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Kiss: "A vingança agrada a todos os corações ofendidos"

Resenha - Revenge - Kiss

Por Ronaldo Celoto
Postado em 19 de dezembro de 2013

Nota: 10 starstarstarstarstarstarstarstarstarstar

O sábio BALTASAR GACIÁN Y MORALES costumava dizer que "não há maior vingança do que o esquecimento". O grande MARCUS AURELIUS pregava que "o melhor modo de vingar-se do inimigo, é não se assemelhar a ele". Nenhuma destas frases merece ser elevada ao posto da supremacia de toda e qualquer definição para um disco que está acima de qualquer suspeita: "Revenge", o trabalho mais forte e consistente do KISS desde "Creatures Of The Night" e "Lick It Up", com uma roupagem hard com requintes de peso cavalar, refrões fantásticos, riffs memoráveis, e, claro, a volta merecida ao trono dos deuses de uma banda importantíssima para a história da música em todo planeta.

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Como iniciar um disco depois de uma década em que você, da condição de criador, passa a tentar tocar igual às criaturas, ou seja, reproduzir sua sonoridade de forma semelhante ao glam de Los Angeles e toda cena musical que atravessou os anos 80? E, mesmo sabendo que conseguiu destaque (ainda que alguns fãs mais radicais não tenham gostado), o fato é que você estava cansado de não ser você mesmo, e, queria, de volta, a prazerosa e única sensação de tocar rock’n’roll sem limites, e, de forma crua, direta e agressiva? A resposta foi um tiro mais do que bem dado: "Unholy". Sim, a profana encarnação de um GENE SIMMONS que já ficava datado pela imagem sinistra de "God Of Thunder", e, precisava ser rapidamente idealizada em um hino forte, que denunciasse que, por mais que a humanidade tentasse viver de esperanças, bondades e alegrias, o DNA luciférico, maldito, que transforma homens em soldados, corpos saudáveis em doentes terminais e religiões que serviriam para unir, em verdadeiros campos de extermínio, sempre haverá de prevalecer. Sim, esta é a assinatura com que "Unholy" dizia ao mundo que o KISS renascia feito FENIX, das cinzas do apogeu, diretamente para o coração de todos os seus fãs. É a volta triunfal de VINNIE VINCENT como coautor, na parceria sempre excelente que ele teve com PAUL e GENE, vide os dois discos anteriores (já mencionados) em que trabalhou, que estão entre os melhores da banda pós-1980.

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Para qualquer ser humano que terminou os anos 90 ouvindo "Boomerang", último faixa do bom álbum "Hot In The Shade", ouvir "Unholy" é como levar um soco no rosto, um susto em meio a um quarto escuro, tamanha a força da música. E, ao seu final, já com o testemunho de uma agradável surpresa sonora, a bateria de ERIC SINGER, de forma impiedosa, anuncia a segunda canção, crua e direta: "Take It Off" !!! Sim, tire tudo, coloque tudo para fora, explicite-se !!! É a mensagem de mais um pesadíssimo hard rock extremamente fantástico, que dá o segundo tom e avisa que, assim como o "Deus do Trovão" proclamou-se profano, o "Deus do Amor" abre passagem e conclama todas as princesas do Olimpo para segui-lo em uma orgia cabalística de libertinagem, belos riffs de guitarra e muita, muita lenha para ser queimada.

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"Tough Love" destila uma pequena queda do ritmo, talvez necessária, talvez intencional, talvez para dizer que, neste álbum, eles estavam explorando parcerias na composição, e, desta vez, coube a BOB EZRIN e BRUCE KULLICK fazerem as honras. É uma boa canção, mas, claro, não podemos exigir que ela tenha a força inicial das duas primeiras, senão qualquer fã menos preparado sofreria um enfarto mental, tamanha a alegria de ver os quatro cavaleiros da boa música a destilarem petardos e petardos ininterruptos.

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E lá vamos nós com "Spit", uma bela e gostosa novidade: o flerte com o rap de forma despretensiosa e genial, cadenciado pelas guitarras bem encaixadas de PAUL e BRUCE, e, a batida pesada de SINGER, diga-se de passagem, um músico esplêndido, substituto do inesquecível e único ERIC CARR, de forma honrosa e espetacular. Bela evolução musical de PAUL e GENE como compositores, sem medo de arriscarem ritmos, assim como um dia já fizeram com a cataclísmica e monumental "I Was Made For Loving You", que tornou-se um dos maiores hits da era disco, sem ser uma canção disco. Aliás, vale dizer que esta formação do KISS merece um grande destaque em termos musicais, e, pessoalmente, gosto muito do visual assumido nesta época (foto abaixo).

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"God Gave Rock and Roll To You II" foi a canção escolhida para abrilhantar o meio do disco. É uma das mais lindas canções sobre o poder do amor pela música, a fé de quem todos os dias batalha como um leão para tocar e compor canções sonhando um dia, ser agraciado por seu trabalho. É um hino que deveria tocar como inspiração em todos os conservatórios musicais, para que mais e mais jovens sonhadores tivessem a coragem e a vontade de montar sua própria banda, e, dar asas à sua criatividade, para voar além do que parecia impossível. A dualidade de vozes intercaladas, cada um dos dois (PAUL e GENE) fazendo a sua vez, a exemplo dos antigos hinos, como "Shout It Out Loud", recriou a fórmula precisa que o KISS sempre soube desenvolver, quando se predispunha a criar hinos. Foi assim com "Kissing Time", foi assim com "Let Me Go Rock and Roll", foi assim com "Rock’n’Roll All Nite", foi assim com "Shout It Out Loud", foi assim com "I Love It Loud". É o KISS fazendo o que só o KISS sabe fazer: hinos em homenagem ao bom e velho rock’n’roll !!! Parceria, diga-se de passagem, perfeita novamente, com os antigos conhecidos RUSS BALLARD e BOB EZRIN.

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Quem não se emociona quando eles dizem: "If you wanna be a singer or play guitar/Man, you gotta sweat or you won´t get far/Cause it´s never too late to work nine-to-five/ You can take a stand or you can compromisse/You can work real hard or just fantasize/But you don´t start living till you realize... God gave rock and roll to you" ??? Até mesmo uma estátua seria capaz de derramar lágrimas de gesso com tamanha homenagem a algo que lhes rendeu fortuna, mas principalmente, lhes trouxe prazer em tocarem para milhões de pessoas, construírem uma família chamada KISS, e, poderem devolver aos ouvidos e espíritos de seus fãs, toda a emoção e agradecimento que conquistaram.

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"Domino" é o impulso seguinte. Belo riff de guitarra, um verdadeiro tributo ao rock de primeira escala, aquele rock "das antigas" (como dizem os fãs de topete e brilhantina), que poderia ter sido escrito pelos STRAY CATS ou por ELVIS, e, que o KISS resolveu criar ao seu modo, seu torna-lo dançante ao estilo "rockabilly", mas sim, um ensaio de sincronia e a chamada "pegada", o "feeling" musical excelente. GENE, para variar, cantava a história de uma mulher que simplesmente lhe vira a cabeça. A letra é pura e direta: "Never had confession/Never had a home/Never had no worry/ Until I met Domino".

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E a pista começa a pegar fogo novamente. "Heart Of Chrome", de forma fantástica, traz de volta VINNIE VINCENT como compositor, numa performance gigantesca de toda a banda, com PAUL STANLEY liberando suas cordas vocais de forma estridente, e, um refrão poderosíssimo, marcante, pesado. Era o novo KISS, que, música após música, derretia os icebergs da era glacial e cuspia fogo para além dos palcos. Grande, grande momento!!!

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JESSE DAMON foi convidado por GENE para participar do disco em uma das canções, e, de repente, surgia "Thou Shalt Not", forte, suja, crítica e extremamente pesada, daquelas canções que poderiam até ser compostas por bandas como SLAYER ou METALLICA em seus discos mais "hard" e menos "thrash", que seriam perfeitamente bem acolhidas.

Alguém aí está sentindo falta de algo? Uma canção romântica, seria a resposta? Sim, como todo disco produzido por BOB EZRIN, não poderia faltar a chamada "balada". Só que não é qualquer "balada". É simplesmente "Every Time I Look At You", o embrião magnífico nascido da parceria de PAUL com o produtor, com alguns toques orquestrados, uma letra sublime, uma confissão apaixonada de um homem que, cada vez que olha para sua amada, sente que pode vencer o mundo todo apenas com o seu coração. Lindos são os versos que seguem: "Every time I look at you/No matter what I´m goin´ thru/It´s easy to see/And every time I hold you/The things I never told you/Seem to come easily/´Cause you´re everything to me". E a catálise romântica ainda prossegue, maravilhosa, com mais versos apaixonados: "It´s gonna take a little time to show you/Just what you mean to me/It seems the more I get to know you/The more I need to make you see, you´re everything I need". É uma das cinco melhores canções românticas do KISS. Pessoalmente, é uma música que me enche o coração e os olhos de esperança, pois é algo que literalmente, eu gostaria de ter escrito e cantar para uma mulher.

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Passados os suspiros, é hora de respirar, retomar o fôlego, e, ouvir uma canção muito boa, como que uma preparativa para a que viria a seguir. Afinal, "Paralyzed" é uma boa parceria de GENE com EZRIN, e, que surpreende mais pelo belo jogo de vozes nos refrões (novamente, com uma veia similar a um rap ou um funk-metal) e pela pegada rasgada e também dançante das guitarras, além da cortada de bateria no meio da música, muito bem entoada. Muito boa canção. Belo solo de BRUCE KULLICK. No geral, um grande flerte do KISS com outros ritmos.

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E então, antes mesmo de ligar novamente o modo ON o botão da curiosidade, os dois segundos de intervalo entre o tempo e a magia se encarregam de trazer novamente uma magnífica obra-prima, quando de repente, PAUL STANLEY grita para quem quiser ouvir: ¨I got a body buit for sin/And an appetite for passion¨.

E assim, a contagiante "I Just Wanna" entra em cena, uma preciosa música que rasga o asfalto dos corações imaginários de todos os rockers. Sabe aquelas canções que você ouve e imagina estar sentado numa HARLEY DAVIDSON, em plena estrada, com a sua nela namorada na garoupa, indo em direção a um encontro de motos, com pelo menos mais trinta ou quarenta amigos ao seu lado, preenchendo a rodovia em direção ao evento? É mais ou menos esta a mágica atmosfera que eu, pessoalmente (cada um sente algo diferente), sinto ao ouvi-la. Que grande música!!! Que grande riff!!! Que grande trabalho do sempre espetacular ERIC SINGER!!! É a música mais "KISS" de todo o disco !!! Fantástica, alegre, sublime !!! E a parceria com PAUL nesta canção, coube a quem ??? Sim, a ele mesmo, VINNIE VINCENT, que, em todas as canções que participou como compositor, elevou o nível de "Revenge" além do que poderia ser previsto !!!

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Para finalizar, a homenagem mais do que merecida a um simples e pobre menino, que aprendeu a tocar bateria apenas com os ouvidos e mãos, sem escola, sem conservatórios, um guerreiro de alma nua e crua, que libertou-se da doença e descansou em paz no céu dos gigantes: "Carr Jam 1981", um epitáfio ao inesquecível ERIC CARR, alma máxima de todos os expoentes que um dia sentaram atrás dos bumbos de uma das bandas mais enigmáticas e marcantes de sempre.

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E assim, "Revenge" disse olá à geração dos anos 90, galgada pela epifania e pelo modismo grunge, que jamais foi capaz de vencer o rock’n’roll verdadeiro, legítimo, festivo e triunfante que somente o KISS é capaz de oferecer. A vingança, palavra que dá nome ao disco, neste caso, será muito melhor traduzida não com as duas frases colocadas no início do texto, mas sim, com uma ótima apologia à vingança e a generosidade simultâneas, que me permitem agora finalizar esta resenha dizendo a magia que nós, fãs, sentimos ao ver (depois de tantas e tantas críticas de revistas e de alguns novos ¨rockers¨ nascidos em meio aos ruídos e barulhos modistas, e, que diziam que o KISS já havia acabado) uma das bandas que mais amamos ressurgir com um trabalho digno de triunfo. E a frase é: "A vingança agrada a todos os corações ofendidos. Uns preferem-na cruel, outros generosa (PIERRE MARIVAUX)".

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E generosa é a acepção mais do que perfeita para ecoar a vingança aqui referida. Pois, generosidade é algo que nunca faltou ao KISS para com seus fãs. Música após música, "Revenge" é um diamante em forma de atitude, musicalidade, agressividade e alegria. É o KISS dizendo: Anos 90 ??? Para nós, não faz diferença qual seja a década. Nós somos e seremos sempre além de todo e qualquer tempo !!! Nós somos eternos !!! Nós somos o KISS !!!...

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Sobre Ronaldo Celoto

Natural do Estado de São Paulo, é escritor, professor, poeta e consultor em direito, política e gestão pública. Bacharel em Direito, com Mestrado em Ciência Política, atualmente cursa Doutorado em Direito, Justiça e Cidadania pela Universidade de Coimbra. Além destas atividades, dedica diariamente parte de seu tempo à pesquisa e produção de artigos científicos, contos, romances, matérias jornalísticas, biografias e resenhas. Seus interesses pessoais são: cinema, política, jornalismo, literatura, sociologia das resistências, ética, direitos humanos e música.
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