Flammea: as pioneiras que uniram Hard ao Death para fazer Thrash
Resenha - Dark Brain / First Scream - Flammea
Por Willba Dissidente
Postado em 24 de maio de 2016
Nota: 7
O Brasil na década que há entre princípios dos anos oitenta e noventa vivia um paradoxo. No plano artístico, surgiam bandas novas de Metal em suas mais variadas vertentes, as pioneiras, todas acrescentando muito ao nascente movimento underground. No plano político, o governo militar e seus filhotes, não eleitos democraticamente ou instituídos por meio de manipulação, foram um desastre econômico sem tamanho: hiper inflação, concentração de renda e o nosso país mudando de moeda a cada novo plano econômico falido. Situação que colocava a crise atual (2014-16) no chinelo e gerava números de desemprego maiores do que países em guerra civil. O que isso ocasionou? Que grupos fabulosos de Metal que puderam lançar oficialmente seus trabalhos, pois além de não haver a tecnologia dos "estúdios caseiros" e quase ninguém ter dinheiro para bancar o material sozinho, a instabilidade econômica fazia os empresários do meio buscassem outros gêneros musicais de lucro mais seguro que nosso combalido Heavy Metal. Um desses artistas foi o FLAMMEA, que agora finalmente pode ao menos lançar oficialmente em CD alguns dos seus registros originários de fitas demo.
Vindos das cinzas da banda de Death Metal brasiliense chamada POST MORTEM em 1988, o FLAMMEA foi umas primeiras bandas formadas só por mulheres no Metal brasileiro. Lideradas pela baterista Ana Lima, a proposta era fundir o Hard Rock, que era comumente feito pelas bandas de mulheres, com o Death Metal de seu grupo anterior. O resultado do trabalho do quinteto, às vezes sexteto, foi o Thrash Metal tradicional de grupos da Bay Area estadunidense, como TESTAMENT, ANTHRAX, EXODUS, HEATHEN etc. Ainda que o período de gravações sejam de 1990 a 1993, o grupo não enverdou como o Thrash Groove Metal, popularizado por nomes como SEPULTURA (pós "Chaos A.D."), PANTERA (pós "Cowboys from Hell") e EXHORDER.
Vale ressaltar, e insistir, que as gravações são demo; ainda assim a posterior remasterização para este álbum retirou a maioria dos chiados e demais deméritos, fazendo o FLAMMEA soar, nas demos de 1993 e 1991, como um grupo de Metal de 1983 gravado à moda underground da época, como o disco do KARISMA, à guisa de exemplo. No geral, os sons possuem bases pesadas, baterias que preenchem muito bem as canções, baixo que segura a onda e refrões cativante, porém não apelativos ou repetitivos. A única diferença em relação aos grupos mais comuns de Thrash Metal é a falta de longas introduções. Ainda que o FLAMMEA tenha contado com a virtuosa guitarrista Neila Abrahão em 1993, é até interessante notar a evolução da musicista, nesta que foi sua primeira gravação em relação ao que ela fez no HARPPIA e continua a fazer no VALENTINE e a maior técnica alcançada. Faz dupla com ela, a já falecida Roberta Jacoto, que estava no mesmo nível técnico. O material resgata três anos muito produtivos, que incluiu muitas mudanças: de formação e cidade.
O cd começa com a demo "First Scream". O primeiro som "Blind Eyes" é bem pesado, base até meio punk, com vocal no estilo da saudosa Jackie Chambers do GIRLSCHOOL. "Out of Sight" tem sua melhor versão nessa demo, com uma paradinha muito bem sacada no baixo, cortesia de Suelli Mazuco, e uma citação ao ANTHRAX, com o mesmo berro da música "Indians", de 1987. Na demo de 1991, essas partes ainda não existiam. Seguindo com "Fucking Bastard" encontramos o som mais menos Heavy e mais Thrash, além de possuir o melhor solo. "Scream of Sadness" é a balada com teclado e gaita com fica super pesada, novamente com o baixo proeminente. É interessante notar que o FLAMMEA considerasse Lu Terra uma integrante em tempo integral, ainda que ela toque pouco no registro. "Fear" é muito ANTHRAX do "Among the Living", novamente demonstrando bem qual a maior influência das moças e chega com os melhores refrões e pré-refrões. A demo encerra com "Dark Brain", o cartão de visita do FLAMMEA. Uma grande canção que nessa demo tem uma introdução diferente em relação à demo anterior que intitula. Infelizmente, o cover "Heartbreaker" da PAT BENATAR foi suprimido desse CD, mas está no youtube para quem quiser ouvir.
O Cd segue sem ordem cronológica vindo a demo de 1990 com "Out Of Sight" e "In Front of the Mirror". Essa última, a melhor do registro, com alta introdução e riffs e solos Adriana Tavares e Zane Tavares segurando bem as pontas no baixo. Fazendo uma comparação de Vânia Parma (que gravou a demo que abre o disco) e Shirley Jovi (a vocal original), percebe-se que essa última tinha mais abrangência na voz, ainda que precisasse lapidar seu talento pois gritava mais que o necessário; todavia, foi prejudicada com uma gravação um pouco pior. O disco encerra com uma demo de 1991 para o som "Dark Brain". Essa gravação teve um problema de mofo no final da fita e está com a pior sonoridade da obra. É interessante que Deyse Bentim, que não solou no registro anterior, quebra tudo aqui em seu momento de demonstrar competência no solo.
Encerrando, o ponto negativo principal da obra está no descompasso do CD com o encarte (quatro páginas no formato folder, se tornando oito) . Enquanto o livreto inicia falando das demos de 1990 / 1991, o audio é de 1993; o que foi uma acertativa em relação à música que está mais bem produzida e atraente ao ouvinte. Todavia, os descompassos vão além. Além do encarte ser confuso e repetir muito as informações de formação em idas e vindas, a ordem das músicas está no encarte e não na contra-capa e ainda assim está escrita na ordem errada! Não que a baterista Ana Lima não tenha se empenado no texto mas faltou uma diagramadora para evitar esses pequenos vieses. Ainda que hajam fotos sem identificação, o material acerta por não repetir fotos e artes; porém, faz uma confusão ao dar tratamento gráfico à capa da demo "First Scream", e não fez o mesmo pela "Dark Brain", justamente a capa frontal do álbum! O encarte também fala de uma outra demo chamada "Witches", gravada em 1994, e indisponível na internet, cujas músicas poderiam ter sido incluídas nessa compilação. Desse jeito, sem elucidar se o material será lançado, só serviu para deixar o headbanger curioso.
Em suma, um trabalho para colecionadores e para quem apóia de verdade o underground. Não que a arte das moças não tenha qualidade ou capacidade para ser apreciada pelo público mais amplo e massificado, todavia, a limitação vêm mesmo do formato demo. Certamente, com as facilidades de gravação e a estabilidade política pelo qual o Brasil passou entre 2004-2014, se o FLAMMEA tivesse surgido nessa época, hoje teriam discos de qualidade sendo bem conhecidas. Todavia, um bastião do Thrash Metal nacional as moçam já são; e sempre o serão.
FLAMMEA:
Ana A. Lima - bateria em todas as faixas.
Vania de Parma - vocal nas faixas 01 a 06.
Neila Abrahão e Roberta Jacoto - guitarras nas faixas 01 a 06.
Sueli Mazzuco - baixo nas faixas 01 a 06.
Lu Terra - backing vocal, teclado e gaita nas faixas 01 a 06.
Shirley Jovi - vocal nas faixas 07 a 09.
Dayse Bentim - guitarra base nas faixas 07 e 08 e guitarra base e solo na faixa 09.
Adriana Tavares - guitarra solo nas faixas 07 e 08.
Zane Galvão - baixo nas faixas 07 a 09.
Demografia:
Flammea (1990 - faixas 07 e 08).
Dark Brain (1991 - faixa 09).
First Scream (1993 - faixas 01 a 06).
"A História do FLAMMEA: Dark Brain / First Scream" - Nacional - 2015 - Rock Brigade Records - 29:09
01 . Blind Eyes (03:20)
02 . Out Of Sight (02:48)
03 . Fucking Bastard (02:20)
04 . Scream Of Sadness (04:58)
05 . Fear (03:24)
06 . Dark Brain (03:22)
07 . In The Front of The Mirror (03:12)
08 . Out of Sight (02:27)
09 . Drak Brain (03:08)
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