antropocentrista radical, envolvido na revolução lenta e segura, de algum dia recuperarmos o que sempre foi nosso.

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Whiplash! / Ao mesmo tempo em que a banda mostra ao mundo o orgulho de ser portuguesa, as pessoas e a imprensa tem dito, em seu país, coisas bem desagradáveis sobre vocês, ao longo do tempo. Você acha que isso se deve ao fato de o Moonspell ter sido a primeira banda a ter se projetado a nível mundial?

F.R. / Portugal é um país de glórias precoces e mal distribuídas. Como os Moonspell sempre, mas sempre, se destacaram das ambições mesquinhas das bandas metal portuguesas, tornou-se óbvio que a força da nossa carreira internacional despertasse alguns pequenos ódios, que para já, nunca nos impediram de estar a anos-luz da nossa realidade, em termos de cena portuguesa. Hoje em dia, existe um respeito (normalmente contido e raivoso), por aquilo que representamos por parte de algumas bandas. Quanto à Imprensa, temos necessidades quase mínimas desta, pois nunca tivemos um apoio dito incondicional, à exceção de algumas pessoas. Encaro isto com a naturalidade devida, é a chamada mentalidade de caranguejo, existe na vida em tempo real, e como a Arte é o exagero desta é natural que assim seja, em especial no Metal conservador que não me poderia interessar ou excitar menos.

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Whiplash! / Portugal não tem muita tradição no metal mundial. Como anda a cenário metálico atualmente?

F.R. / Para além dos problemas acima referidos, existe algum talento musical a descobrir e bandas que tem percursos e novidades interessantes. A saber: Decayed, The Temple, Mofo, Sarcastic, Angel, Tarantula, Thragedium, e velhas glórias como The Coven Thormenthor, Braindead.

Whiplash! / Como você vê a atual cena metálica ao redor do mundo e seus infindáveis rótulos?

F.R. / Como uma cena conservadora, cansada e desinspirada na sua quase totalidade. Quanto aos rótulos alguns são completamente descabidos, outros nem por isso. As revistas grandes dominam e sugerem, as reuniões de bandas são na sua maior parte oportunistas e anacrônicas, as pessoas que ouvem enganadas ao ponto do preconceito. Felizmente há bandas como Katatonia, Tool, Root, etc. que valem a pena continuar ligados a este estilo.

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Whiplash! / Para você, qual é o rótulo sob o qual o Moonspell se encaixa?

F.R. / Metal obscuro.

Whiplash! / Que tipo de música você ouve e quais são as suas bandas preferidas, na atualidade?

F.R. / Ouço Metal, Darkwave, Bandas Sonoras, Spoken Word, Rock e Pop especialmente. Bandas como: Tool, Bathory, Celtic Frost, PJ Harvey, Tom Waits, NIN, Type O, L.Cohen, C.Isaak, Morbid Angel, etc. Coisas que alteraram a minha vida de alguma maneira.

Whiplash! / O que você poderia dizer sobre o show da banda no Brasil, apesar de, na época, ter havido pouca divulgação do e mudança na data de apresentação?

F.R. / Acima de tudo soube a pouco e foi pena todas as complicações que acabaram por prejudicar a afluência e o horário do concerto. O pior foi o comportamento vergonhoso de uma das bandas suporte, que envergonharam a noite com a sua prestação e atitudes amadoras e ridículas. Não obstante demos o nosso melhor e tudo acabou por correr bem e penso que o público presente apreciou. Conclusão, esperamos voltar em breve, em melhores condições, para apresentar o novo disco e tentar alargar o nosso núcleo de fãs aí, pelas afinidades existentes e pela química que acredito possa nascer entre Moonspell e o público brasileiro.

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Whiplash! / Como você define a personalidade dos fãs do Moonspell, tendo tocado em distintos países, desde então?

F.R. / É difícil. Todos eles têm uma personalidade diferente e uma maneira diferente de nos apreciar, o que é excelente em termos de quebrar a rotina que se estabelece por vezes numa tour. Acho, no entanto, que existe uma dedicação e uma concentração a toda a prova, o que para mim é mais valioso, que aquela obediência cega e bajulação desnecessária.

Whiplash! / Por favor, deixe um recado para os fãs brasileiros.

F.R. / Nada mais que um convite para penetrarem a fundo no efeito borboleta, estranhá-lo para entranhá-lo, e claro melhor que as mensagens fico-me no desejo de vos reencontrar junto ao palco e partilharmos histórias de vida e de morte.

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